“Arranjei logo companhia” e “uma fila de carros a abanar”. O “granel” de Saltillo contado por Futre
Futre com três mexicanas em Saltillo, no México
As semanas da seleção
portuguesa que antecederam o Mundial 1986 dividem-se em dois grandes
momentos.
O primeiro foi o das reivindicações
dos jogadores, que começou em Portugal, com os atletas a exigir pagamentos à
Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e à Olivedesportos relativos a receitas
publicitárias, valores de diárias e prémios de presença, o que levou a que os
futebolistas chegassem a treinar em tronco nu ou com as camisolas do avesso
para esconder as marcas das quais não recebiam qualquer verba. Contam os
envolvidos que esses protestos até uniram um grupo que antes se encontrava
dividido: os do FC
Porto de um lado, os do Benfica
do outro. O segundo momento foi o do
prolongado estágio em Saltillo. “Fomos a primeira equipa a chegar ao México,
vinte dias antes do início do Mundial. Demasiado tempo para estarmos fechados
na antecâmara de um compromisso tão importante. Com toda a confusão que existia
à nossa volta, começámos a perder concentração para o que verdadeiramente nos
levou ali: elevar bem alto o nome de Portugal, em vez de o deixar pelo chão,
tal como veio a acontecer”, começou por explicar Paulo
Futre no livro El Portugués. Uma das maiores dificuldades dos
jogadores portugueses num estágio tão prolongado seria a falta de sexo. Além de
largar o tabaco, Futre
fez outra promessa a si próprio: “Nunca me iria masturbar. Custasse o que
custasse.”
Em certa medida, a promessa do
extremo foi cumprida, mas não pelos motivos iniciais: arranjou uma companheira
em Saltillo. “Estava apenas com 20 anos e iria passar muitos dias sem uma
mulher. Contudo, não demorei muito a quebrar a promessa. Fui para o Mundial
solteiro. Sem namorada à minha espera em Portugal. Estava completamente solto.
E, passados poucos dias de chegarmos, na primeira folga que José Torres nos
deu, alguns jogadores foram a uma festa privada numa vivenda de luxo. Eu
incluído. Arranjei logo companhia. Laura Venezuela. Uma mulher-polícia. Foi
sempre a mesma até ao fim. Como eu, mais de metade do plantel fez a mesma
coisa. Até mesmo os casados. E alguns deles encontraram mulheres ricas que
também eram casadas”, prosseguiu o então jogador do FC
Porto. “Para tipos de 20 anos (como era
o meu caso) e 30 anos (como alguns dos meus colegas) estar tanto tempo sem sexo
era um verdadeiro pesadelo. Por isso, sou completamente a favor que as mulheres
e namoradas dos jogadores possam estar por perto durante as fases finais de
Europeus e Mundiais. No hotel ao lado, por exemplo. Dessa forma, não há
necessidade de cair em tentações e ir procurar outras mulheres. Mas no México
não era assim. Estávamos sozinhos. Perdão: estávamos sozinhos com todas as
mulheres mexicanas. E aquilo transformou-se num granel. Nas folgas, éramos
convidados para várias festas privadas”, continuou o montijense. O problema é que, também nos dias
que não eram de folga, os jogadores queriam… festa. “Nos outros dias, estávamos
proibidos de abandonar a ‘Fortaleza’, nome que demos ao nosso hotel. Mas essa proibição
era fácil de contornar. Começámos a subornar os guardas e eles deixavam-nos
passar. Ficávamos ali à porta. As mulheres iam ter connosco, cada uma no seu
carro, e estacionavam em fila indiana. Quem olhasse, via apenas uma fila de
carros a abanar. Dessa forma, tínhamos sexo e estávamos mesmo em frente ao
nosso hotel para o caso de haver algum problema e termos de regressar aos quartos”,
revelou Futre
na obra autobiográfica.
As noites calientes do
México contavam, de certa forma, com a permissividade dos dirigentes da
Federação e dos jornalistas portugueses. “Nunca fomos apanhados pelos responsáveis
da nossa seleção,
embora toda a gente soubesse o que estava a acontecer. Os jornalistas
portugueses davam a entender essas situações nas peças que escreviam. Ao lerem
esses artigos, as mulheres de alguns jogadores começaram a ficar preocupadas
com o que os seus maridos poderiam andar a fazer e não paravam de ligar para o
hotel. Por causa disso, fomos falar com a imprensa portuguesa. Pedimos para não
escreverem tais coisas para que as famílias pudessem estar descansadas e não
perturbassem constantemente a concentração dos jogadores”, explanou o antigo
extremo. Paralelamente a esse regabofe, o
presidente da FPF, Resende da Silva, “estava bem longe, na cidade do México”, e
era Amândio de Carvalho o responsável pela comitiva. Porém, “perdeu o controlo
às operações”. Além das reivindicações monetárias
e das distrações, a seleção
deparou-se com um grave problema de desorganização: o campo de treinos não era
perto do hotel, tinha “um terreno em péssimo estado, completamente inclinado e
situado numa montanha”. Havia também dificuldade em encontrar adversários para
jogos particulares, pelo que um dia a equipa das quinas defrontou uma equipa
composta por cozinheiros e empregados de mesa de um restaurante.
Ainda assim, Portugal
entrou com o pé direito no Campeonato do Mundo, com uma vitória sobre Inglaterra
(1-0). Seguiram-se derrotas às mãos de Polónia
(0-1) e Marrocos
(1-3), que ditaram a eliminação. “Os episódios de Saltillo tiveram
consequências graves. Alguns jogadores receberam castigos pesados e os restantes
foram solidários. Durante quase dois anos, os atletas que estiveram em Saltillo
recusaram-se a ir à seleção
nacional. Greve geral. Todos cumpriram, menos um, o Álvaro Magalhães, do Benfica”,
recordou Futre.
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