Quem se lembra do boato que arruinou a carreira de Calado?
Calado somou 187 jogos e oito golos pelo Benfica
Médio de características
defensivas, Calado vinha a fazer uma bela carreira. Terminou a formação e
iniciou o percurso como sénior no Casa
Pia, brilhou no Estrela
da Amadora ao ponto de ser chamado à seleção
nacional AA e conquistou o seu espaço no Benfica.
Somou 187 jogos e oito golos de águia
ao peito entre 1995 e 2001, foi subindo na hierarquia do plantel e, após o
despedimento de João Vieira Pinto no verão de 2000, tornou-se no capitão de uma
equipa que tinha Robert Enke, Paulo Madeira, Karel Poborsky, Maniche
e Pierre Van Hooijdonk, entre outros.
Uma grande honra para o jogador
embora as coisas desportivamente não estivessem a correr bem aos encarnados,
que não eram campeões desde 1993-94 e no ano anterior tinham passado por uma
humilhante goleada por 0-7 aos pés do Celta
de Vigo para a Taça
UEFA. Aquela que estava a ser uma
carreira sólida e bonita, porém, começou a ficar arruinada a 14 de setembro de
2000, quando o semanário Crime insinou uma alegada relação homossexual
com o cantor Melão, numa altura em que o futebolista até era casado.
Anteriormente, um artigo de opinião de Manuel Serrão no jornal O Jogo
com o título “Calado que nem um melão” havia feito crescer o boato.
Na altura, a aceitação e a
tolerância para com a homossexualidade não existiam como nos dias de hoje, pelo
que vários adeptos benfiquistas
se manifestaram presencialmente contra a presença de um alegado “paneleiro” na
equipa de futebol. No fim de um treino no Estádio
da Luz, Calado não aguentou as bocas– chamavam-lhe o “Capitão Gay”, entre
outras coisas – e chegou a responder fisicamente a alguns adeptos. A
2 de outubro, numa receção ao Sp. Braga que terminou com um empate a dois golos,
o centrocampista foi massacrado com insultos e piadas, especialmente quando
falhava algum passe ou perdia a bola. O jogador não aguentou a pressão e, ao
intervalo, desequipou-se e apresentou a sua substituição como um facto
consumado, passando por cima da autoridade do treinador José
Mourinho e colocando-se numa posição complicada enquanto capitão. Já com a segunda parte a
decorrer, confessou a pessoas próximas, de forma emocionada, que tinha deixado
de ter condições para jogar no Benfica.
E, no final do encontro, envolveu-se verbalmente com o então presidente Vale
e Azevedo, pedindo mais proteção para os jogadores.
Mesmo a passar por uma profunda depressão,
Calado pediu desculpa e viu o Benfica
abrir-lhe um processo de inquérito, retirar-lhe a braçadeira de capitão e coloca-lo
a treinar à parte. A situação obrigou Melão a
promover uma conferência de imprensa para desmentir o boato, enquanto o
futebolista foi ao programa de Herman José fazê-lo.
“Foi um pesadelo. Foi
extremamente perturbador para ele, que se sentia muito mal com as acusações.
Lembro-me de ir almoçar com o Calado e das pessoas na rua comentarem e
‘mandarem bocas’ a propósito do Melão. Ele sempre foi heterossexual. Foi uma
invenção estúpida, que prejudicou a vida pessoal e profissional dele”, recordou
o diretor de comunicação do Benfica
na altura, João Malheiro. Calado voltou a jogar pelo Benfica
no final desse mês e ficou no clube até ao início da temporada seguinte, mas
acabou por se transferir para os espanhóis do Betis
no verão de 2001. Anos mais tarde, em entrevista ao Diário de Notícias,
explicou que a sua saída dos encarnados
esteve em parte relacionada com o boato. “As pessoas têm uma ideia feita sobre
a vida dos jogadores, associada a muitas mulheres, farra, uma vida de cinema. É
uma irrealidade. A homossexualidade não faz parte disso e ser confrontado com
um boato desses no meio desportivo é muito complicado. Cada vez que andava pela
rua com a família tinha de enfrentar bocas e olhares de gozo”, afirmou em 2005. Aos dois anos sem grande sucesso em
Sevilha seguiram-se passagens pelas divisões secundárias de Espanha
e pelo futebol cipriota antes de encerrar a carreira em 2010.
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