quarta-feira, 5 de março de 2025

Bónus chorudo, 20 despedimentos e aquisições cirúrgicas. Como Guttmann montou o Benfica bicampeão europeu

Béla Guttmann guiou o Benfica à conquista de duas Champions
Quando assinou pelo Benfica em 1959, Béla Guttmann terá exigido um bónus de 200 mil escudos caso as águias conquistassem a Taça dos Campeões Europeus. O presidente Maurício Vieira de Brito, constatando que o Real Madrid havia vencido as quatro primeiras edições da prova e que os encarnados vinham de dois anos sem ganhar o título nacional, terá achado a proposta fantasiosa e mostrou-se seguro em aceitá-la. “Arredonde para 300 mil, meu amigo”, respondeu.
 
Ter subestimado o treinador húngaro haveria de lhe custar caro. Guttmann arregaçou as mangas e desenhou uma equipa que se viria a tornar mítica. “A primeira coisa que fiz quando assumi o cargo no Benfica foi despedir 20 jogadores e começar a reconstruir o plantel gradualmente”, contou, citado na biografia Béla Guttmann: De sobrevivente do Holocausto a glória do Benfica, de David Bolchover.
 
“Porque precisamos de manter 35 profissionais pagos quando eu só consigo usar 16 ou 18? Muitos jogadores só criam custo extra para o clube e confusão para a equipa. Como ninguém está satisfeito quando não está na primeira equipa, todos esses jogadores de reserva eram uma fonte de agitação”, explicou.
 
Em sentido contrário, foi promovido à equipa principal Fernando Cruz, um extremo esquerdo de 19 anos, e contratado José Augusto, atacante de 22 anos proveniente do Barreirense. José Augusto era, na altura, um avançado centro, mas Guttmann explorou a velocidade e a qualidade de drible do seu novo jogador ao desviá-lo para a ala direita, tornando-o num dos melhores extremos direitos do mundo.
 
O técnico magiar não estava preso a nenhum sistema em particular, pelo que foi alternando entre o 4x2x4 que a equipa havia usado na época anterior às ordens do brasileiro Otto Glória e depois do argentino José Alberto Valdivieso, com a variação mais ofensiva de W-M.
 
 
As sessões de treino concentravam-se e maximizar os recursos ofensivos da equipa. “O meu método de treino baseia-se em duas coisas simples: passar e rematar. (…) Passei horas a trabalhar a rápida troca de bola, o que alguns chamam o um-dois ou tabela, porque descobri que no Brasil era a melhor forma de abrir qualquer defesa junto à grande área adversária”, assumiu o húngaro, que no futebol brasileiro havia orientado o São Paulo (1957 e 1958).
 
Estas mudanças surtiram rapidamente efeito. O Benfica passou a averbar vitória atrás de vitória, marcando golos em abundância, sagrando-se campeão nacional de 1959-60. O título ficou bastante encaminhado após uma vitória sobre o perseguidor e rival Sporting (4-3) perante 70 mil espetadores no Estádio da Luz, na antepenúltima jornada, e foi confirmado na ronda seguinte, com um triunfo no terreno do Leixões (2-1).
 
 
 
Na época seguinte, as águias alcançaram o bicampeonato, o que no caso de Béla Guttmann era o tricampeonato, porque havia conquistado o título nacional ao leme do FC Porto em 1958-59.
 
Apesar de uma breve passagem pelo comando da seleção portuguesa, o treinador húngaro manteve-se focado no objetivo de trazer a Taça dos Campeões Europeus para Lisboa, impondo rigor e ética de trabalho. “No futebol profissional não há sucesso sem sacrifício! Sem uma disciplina férrea, jamais exército algum ganhará alguma batalha, quanto mais a guerra toda! E a Taça dos Campeões pode ser comparada a uma guerra. Se algum dos meus jogadores não estiver disposto a fazer os sacrifícios necessários, pode ir trabalhar para uma fábrica de conservas. Ninguém os obriga a ganhar o pão no futebol… É claro que, se tiverem um bom desempenho no futebol, eu tratarei de que ganhem uma fatia de pão muito maior – e mais, com manteiga –, e aqui, em vez de uma numa fábrica malcheirosa. Mas, para isso acontecer, ou colaboram em tudo ou são severamente castigados”, afirmou, citado na biografia escrita por David Bolchover.
 
Dois avançados descobertos em Angola, José Águas, capitão e peça nuclear do ataque, e Joaquim Santana, homem de baixa estatura que jogava a seu lado, eram preponderantes na estratégia do treinador, onde também cabia o imponente guarda-redes Costa Pereira, o polivalente Mário Coluna que combinava ritmo de trabalho fenomenal com poder físico e talento e o versátil médio Germano (única contratação para a época 1960-61) que conciliava qualidade defensiva e capacidade de iniciar contra-ataques. 


 







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