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Érico está no Louletano desde o verão de 2019 |
Sobrinho do antigo extremo
internacional angolano
Freddy, Érico
Castro viveu com expetativa as últimas convocatórias dos Palancas
Negras e vai continuar a aguardar uma oportunidade enquanto vai marcando
golos ao serviço de um Louletano
que o deixou surpreendido.
Em entrevista, o ponta de lança
luso-angolano
fala do susto que apanhou quando grande parte do plantel dos algarvios
esteve infetado com o Covid-19,
das conversações que teve no verão com clubes das ligas profissionais e da
inspiração no antigo ponta de lança brasileiro Adriano.
ROMILSON TEIXEIRA - O Érico
Castro leva três golos em sete jogos no Campeonato
de Portugal neste início da temporada e é uma das figuras de um Louletano
que está na luta pelos lugares cimeiros da Série H. Que balanço faz destes
primeiros meses de temporada, tanto a nível individual como coletivo?
ÉRICO
CASTRO - O balanço que faço deste início de época é positivo tendo em conta
as circunstâncias atípicas que vivemos desde a pré-época. Tivemos um surto de Covid-19.
Temos estado a jogar de 15 em 15 dias. Não são as melhores condições para
atingirmos a melhor forma tanto a nível coletivo como a nível individual, mas
tendo em conta essas circunstâncias todas acho que é um balanço positivo, até
pelo que vejo no dia a dia e pela margem de evolução que temos, acredito que
seremos uma equipa mais forte com mais tempo de treinos e mais jogos nas
pernas.
O
treinador Eddie Cardoso disse em entrevista ao Blog do David que o Louletano tem a “ambição de fazer algo especial”. Até onde pode chegar a equipa? É possível
subir à II
Liga? Chegar à Liga 3 é um objetivo mínimo?
Também acredito que podemos fazer
algo de especial para o clube esta época. Agora falar onde queremos chegar, se
é II
Liga ou Liga 3 no mínimo... Na minha opinião seria prematuro pensarmos tão à
frente neste momento. Acredito que neste momento no que nos temos de focar é em
ganhar os três pontos em todos os jogos e entrar em campo assumindo essa
responsabilidade, seja em que campo for e contra quem for. E as contas fazemos
no final.
O que está a achar do Louletano
enquanto clube?
Fiquei muito surpreendido quando
cá cheguei, não estava à espera de tão boas condições, confesso. Este ano já
não é uma surpresa. É engraçado ver os jogadores que chegam ficarem
surpreendidos. O Louletano,
como está, neste momento tem de estar no mínimo na II
Liga, porque há clubes que estão lá com piores condições do que as que nós
temos aqui.
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Érico Castro leva 17 golos em 29 jogos pelo Louletano |
O que está a achar dos métodos do mister Eddie Cardoso?
Estou a gostar, mas também está a
ser uma tarefa muito difícil para o mister
Eddie, que está a implementar as ideias dele, mas estes contratempos que a
pandemia trouxe atrasa um pouco o processo de evolução da equipa. Mas é uma
situação que todos nos estamos a tentar adaptar e sem dúvida que com mais
treinos e mais jogos a equipa vai assimilar cada vez mais e melhor e vai
tornar-se mais forte ainda.
Na época anterior o Louletano
jogava preferencialmente em 3x4x3, esta temporada em 4x2x3x1. Em que sistema se
tem sentido melhor servido? Sente-se cómodo sozinho na frente de ataque ou
gostava de ter a companhia de outro avançado?
Sinto-me bem em qualquer sistema,
com um avançado ou com dois é uma questão de adaptarmos aos colegas que temos
ao nosso lado e darmos uma boa dinâmica ao ataque. Na minha formação joguei das
duas formas e até como extremo direito, por isso não é nada de novo.
A Série H vai ganhando paulatinamente alguma forma em termos de
classificação, com cerca de metade das equipas com ambições de chegar à II
Liga ou à Liga 3 e outra metade aparentemente destinada a lutar pela
permanência, dando a ideia de haver algum desequilíbrio. Que opinião tem sobre
a série?
