segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

“Arranjei logo companhia” e “uma fila de carros a abanar”. O “granel” de Saltillo contado por Futre

Futre com três mexicanas em Saltillo, no México
As semanas da seleção portuguesa que antecederam o Mundial 1986 dividem-se em dois grandes momentos.
 
O primeiro foi o das reivindicações dos jogadores, que começou em Portugal, com os atletas a exigir pagamentos à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e à Olivedesportos relativos a receitas publicitárias, valores de diárias e prémios de presença, o que levou a que os futebolistas chegassem a treinar em tronco nu ou com as camisolas do avesso para esconder as marcas das quais não recebiam qualquer verba. Contam os envolvidos que esses protestos até uniram um grupo que antes se encontrava dividido: os do FC Porto de um lado, os do Benfica do outro.
 
O segundo momento foi o do prolongado estágio em Saltillo. “Fomos a primeira equipa a chegar ao México, vinte dias antes do início do Mundial. Demasiado tempo para estarmos fechados na antecâmara de um compromisso tão importante. Com toda a confusão que existia à nossa volta, começámos a perder concentração para o que verdadeiramente nos levou ali: elevar bem alto o nome de Portugal, em vez de o deixar pelo chão, tal como veio a acontecer”, começou por explicar Paulo Futre no livro El Portugués.
 
Uma das maiores dificuldades dos jogadores portugueses num estágio tão prolongado seria a falta de sexo. Além de largar o tabaco, Futre fez outra promessa a si próprio: “Nunca me iria masturbar. Custasse o que custasse.”
 
 
Em certa medida, a promessa do extremo foi cumprida, mas não pelos motivos iniciais: arranjou uma companheira em Saltillo. “Estava apenas com 20 anos e iria passar muitos dias sem uma mulher. Contudo, não demorei muito a quebrar a promessa. Fui para o Mundial solteiro. Sem namorada à minha espera em Portugal. Estava completamente solto. E, passados poucos dias de chegarmos, na primeira folga que José Torres nos deu, alguns jogadores foram a uma festa privada numa vivenda de luxo. Eu incluído. Arranjei logo companhia. Laura Venezuela. Uma mulher-polícia. Foi sempre a mesma até ao fim. Como eu, mais de metade do plantel fez a mesma coisa. Até mesmo os casados. E alguns deles encontraram mulheres ricas que também eram casadas”, prosseguiu o então jogador do FC Porto.
 
“Para tipos de 20 anos (como era o meu caso) e 30 anos (como alguns dos meus colegas) estar tanto tempo sem sexo era um verdadeiro pesadelo. Por isso, sou completamente a favor que as mulheres e namoradas dos jogadores possam estar por perto durante as fases finais de Europeus e Mundiais. No hotel ao lado, por exemplo. Dessa forma, não há necessidade de cair em tentações e ir procurar outras mulheres. Mas no México não era assim. Estávamos sozinhos. Perdão: estávamos sozinhos com todas as mulheres mexicanas. E aquilo transformou-se num granel. Nas folgas, éramos convidados para várias festas privadas”, continuou o montijense.
 
O problema é que, também nos dias que não eram de folga, os jogadores queriam… festa. “Nos outros dias, estávamos proibidos de abandonar a ‘Fortaleza’, nome que demos ao nosso hotel. Mas essa proibição era fácil de contornar. Começámos a subornar os guardas e eles deixavam-nos passar. Ficávamos ali à porta. As mulheres iam ter connosco, cada uma no seu carro, e estacionavam em fila indiana. Quem olhasse, via apenas uma fila de carros a abanar. Dessa forma, tínhamos sexo e estávamos mesmo em frente ao nosso hotel para o caso de haver algum problema e termos de regressar aos quartos”, revelou Futre na obra autobiográfica.
 
 
As noites calientes do México contavam, de certa forma, com a permissividade dos dirigentes da Federação e dos jornalistas portugueses. “Nunca fomos apanhados pelos responsáveis da nossa seleção, embora toda a gente soubesse o que estava a acontecer. Os jornalistas portugueses davam a entender essas situações nas peças que escreviam. Ao lerem esses artigos, as mulheres de alguns jogadores começaram a ficar preocupadas com o que os seus maridos poderiam andar a fazer e não paravam de ligar para o hotel. Por causa disso, fomos falar com a imprensa portuguesa. Pedimos para não escreverem tais coisas para que as famílias pudessem estar descansadas e não perturbassem constantemente a concentração dos jogadores”, explanou o antigo extremo.
 
Paralelamente a esse regabofe, o presidente da FPF, Resende da Silva, “estava bem longe, na cidade do México”, e era Amândio de Carvalho o responsável pela comitiva. Porém, “perdeu o controlo às operações”.
 
Além das reivindicações monetárias e das distrações, a seleção deparou-se com um grave problema de desorganização: o campo de treinos não era perto do hotel, tinha “um terreno em péssimo estado, completamente inclinado e situado numa montanha”. Havia também dificuldade em encontrar adversários para jogos particulares, pelo que um dia a equipa das quinas defrontou uma equipa composta por cozinheiros e empregados de mesa de um restaurante.
 
 
Ainda assim, Portugal entrou com o pé direito no Campeonato do Mundo, com uma vitória sobre Inglaterra (1-0). Seguiram-se derrotas às mãos de Polónia (0-1) e Marrocos (1-3), que ditaram a eliminação.
 
“Os episódios de Saltillo tiveram consequências graves. Alguns jogadores receberam castigos pesados e os restantes foram solidários. Durante quase dois anos, os atletas que estiveram em Saltillo recusaram-se a ir à seleção nacional. Greve geral. Todos cumpriram, menos um, o Álvaro Magalhães, do Benfica”, recordou Futre.



 




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