O bom gigante que garantiu o 3.º lugar de Portugal no Mundial 1966. Quem se lembra de José Torres?
Torres brilhou ao serviço de Benfica, Portugal e Vitória FC
Um gigante em altura (1,90 m),
atributos e façanhas. Faturou por 21 épocas seguidas na I
Divisão, de 1959-60 a 1979-80, e marcou o golo, diante da União
Soviética, que garantiu o terceiro lugar a Portugal
no Mundial 1966. Foi ainda melhor marcador do campeonato português em
1962-63 e da Taça
dos Campeões Europeus em 1964-65.
Natural de Torres Novas, nasceu
no seio de uma família com alguns futebolistas, entre os quais o pai,
Francisco, antigo defesa do Carcavelinhos;
e o tio Carlos, que chegou a representar o Benfica
durante quatro temporadas, de 1933 a 1937. Embora fosse um homem do futebol,
o progenitor quis desviar José, que trabalhava como aprendiz de serralheiro
mecânico, do desporto-rei. “Ele não queria que eu jogasse porque me achava
muito fraquinho e tinha medo que eu ficasse tuberculoso. Foi preciso o senhor
Henrique, encarregado da oficina dos Claras, ir falar com o meu pai para
acelerar o meu processo como futebolista. Mas só fui com a condição de fazer um
complexo exame médico”, contou ao jornal O
Mirante em julho de 1999. O primeiro clube que Torres
representou enquanto futebolista sénior foi o Clube Desportivo de Torres Novas,
tendo brilhado intensamente à conta de 105 golos em duas épocas na III Divisão,
de 1957 a 1959. Muito cobiçado, acabou por se
transferir para o Benfica,
com o aval do treinador brasileiro Otto
Glória, que até estava de saída do clube. Mas até se revelar uma
contratação certeira, o gigante ponta de lança teve muito que penar na sombra
de José
Águas e posteriormente na de Eusébio.
Embora tivesse feito parte dos
plantéis que conquistaram a Taça
dos Campeões Europeus (1960-61 e 1961-62), Torres não foi utilizado na
competição em ambas as épocas. Foi a maior mágoa da sua carreira: “Tudo por
causa de regulamentos sem pés nem cabeça. Por exemplo: na final da Taça
dos Campeões entre o Benfica
e o Real
Madrid, o Cavém lesionou-se e eu não pude entrar porque era proibido.
Depois perdi as outras três finais [com AC
Milan em 1962-63, Inter
em 1964-65 e Manchester
United em 1967-68].” Mesmo sem jogar, Torres mantinha
a boa-disposição. “Uma das travessuras mais frequentes era meter a sua dentadura
na sopa de alguém, às escondidas. Está a ver o ar de qualquer um de nós a levar
a colher à boca, não está?”, recordou a antiga glória benfiquista António
Simões. Por outro lado, foi aproveitando
as provas internas para mostrar serviço: dois golos em três jogos em 1959-60,
onze golos em cinco partidas em 1960-61 e 15 remates certeiros em oito
encontros em 1961-62. “Na Escócia, em 1960, um jornalista escocês disse que eu
parecia um jogador de basquetebol e o [Béla]
Guttmann respondeu que eu jogava pouco, mas já valia dois mil contos ao Benfica
se me quisessem contratar. E depois acrescentou: ‘Dentro de três anos, nem o
conseguem contratar pelo dobro.’”, contou. A previsão do treinador
húngaro revelou-se certeira, mas já com Fernando
Riera no comando técnico, tendo o técnico
chileno ficado convencido com os dez golos que o atacante apontou num 12-0
ao Alhandra, em Alhandra, em outubro de 1962. Nessa que foi a sua primeira
época a titular sagrou-se melhor marcador da I
Divisão, com 26 golos, mais dois do que Lourenço (Académica)
e três do que Eusébio
(Benfica).
“Há dois jogadores esquecidos ou pouco falados dessa era do Benfica:
um é o Torres, o outro é o Jaime Graça. Veja lá isto, o Torres foi o melhor
marcador de uma equipa com o Eusébio.
Isso diz tudo sobre o Torres”, realçou Simões.