Na minha opinião o desequilíbrio
sempre houve na Campeonato
de Portugal e em todas as séries. Com este atual modelo com mais de 90
equipas, o desequilíbrio vai acentuar-se ainda mais em todas as séries. Mas
acredito que essa foi uma das razões que levaram à implementação da Liga 3 para
o ano. Aí sim, acredito que haverá um maior equilíbrio entre todas as equipas.
Na época passada o Érico
apontou 14 golos, apesar da interrupção do Campeonato
de Portugal devido à pandemia, e ficou a um remate certeiro do recorde
pessoal alcançado pelo Aljustrelense
em 2014-15. Acredita que esta é a melhor fase da sua carreira?
Não vejo esta como a melhor fase
da minha carreira, porque só no final da carreira é que consegues saber qual
foi a melhor fase. Mas vejo como uma continuidade de uma boa fase. Sinto-me bem,
estou a jogar muitos minutos e a fazer golos. Acaba por ser essa a vida de um ponta
de lança.
“Quando soubemos que estávamos infetados, foi um susto”
Foi uma situação complicada,
sobretudo porque era algo desconhecido para todos nós e todas as notícias que
víamos na televisão acerca desta pandemia tornou a situação mais preocupante.
Quando recebemos a notícia foi um susto, a primeira coisa em que pensámos foi
nos nossos familiares e todas as pessoas com quem tivemos contacto e inevitavelmente
pensámos nos piores sintomas que o Covid-19
acarreta. Mas felizmente não passou disso, um grande susto, fomos todos
assintomáticos. Passámos o isolamento de uma forma relativamente tranquila, com
o apoio do clube que não nos deixou faltar nada durante o período de
isolamento.
Perante o seu desempenho individual na última época, teve convites de
clubes das ligas profissionais? O que julga que lhe falta para dar esse salto?
Sim, falou-se de um ou outro
clube das ligas profissionais, mas foram apenas conversações, não passou disso.
Em relação à segunda questão, já pensei muito sobre isso e não encontro uma
resposta lógica. Já vi jogadores a darem o salto com épocas mais fracas e não
vingarem e pouco tempo depois voltarem para o Campeonato
de Portugal. O que me leva a pensar que pode ser pelas pessoas que agenciam
as carreiras, que foi algo que até hoje não tive muita sorte. Por isso tento
manter-me focado no que tenho e no que posso controlar, que é dar o meu melhor
todos os dias para quando a oportunidade chegar, vingar como tenho a certeza
que consigo, hoje mais do que nunca. Mantenho-me focado em estar pronto para
agarrar a oportunidade com unhas e dentes.
“Seleção Angolana? Pensei que poderia ter uma oportunidade nas últimas convocatórias”
Embora tenha nascido em Lisboa, o Érico
tem nacionalidade angolana.
Numa altura em que o Girabola está parado e não há assim tantos avançados angolanos
a marcar golos, esperava ter estado nas últimas convocatórias da seleção?
Confesso que acompanhei de forma
muito atenta estas convocatórias e vi que foram convocados alguns jogadores do Campeonato
de Portugal. Também vi que tiveram alguns casos de Covid-19
que obrigaram a algumas mudanças de última hora. Fiquei bastante atento porque
pensei que poderia ter uma oportunidade de mostrar que consigo ser útil para a seleção
nacional. Mas infelizmente não aconteceu. Portanto só me resta continuar a
trabalhar, estar bem no meu clube e, se o selecionador
chamar-me, mostrar que estou pronto e posso ser útil à seleção nacional.
Imagino que jogar pela seleção seja um sonho para o Érico…
Alguma vez foi contactado?
Sem duvida que sim. É um sonho desde
muito novo. Quando era mais novo lembro-me de a família juntar-se toda na sala
para ver o meu tio Freddy a jogar pela seleção.
