quinta-feira, 27 de março de 2025

O bom gigante que garantiu o 3.º lugar de Portugal no Mundial 1966. Quem se lembra de José Torres?

Torres brilhou ao serviço de Benfica, Portugal e Vitória FC
Um gigante em altura (1,90 m), atributos e façanhas. Faturou por 21 épocas seguidas na I Divisão, de 1959-60 a 1979-80, e marcou o golo, diante da União Soviética, que garantiu o terceiro lugar a Portugal no Mundial 1966. Foi ainda melhor marcador do campeonato português em 1962-63 e da Taça dos Campeões Europeus em 1964-65.
 
Natural de Torres Novas, nasceu no seio de uma família com alguns futebolistas, entre os quais o pai, Francisco, antigo defesa do Carcavelinhos; e o tio Carlos, que chegou a representar o Benfica durante quatro temporadas, de 1933 a 1937.
 
Embora fosse um homem do futebol, o progenitor quis desviar José, que trabalhava como aprendiz de serralheiro mecânico, do desporto-rei. “Ele não queria que eu jogasse porque me achava muito fraquinho e tinha medo que eu ficasse tuberculoso. Foi preciso o senhor Henrique, encarregado da oficina dos Claras, ir falar com o meu pai para acelerar o meu processo como futebolista. Mas só fui com a condição de fazer um complexo exame médico”, contou ao jornal O Mirante em julho de 1999.
 
O primeiro clube que Torres representou enquanto futebolista sénior foi o Clube Desportivo de Torres Novas, tendo brilhado intensamente à conta de 105 golos em duas épocas na III Divisão, de 1957 a 1959.
 
Muito cobiçado, acabou por se transferir para o Benfica, com o aval do treinador brasileiro Otto Glória, que até estava de saída do clube. Mas até se revelar uma contratação certeira, o gigante ponta de lança teve muito que penar na sombra de José Águas e posteriormente na de Eusébio.
 
 
Embora tivesse feito parte dos plantéis que conquistaram a Taça dos Campeões Europeus (1960-61 e 1961-62), Torres não foi utilizado na competição em ambas as épocas. Foi a maior mágoa da sua carreira: “Tudo por causa de regulamentos sem pés nem cabeça. Por exemplo: na final da Taça dos Campeões entre o Benfica e o Real Madrid, o Cavém lesionou-se e eu não pude entrar porque era proibido. Depois perdi as outras três finais [com AC Milan em 1962-63, Inter em 1964-65 e Manchester United em 1967-68].”
 
Mesmo sem jogar, Torres mantinha a boa-disposição. “Uma das travessuras mais frequentes era meter a sua dentadura na sopa de alguém, às escondidas. Está a ver o ar de qualquer um de nós a levar a colher à boca, não está?”, recordou a antiga glória benfiquista António Simões.
 
Por outro lado, foi aproveitando as provas internas para mostrar serviço: dois golos em três jogos em 1959-60, onze golos em cinco partidas em 1960-61 e 15 remates certeiros em oito encontros em 1961-62. “Na Escócia, em 1960, um jornalista escocês disse que eu parecia um jogador de basquetebol e o [Béla] Guttmann respondeu que eu jogava pouco, mas já valia dois mil contos ao Benfica se me quisessem contratar. E depois acrescentou: ‘Dentro de três anos, nem o conseguem contratar pelo dobro.’”, contou.
 
A previsão do treinador húngaro revelou-se certeira, mas já com Fernando Riera no comando técnico, tendo o técnico chileno ficado convencido com os dez golos que o atacante apontou num 12-0 ao Alhandra, em Alhandra, em outubro de 1962. Nessa que foi a sua primeira época a titular sagrou-se melhor marcador da I Divisão, com 26 golos, mais dois do que Lourenço (Académica) e três do que Eusébio (Benfica). “Há dois jogadores esquecidos ou pouco falados dessa era do Benfica: um é o Torres, o outro é o Jaime Graça. Veja lá isto, o Torres foi o melhor marcador de uma equipa com o Eusébio. Isso diz tudo sobre o Torres”, realçou Simões.
 
 
O registo goleador do avançado foi premiado com a primeira internacionalização, diante da Bulgária em Roma, no jogo de desempate da ronda preliminar da fase de apuramento para o Euro 1964, a 23 de janeiro de 1963.
 