O registo goleador do avançado foi
premiado com a primeira internacionalização, diante da Bulgária
em Roma, no jogo de desempate da ronda preliminar da fase de apuramento para o
Euro 1964, a 23 de janeiro de 1963. Torres não voltou a sagrar-se
melhor marcador do campeonato, mas não deixou de apresentar belíssimas
estatísticas: 22 golos em 15 jogos em 1963-64, 23 em 23 em 1964-65, 18 em 23 em
1965-66, oito em 13 em 1966-67, 17 em 22 em 1967-68, 16 em 19 em 1968-69 e 13
em 20 em 1969-70. Menos produtiva foi a temporada de despedida, 1970-71, com
apenas dois remates certeiros em dez encontros.
Pelo meio sagrou-se melhor
marcador da Taça
dos Campeões Europeus em 1964-65, com nove golos em outras tantas partidas,
e foi titularíssimo na seleção
portuguesa que disputou o Mundial 1966. Além de ter marcado o golo que
garantiu o terceiro lugar em Inglaterra, faturou por duas vezes na fase de
grupos, diante de Hungria
e Bulgária.
“Fala-se de Eusébio,
um terrível rematador que tem, no entanto, o defeito de pensar mais em si do
que nos companheiros e cita-se Bobby
Charlton. Mas gostaria de os ver, dentro da grande área, a lutar como luta
Torres. Este avançado é um caso raro de utilidade. Como é esforçado e
inteligente, o seu jogo de cabeça é perfeito, do melhor que se tem visto em
toda a história. Ele marcou três golos e deu pelo menos uns dez”, comentou na
altura o francês Just
Fontaine, melhor marcador do Mundial 1958, com 13 golos.
No verão de 1971, já com 33 anos,
viu o seu nome envolvido na transferência mais cara até então do futebol português,
quando o Benfica
contratou o Vítor Baptista ao Vitória
de Setúbal a troco de três mil contos mais Matine, Praia e Torres. E assim
se despediu da Luz,
“de consciência tranquila” e com o sentimento de “dever” cumprido, depois de
229 golos em 258 jogos, nove campeonatos (1959-60, 1960-61, 1962-63, 1963-64,
1964-65, 1966-67, 1967-68, 1968-69 e 1970-71) e quatro Taças
de Portugal (1961-62, 1963-64, 1968-69 e 1969-70). Apesar da idade, ainda jogou
quatro épocas a um altíssimo nível ao serviço do emblema
sadino, tendo somado 53 golos na I
Divisão e dez na Taça
UEFA entre 1971 e 1975, tendo faturado na prova europeia a clubes como
Spartak Moscovo, Tottenham,
Leeds e Estugarda,
ajudando os setubalenses
a atingir os quartos de final em 1973-74. Também contribuiu para a melhor
classificação de sempre do Vitória
no primeiro
escalão, o segundo lugar alcançado em 1971-72 – foi ainda terceiro
classificado do campeonato em 1972-73 e 1973-74 e finalista vencido da Taça
de Portugal em 1972-73. Enquanto esteve no Bonfim
averbou ainda as duas últimas de 33 internacionalizações que amealhou ao longo
a carreira, despedindo-se em outubro de 1973, curiosamente frente à primeira
seleção que tinha defrontado, a Bulgária,
desta vez com um empate a dois golos na Luz.
Ainda com força nas pernas,
mudou-se para o Estoril
em 1975, quando já tinha 37 anos, e ao longo de seis anos marcou pelo menos um
golo por época, o que lhe permitiu, em 1979-80, concluir a carreira após 21
temporadas consecutivas a faturar na I
Divisão. Após pendurar as botas tornou-se
treinador. Depois de experiências como jogador-treinador no Vitória
de Setúbal e no Estoril,
passou pelos bancos de Estrela
da Amadora e Varzim
antes de guiar a seleção
nacional até ao Mundial
1986, no México, marcado pelo Caso
Saltillo. Depois ainda orientou Boavista,
Portimonense
e Desportivo
de Beja. Quando se despediu do futebol e
quis reformar-se, no final da década de 1990, apanhou uma desilusão. “Fui
aprendiz de serralheiro mecânico entre 1953 e 1959. Curiosamente, para a
Segurança Social eu não existo como jogador de futebol: só lá aparecem os
descontos da Oficina dos Claras. Soube isso agora quando quis meter os papéis
para a reforma. De todos os descontos que fiz no Benfica,
no Vitória
de Setúbal e no Estoril
nada entrou na Segurança Social”, revelou em 1999. Por via disso, Torres passou a
reta final da sua vida a receber 400 euros de reforma. Numa altura em que
sofria da doença de Alzheimer há vários anos, acabou por morrer a 3 de setembro
de 2010, cinco dias antes daquele que seria o seu 72.º aniversário.
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