Quando fui fazer de apanha-bolas no Estádio da Cidadela no treino da seleção
ia com o meu pai para ver a seleção
treinar e já naquela altura dizia que um dia iria estar ali.
Sim, já fui contactado para
perceberem a minha situação a nível de documentação angolana.
Poucas pessoas sabiam da minha dupla nacionalidade. Sei que acompanham o meu
trabalho aqui em Portugal, a mim só me cabe trabalhar muito e bem no clube,
estar bem no campeonato e esperar que a minha oportunidade chegue.
Inspiração no brasileiro Adriano
O Érico
é um avançado possante, canhoto e com remate forte. É assim que se caracteriza
como jogador? Tem algum futebolista da elite do futebol mundial em que se
inspire?
Sim, é sempre mais fácil alguém
dizer as nossas características do que nós próprios. Tenho um jogador que ainda
hoje vejo vídeos dele, que é o Adriano, ponta de lança brasileiro que jogou no
Inter, porque a nível de características acho que temos algumas semelhanças.
Mas aprecio vários pontas de lança, principalmente aqueles que têm faro de
golo. Para mim essa é a diferença entre um bom ponta de lança e um ponta de lança
banal.
Onde nasceu e cresceu? Como foi a sua infância?
Nasci em Lisboa e o meu
crescimento foi passado entre Luanda e Lisboa. Fui ver para Luanda aos três e tive
uma infância tranquila, até que aos 14 anos apanhei malária. Assim que
recuperei, como já tinha alguma família cá em Portugal, a minha mãe mandou-me
para cá com receio de eu voltar a ficar doente. Vim viver definitivamente com o
meu pai para Portugal e foi por volta dessa altura que comecei a jogar à bola.
Desde então que só fui a Angola
de férias.
Quais são as suas raízes em Angola?
Sou filho de pais angolanos.
O meu pai é de Malanje a minha mãe é de Lobito. Vieram para cá mais ou menos na
altura em que se deu a Guerra Civil. Conheceram-se cá em Portugal e acabei por
nascer aqui.
“Tenho as melhores recordações e imensa estima pela União de Tires”
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Érico Castro fez a formação na União de Tires |
Começou a jogar futebol na União de Tires. Que memórias guarda desses
tempos?
Sem dúvida que tenho as melhores
recordações, foi onde comecei a jogar federado, que era o meu sonho quando saí
de Angola.
Fiz amizades que vou levar para a vida toda e é um clube pelo qual tenho imensa
estima e muito orgulho em ter representado.
No segundo ano de sénior teve a possibilidade de jogar na II Divisão B
ao serviço do Oeiras.
Como correu essa experiência?
Foi depois de uma época em que
subimos o Tires para a III Divisão. Surgiu essa oportunidade de jogar uma
divisão acima e na altura achei muito aliciante o desafio e resolvi dar esse
passo. Não correu muito bem em termos coletivos, pois acabámos por descer de
divisão, mas para mim foi importante como uma fase de adaptação a um contexto
competitivo mais exigente.
Em 2014-15 dividiu a época entre dois clubes. Começou sem muito sucesso
no Fátima e depois explodiu em Aljustrel?
O que justifica desempenhos tão díspares na mesma temporada ao serviço de
diferentes equipas?
No Fátima foi quando fui a
primeira vez para longe de casa, fora da minha zona de conforto e o clube
atravessava uma fase em que tinha pouca estabilidade a nível de direção.
O Aljustrelense
demonstrou grande vontade em contar comigo e fui para lá com a completa noção
do desafio que tinha pela frente, que era jogar fora da minha zona de conforto.
É um clube humilde, mas muito bem organizado. Não nos faltava nada, tínhamos um
grande treinador [Francisco Agatão] e uma equipa boa, que apoiava muito os
jogadores que vinham de fora. Aí tornou-se tudo mais fácil. Quando um jogador
só tem de se preocupar em jogar fica tudo mais fácil.
