Hoje faz anos o campeão em quatro divisões em Portugal que jogou na Bundesliga e foi estrela na Suíça. Quem se lembra de Carlitos?
Carlitos foi internacional sub-21 por Portugal (sete jogos/dois golos)
Um bom exemplo do que é subir a
pulso na carreira. No espaço de quatro anos, foi campeão na III Divisão (pelo Amora,
em 2000-01), II Divisão B (Estoril,
2002-03), II
Liga (Estoril,
2003-04) e I
Liga (Benfica 2004-05). Pelo meio, ainda deu a Portugal o terceiro lugar no
Europeu de sub-21
em 2004. Depois de fazer o pleno no futebol luso, foi para a Suíça vencer dois
campeonatos (pelo Basileia,
em 2007-08 e 2009-10), jogou na Bundesliga
(pelo Hannover, entre 2010 e 2012) e apurou o Estoril
para a Liga
Europa em anos consecutivos (2013 e 2014). Ficou a faltar a seleção
nacional A.
Filho de pai cabo-verdiano e mãe
portuguesa, nasceu em Lisboa e ainda viveu no antigo Casal Ventoso, foi viver
para a margem sul do Tejo ainda em tenra idade. Foi no clube do bairro, o Arrentela,
no concelho do Seixal, que se iniciou o trajeto inspirador de Carlitos, fã de Romário,
no futebol. Numa altura em que já era júnior,
mudou-se para a zona da Amora e também para o Amora
Futebol Clube, tendo brilhado no campeonato nacional da categoria em
2000-01, época em que também foi chamado pela primeira vez à equipa principal,
que se sagrou campeã da III Divisão – Série F.
Na temporada seguinte, o até
então número 10 foi puxado para extremo pelo treinador José Carvalho, saindo-se
muito bem nos jogos de pré-época, nomeadamente diante do primodivisionário Santa
Clara. Na primeira jornada do campeonato, diante do União
da Madeira, estreou-se a andar de avião e na condição de titular.
Os bons desempenhos despertaram a
cobiça de emblemas de dimensão superior. Chegou a treinar nas equipas B do Atlético
Madrid e FC
Porto e foi assediado por Estoril
e União
da Madeira. Paralelamente, foi encaminhado a José Veiga, que tinha ações no
emblema
do concelho de Cascais e o levou para lá com o aval do treinador Ulisses
Morais. No António Coimbra da Mota pegou
de estaca e revelou-se fundamental para as subidas à II
Liga em 2003 e para a I
Liga em 2004. Com naturalidade, estreou-se pela seleção
nacional de sub-21 em fevereiro de 2004 e ainda nesse ano ajudou a equipa
das quinas a alcançar o terceiro lugar no Europeu da categoria, tendo
marcado o golo à Suécia,
já na segunda parte do prolongamento, que garantiu essa posição e o consequente
apuamento para os Jogos
Olímpicos de Atenas. O mesmo José Veiga que o levou
para o Estoril
voltou a ser determinante para mais um salto na carreira, desta vez para o Benfica,
apesar de o FC
Porto também se ter mostrado interessado. O coração falou mais alto. “Sempre
quis assinar pelo Benfica.
Desde pequeno a torcer pelo Benfica,
a ver jogos no Estádio
da Luz, só pensava, um dia quero lá estar”, contou à Tribuna
Expresso em setembro de 2019. Embora bem acolhido no balneário
encarnado, especialmente por Luisão, não conseguiu convencer Giovanni
Trapattoni a dar-lhe mais do que um total de 15 jogos (apenas três a
titular) na época 2004-05, fruto da concorrência de Simão
Sabrosa, Geovanni e João Pereira. Ainda assim, sagrou-se campeão nacional. “Quando cheguei lá, o Trapattoni
queria que eu jogasse e ia apostar em mim. Já ouvi histórias de que ele ia
apostar em mim, só que na pré-época, na Suíça, aleijei-me na parte de trás da
coxa e fiquei dois meses parado. Perdi o barco. E, quando voltei, como não
tinha feito pré-época, não tinha aquele andamento que tem de se ter. O Geovanni
e o Simão
estavam bem, não tiveram lesões, já não deu para eu entrar”, recordou o antigo
extremo.
Na temporada seguinte, teve um
novo treinador, Ronald
Koeman, mas voltou a ser preterido. “Eu ainda fiz a pré-época, tudo estava
bem. Mas não jogava nunca porque ele metia sempre o Geovanni. Até que houve um
jogo contra o Sporting
em Alvalade
que ele me mete a titular. Como se diz, atirou-me aos leões.
Eu acho que o jogo não me correu mal, joguei até aos 57 minutos. Estava 1-1,
nunca mais me esqueço, tirou-me a mim, que estava a jogar a extremo direito e
estava a apanhar o Tello,
um ícone do Sporting.