Torres não voltou a sagrar-se melhor marcador do campeonato, mas não deixou de apresentar belíssimas estatísticas: 22 golos em 15 jogos em 1963-64, 23 em 23 em 1964-65, 18 em 23 em 1965-66, oito em 13 em 1966-67, 17 em 22 em 1967-68, 16 em 19 em 1968-69 e 13 em 20 em 1969-70. Menos produtiva foi a temporada de despedida, 1970-71, com apenas dois remates certeiros em dez encontros.
 
 
Pelo meio sagrou-se melhor marcador da Taça dos Campeões Europeus em 1964-65, com nove golos em outras tantas partidas, e foi titularíssimo na seleção portuguesa que disputou o Mundial 1966. Além de ter marcado o golo que garantiu o terceiro lugar em Inglaterra, faturou por duas vezes na fase de grupos, diante de Hungria e Bulgária. “Fala-se de Eusébio, um terrível rematador que tem, no entanto, o defeito de pensar mais em si do que nos companheiros e cita-se Bobby Charlton. Mas gostaria de os ver, dentro da grande área, a lutar como luta Torres. Este avançado é um caso raro de utilidade. Como é esforçado e inteligente, o seu jogo de cabeça é perfeito, do melhor que se tem visto em toda a história. Ele marcou três golos e deu pelo menos uns dez”, comentou na altura o francês Just Fontaine, melhor marcador do Mundial 1958, com 13 golos.
 
 
No verão de 1971, já com 33 anos, viu o seu nome envolvido na transferência mais cara até então do futebol português, quando o Benfica contratou o Vítor Baptista ao Vitória de Setúbal a troco de três mil contos mais Matine, Praia e Torres. E assim se despediu da Luz, “de consciência tranquila” e com o sentimento de “dever” cumprido, depois de 229 golos em 258 jogos, nove campeonatos (1959-60, 1960-61, 1962-63, 1963-64, 1964-65, 1966-67, 1967-68, 1968-69 e 1970-71) e quatro Taças de Portugal (1961-62, 1963-64, 1968-69 e 1969-70).
 
Apesar da idade, ainda jogou quatro épocas a um altíssimo nível ao serviço do emblema sadino, tendo somado 53 golos na I Divisão e dez na Taça UEFA entre 1971 e 1975, tendo faturado na prova europeia a clubes como Spartak Moscovo, Tottenham, Leeds e Estugarda, ajudando os setubalenses a atingir os quartos de final em 1973-74. Também contribuiu para a melhor classificação de sempre do Vitória no primeiro escalão, o segundo lugar alcançado em 1971-72 – foi ainda terceiro classificado do campeonato em 1972-73 e 1973-74 e finalista vencido da Taça de Portugal em 1972-73.
 
Enquanto esteve no Bonfim averbou ainda as duas últimas de 33 internacionalizações que amealhou ao longo a carreira, despedindo-se em outubro de 1973, curiosamente frente à primeira seleção que tinha defrontado, a Bulgária, desta vez com um empate a dois golos na Luz.
 
 
Ainda com força nas pernas, mudou-se para o Estoril em 1975, quando já tinha 37 anos, e ao longo de seis anos marcou pelo menos um golo por época, o que lhe permitiu, em 1979-80, concluir a carreira após 21 temporadas consecutivas a faturar na I Divisão.
 
Após pendurar as botas tornou-se treinador. Depois de experiências como jogador-treinador no Vitória de Setúbal e no Estoril, passou pelos bancos de Estrela da Amadora e Varzim antes de guiar a seleção nacional até ao Mundial 1986, no México, marcado pelo Caso Saltillo. Depois ainda orientou Boavista, Portimonense e Desportivo de Beja.
 
Quando se despediu do futebol e quis reformar-se, no final da década de 1990, apanhou uma desilusão. “Fui aprendiz de serralheiro mecânico entre 1953 e 1959. Curiosamente, para a Segurança Social eu não existo como jogador de futebol: só lá aparecem os descontos da Oficina dos Claras. Soube isso agora quando quis meter os papéis para a reforma. De todos os descontos que fiz no Benfica, no Vitória de Setúbal e no Estoril nada entrou na Segurança Social”, revelou em 1999.
 
Por via disso, Torres passou a reta final da sua vida a receber 400 euros de reforma. Numa altura em que sofria da doença de Alzheimer há vários anos, acabou por morrer a 3 de setembro de 2010, cinco dias antes daquele que seria o seu 72.º aniversário. 



 




Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...