“Preferi não continuar no Real SC e abandonar o sonho de jogar na II Liga”
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Érico festeja com treinador Filipe Martins a subida do Real à II Liga |
Em 2016-17 viveu talvez o ponto alto na carreira ao conquistar o título
do Campeonato
de Portugal e contribuir para a subida do Real
SC à II
Liga. Que recordações dessa época e dos festejos no final? O que falhou
para não continuar na equipa que haveria de disputar a II
Liga?
Não diria o ponto mais alto da
minha carreira, mas sim da minha vida, porque foi o ano em que fui pai. Foi uma
enorme alegria dentro e fora de campo, as recordações dessa época são todas
maravilhosas: a festa de subida, o jogo da final em que fiz dois golos que
deram o título de campeão do Campeonato
de Portugal e ter sido o melhor marcador esse ano. Foi uma época muito
especial sem dúvida. Depois veio a parte menos boa, que foi a aposta do clube
no ano seguinte em jogadores de fora, não nos jogadores que realizaram o feito
histórico. Mas como lhe disse, nesse ano fui pai e aí tudo muda, a prioridade
passa a ser o nosso filho, então não chegámos a acordo como alguns colegas
chegaram e preferi não continuar no Real
SC e abandonar o sonho de jogar na II
Liga. Sinceramente, não me arrependo, porque muitos dos jogadores desse ano
que lá ficaram mal jogaram e hoje em dia estão na Campeonato
de Portugal e outros infelizmente já abandonaram o futebol.
Entretanto passou por Sintrense
e Casa
Pia e teve uma época praticamente em branco no Felgueiras, devido a uma
grave lesão. Que balanço faz das passagens por estes clubes e o que sentiu
quando teve tanto tempo afastado dos relvados?
Depois da época no Real
SC veio o Sintrense,
mas as coisas não correram bem, com constantes alterações de treinadores. A
equipa sentia essa instabilidade e os resultados em campo não eram os melhores,
então decidi mudar e surgiu a oportunidade de ir para o Casa
Pia, que estava na luta para ir à fase se subida, mas infelizmente não conseguimos.
A nível individual correu bem, fiz alguns golos, no final da época surgiu a
oportunidade de ir para o Felgueiras, que era uma equipa com uma aposta muito
forte na subida. Infelizmente tive essa lesão que me impediu de jogar quase toda
a época. Voltei nos três últimos jogos e foi pena, porque gostava de ter
mostrado àqueles adeptos o verdadeiro Érico,
mas infelizmente não foi possível. São coisas que quem está no futebol está
sujeito, por mais duro que seja. A minha vontade de estar bem, jogar, fazer
golos e ajudar a equipa foi canalizada toda numa só direção: recuperar bem o
mais rápido possível, sem pôr em risco o futuro.
Tem acompanhado o futebol
angolano? Que opinião tem e quais são os atletas angolanos
que mais admira?
Não acompanho muito o futebol
angolano, mas acho que é um campeonato
bastante duro. O atleta angolano
que mais admiro é o Mateus, pela quantidade de jogos que já leva ao mais alto
nível em Portugal.
Gostava de experimentar o Girabola?
Sim, gostava, há equipas muito
boas, com muita qualidade.
Alguma vez se sentiu vítima de racismo? Que opinião tem sobre o recente
episódio que envolveu o quarto árbitro no jogo da Liga dos Campeões entre o PSG
e o Basaksehir?
Claro que sim. Sinceramente acho
que o problema do racismo é muito mais grave do que o que se vê nos jogos de
futebol, é uma questão sociocultural e enquanto a sociedade não for educada,
que é o que desencadeia todas essas situações, haverá sempre aqui ou ali
tristes episódios como esses que todos vimos. No que depender de nós temos que
educar os mais novos para que o amanhã seja melhor e nunca deixar passar
episódios como esse em branco, como se fosse normal.
Entrevista realizada por Romilson Teixeira
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