Bónus chorudo, 20 despedimentos e aquisições cirúrgicas. Como Guttmann montou o Benfica bicampeão europeu
Béla Guttmann guiou o Benfica à conquista de duas Champions
Quando assinou pelo Benfica
em 1959, Béla
Guttmann terá exigido um bónus de 200 mil escudos caso as águias
conquistassem a Taça
dos Campeões Europeus. O presidente Maurício Vieira de Brito, constatando
que o Real
Madrid havia vencido as quatro primeiras edições da prova e que os encarnados
vinham de dois anos sem ganhar o título nacional, terá achado a proposta
fantasiosa e mostrou-se seguro em aceitá-la. “Arredonde para 300 mil, meu
amigo”, respondeu.
Ter subestimado o treinador
húngaro haveria de lhe custar caro. Guttmann
arregaçou as mangas e desenhou uma equipa que se viria a tornar mítica. “A
primeira coisa que fiz quando assumi o cargo no Benfica
foi despedir 20 jogadores e começar a reconstruir o plantel gradualmente”,
contou, citado na biografia Béla
Guttmann: De sobrevivente do Holocausto a glória do Benfica,
de David Bolchover. “Porque precisamos de manter 35
profissionais pagos quando eu só consigo usar 16 ou 18? Muitos jogadores só
criam custo extra para o clube e confusão para a equipa. Como ninguém está
satisfeito quando não está na primeira equipa, todos esses jogadores de reserva
eram uma fonte de agitação”, explicou. Em sentido contrário, foi
promovido à equipa principal Fernando Cruz, um extremo esquerdo de 19 anos, e
contratado José Augusto, atacante de 22 anos proveniente do Barreirense.
José Augusto era, na altura, um avançado centro, mas Guttmann
explorou a velocidade e a qualidade de drible do seu novo jogador ao desviá-lo
para a ala direita, tornando-o num dos melhores extremos direitos do mundo. O técnico
magiar não estava preso a nenhum sistema em particular, pelo que foi
alternando entre o 4x2x4 que a equipa havia usado na época anterior às ordens do
brasileiro Otto
Glória e depois do argentino José Alberto Valdivieso, com a variação mais
ofensiva de W-M.
As sessões de treino
concentravam-se e maximizar os recursos ofensivos da equipa. “O meu método de
treino baseia-se em duas coisas simples: passar e rematar. (…) Passei horas a
trabalhar a rápida troca de bola, o que alguns chamam o um-dois ou tabela,
porque descobri que no Brasil era a melhor forma de abrir qualquer defesa junto
à grande área adversária”, assumiu o húngaro,
que no futebol brasileiro havia orientado o São
Paulo (1957 e 1958). Estas mudanças surtiram rapidamente
efeito. O Benfica
passou a averbar vitória atrás de vitória, marcando golos em abundância,
sagrando-se campeão nacional de 1959-60. O título ficou bastante encaminhado
após uma vitória sobre o perseguidor e rival Sporting
(4-3) perante 70 mil espetadores no Estádio
da Luz, na antepenúltima jornada, e foi confirmado na ronda seguinte, com
um triunfo no terreno do Leixões
(2-1).
Na época seguinte, as águias
alcançaram o bicampeonato, o que no caso de Béla
Guttmann era o tricampeonato, porque havia
conquistado o título nacional ao leme do FC Porto em 1958-59. Apesar de uma breve passagem pelo
comando da seleção
portuguesa, o treinador
húngaro manteve-se focado no objetivo de trazer a Taça
dos Campeões Europeus para Lisboa, impondo rigor e ética de trabalho. “No
futebol profissional não há sucesso sem sacrifício! Sem uma disciplina férrea, jamais
exército algum ganhará alguma batalha, quanto mais a guerra toda! E a Taça
dos Campeões pode ser comparada a uma guerra. Se algum dos meus jogadores
não estiver disposto a fazer os sacrifícios necessários, pode ir trabalhar para
uma fábrica de conservas. Ninguém os obriga a ganhar o pão no futebol… É claro
que, se tiverem um bom desempenho no futebol, eu tratarei de que ganhem uma
fatia de pão muito maior – e mais, com manteiga –, e aqui, em vez de uma numa fábrica
malcheirosa. Mas, para isso acontecer, ou colaboram em tudo ou são severamente
castigados”, afirmou, citado na biografia escrita por David Bolchover. Dois avançados descobertos em
Angola, José
Águas, capitão e peça nuclear do ataque, e Joaquim Santana, homem de baixa
estatura que jogava a seu lado, eram preponderantes na estratégia do treinador,
onde também cabia o imponente guarda-redes Costa Pereira, o polivalente Mário
Coluna que combinava ritmo de trabalho fenomenal com poder físico e talento e o
versátil médio Germano (única contratação para a época 1960-61) que conciliava qualidade
defensiva e capacidade de iniciar contra-ataques.
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