Ele não fez quase nada comigo porque eu estava a defender bem. O Koeman
trocou-me pelo Beto e o Tello
faz uma jogada, cruza e o Liedson
marca golo. Perdemos 2-1. Os jornais caíram todos em cima Koeman
por ele me ter feito jogar. Tinha estado uma época inteira sem jogar e depois
num jogo desses, um dérbi, meteu o Carlitos a jogar. No fim de semana seguinte
ele mandou-me para a equipa B”, lembrou Carlitos, que em dois jogos pelos bês encarnados
marcou um golo ao Casa
Pia e bisou diante do Odivelas,
em partidas a contar para a III Divisão Nacional – Série D. Seguiu-se um empréstimo ao Vitória
de Setúbal na segunda metade de 2005-06. Ao serviço dos sadinos
apontou seis golos em 19 jogos oficiais, tendo ajudado a equipa a atingir pelo
segundo ano consecutivo a final da Taça
de Portugal e atuado os 90 minutos na derrota às mãos do FC
Porto no Jamor (0-1): “Fiz uma grande segunda volta.”
Após esse meio ano no Bonfim,
Sp.
Braga e Belenenses
mostraram-se interessados no atacante, mas o Benfica
não o deixou ficar em Portugal, tendo-o cedido aos suíços do Sion. Com o
compatriota José Manuel Pinto e o angolano Kali na equipa a facilitar a
adaptação, começou a explodir no futebol helvético, tendo apontado oito golos
em 26 jogos oficiais em 2006-07 e contribuído para a obtenção de um honroso 3.º
lugar no campeonato, a melhor classificação do clube desde o título conquistado
dez anos antes. Valorizado, transferiu-se por 2,5
milhões de euros para o principal clube suíço daquele tempo, o Basileia,
ao serviço do qual venceu duas dobradinhas (2007-08 e 2009-10) e jogou na Liga
dos Campeões em 2008-09, após afastar
o Vitória de Guimarães numa polémica pré-eliminatória. Na Champions
defrontou por duas vezes o Sporting
e fez uma assistência num empate dos helvéticos
diante do Barcelona
de Pep Guardiola, Lionel Messi e companhia em Camp Nou (1-1). “Gostei muito
da cidade, só não gostei da fala, porque eles falam alemão e eu odiei alemão.
Mas como já tinha aprendido francês, safei-me. O treinador falava francês e
tinha muitos franceses na equipa, tinha argentinos também e espanhóis. Mas
gostei muito do Basileia”,
recordou, em jeito de balanço.
Após três anos, 103 jogos e 17
golos pelo Basileia,
transferiu-se a custo zero para o Hannover, na altura uma equipa da primeira
metade da tabela na Bundesliga.
Defrontou, por exemplo, o Borussia
Dortmund de Jurgen Klopp no Signal Iduna Park, mas não foi além de um total
de nove jogos pelo emblema germânico entre 2010 e 2012, numa aventura marcada
pela ausência de… salários. “Tinha o meu salário, tudo bonitinho, cheguei lá
como craque e eles queriam que eu começasse a jogar o mais rápido possível
porque ia começar o campeonato. Eu já fui tarde, mas eles meteram-me a jogar
logo no primeiro jogo e não me fizeram um seguro que era importante na
Alemanha. Eu não sabia as leis, quem tinha que me avisar sobre as leis era o
empresário que me meteu lá. Eles tinham de mandar os meus exames para esse
seguro, para ver se estava tudo bem. Só que eles só enviaram um dia antes do
jogo. ‘Ah o Carlitos joga. Não tem seguro hoje, mas amanhã já tem’. E eu
lesionei-me logo no primeiro jogo. Fiz uma rotura de ligamentos no joelho.
Quando fui ver, não tinha salário, não tinha nada, não me pagavam. Esse seguro
não foi acionado porque não mandaram o sangue a tempo. Só na semana seguinte é
que ia estar pronto, é que faziam a apólice. Fiquei sem salário quase ano e
meio”, contou. Após esses dois anos ficou livre
e sem interessados. Voltou ao Estoril
apenas com o intuito de treinar para manter a forma, mas Marco
Silva convenceu-o a efetivar o regresso ao António Coimbra da Mota. “Fiquei
lá a treinar só para manter a forma e ver se aparecia alguma coisa e é quando o
Marco
Silva veio ter comigo e disse: ‘Não queres ficar aqui para me ajudares?’. E
eu respondi: ‘Vou assinar um ano aqui. Se correr bem, a gente depois vê’. Foi
ele, o Marco
Silva, que me puxou e me deu a oportunidade”, lembrou o extremo, que
considera o atual treinador do Fulham
o melhor que teve na carreira: “A gente chegava aquecia e fazia meinhos como o Barcelona
faz. Fazíamos tudo o que um jogador de futebol gosta. Tantos anos que tenho de
carreira e foram os dois anos em que ia mais contente para o treino.”
Acabou por ficar dois anos no Estoril.
Desta feita não havia divisões para subir, mas houve dois apuramentos
consecutivos para a Liga
Europa (2013 e 2014), seis golos e 57 partidas.
Depois foi convidado a voltar ao
Sion, clube que veio a representar até 2019, quando pendurou as botas, aos 36
anos, tendo vencido uma Taça da Suíça (2014-15) durante a sua segunda passagem
pelo emblema helvético.
Após encerrar a carreira de
futebolista voltou a Portugal, mais concretamente à margem sul do Tejo, onde
tem negócios no ramo imobiliário.
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