Hoje faz anos o guarda-redes do Sporting que defendeu dois penáltis de Maradona. Quem se lembra de Ivkovic?
Ivkovic defendeu a baliza do Sporting entre 1989 e 1993
Muitos jugoslavos chegaram ao
futebol português a partir do final da década de 1980, mas este é especial.
Afinal, foi titular indiscutível do Sporting
ao longo de quatro temporadas e conseguiu 100 dólares numa aposta ganha a Diego
Maradona, após o primeiro de dois penáltis do argentino que defendeu na
carreira, ambos em menos de um ano.
Nascido em Zagreb a 11 de agosto
de 1960, ainda bem no tempo da antiga Jugoslávia, iniciou a carreira no maior clube
da cidade-natal, o Dínamo, clube ao serviço do qual venceu a taça nacional em
1979-80 e o campeonato em 1981-82.
Em janeiro de 1983, na sequência
de uma desavença com o treinador Ćiro Blažević, foi emprestado ao Cibalia, numa
altura em que já tinha sido convocado para a seleção
principal da Jugoslávia, mas ainda não se tinha estreado – o que só
aconteceu em março de 1983, precisamente durante a cedência. Após o empréstimo, voltou a
Zagreb, mas os problemas com o treinador persistiram e a solução encontrada foi
a transferência para o Estrela
Vermelha de Belgrado durante o verão de 1983.
Na baliza do emblema
da capital venceu um campeonato jugoslavo (1983-84) e uma taça (1984-85) e
reforçou o estatuto na seleção, ajudando a Jugoslávia
a ganhar a medalha de bronze no torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de Los
Angeles, em 1984 – depois do quarto lugar em Moscovo que ajudou os jugoslavos
a obter em 1980. Poucos meses antes, foi convocado para o Campeonato
da Europa disputado em França, mas só atuou num jogo, uma goleada sofrida
às mãos da Dinamarca
(0-5) em Lyon. A partir de 1985 prosseguiu a
carreira no estrangeiro, tendo passado pelos austríacos do Tirol Innsbruck (que
deu lugar ao Swarovski Tirol) e do Wiener Sport-Club e pelos belgas do Genk
antes de se tornar, no verão de 1989, uma das primeiras contratações do
recém-eleito Sousa
Cintra como presidente do Sporting,
que na altura procurava um sucessor para Vítor Damas.
“Eu já tinha começado a treinar
com o Sporting,
já tínhamos ido a um torneio na Holanda, e gostei muito de lá estar. Foi muito
difícil a negociação com o clube na Áustria. O presidente não queria falar
comigo. Eu dizia ao Sousa
Cintra: ‘Deixe-me falar com ele.’ Ele disse que sim, mas ele não queria.
Porque sabia que eu ia falar com ele para baixar o preço. Depois eu desisti
daqueles 10 por cento, os meus. E foi assim. O Sousa
Cintra perguntou: ‘Mas como é que tu baixaste o preço?’ E eu disse: ‘Baixei
o preço porque eu desisti dos meus 100 mil marcos.’ E o Sousa
Cintra: ‘Hey, grande Ivkovic!’ Aquela conversa dele… E pronto, foi assim
que cheguei ao Sporting.
Foi o segundo clube mais importante da minha vida [a seguir ao Dínamo Zagreb].
Adorei estar no Sporting”,
recordou ao Maisfutebol
em maio de 2023. Rotulado pelo líder
da direção leonina como um dos melhores guarda-redes da Europa, Tomislav
Ivkovic foi titular indiscutível na baliza verde e branca durante quatro
temporadas, período no qual totalizou 154 partidas, 112 golos sofridos e… zero
títulos. Ou vá, um, se tivermos em consideração a Taça de Honra da AF
Lisboa em 1990. Nem sempre regular, viveu a sua
grande noite de leão ao peito no dia 27 de setembro de 1989, no Estádio San
Paolo, em Nápoles. Após um empate a zero – e de outro nulo registado em Alvalade
duas semanas antes –, defendeu dois penáltis no desempate por grandes
penalidades, incluindo um de Diego
Maradona, depois de ter desafiado o argentino
para uma aposta na qual veio a ganhar 100 dólares. “Quando eu cheguei e lhe
perguntei: ‘Quer apostar que não vai marcar?’, ele ficou a olhar para mim, não
é? Quem era eu para dizer uma coisa dessas? O árbitro, francês, estava-se a rir
a ver a situação. Depois eu disse: ‘Então, vamos, 100 dólares?’ E ele disse:
‘OK, pode ser. Aceito.’ Depois defendi o penálti. Tive muita pena porque
falhámos o último e perdemos a eliminatória. Depois fui com ele à cabina,
deu-me 100 dólares e uma camisola dele”, contou. Soube apenas a consolação, uma
vez que o Sporting
foi eliminado, pois Luisinho,
Marlon Brandão e Fernando Gomes falharam os seus pontapés.
Quase um ano depois, no Mundial
1990, em Itália, a cena repetiu-se no jogo dos quartos de final entre Jugoslávia
e Argentina:
Ivkovic defendeu o penálti de Maradona,
mas foi a equipa de El
Pibe que seguiu em frente na competição. A única diferença foi de que,
desta vez, o craque
argentino não aceitou um novo desafio para uma aposta. “Um dia antes do
jogo, fui à sala de imprensa no nosso hotel a pedido de um jornalista alemão
que queria falar comigo. Falámos sobre a Argentina
e para acabar a conversa ele perguntou: ‘Então o que é que acontece se o jogo
chegar aos penáltis e o Maradona
bater outra vez?’ E eu disse: ‘Olha, vou defender outra vez.’ E o homem disse:
‘Tu estás maluco ou estás a fazer-te de maluco?’ Eu disse: ‘Nem uma nem outra
coisa.’ Ele perguntou: ‘Então quer fazer uma aposta?’ E eu disse: ‘Eu não vou
dizer ao Maradona
para fazer uma aposta. Se ele quiser, eu aceito.’ Entretanto esse jornalista
foi ao centro de estágio da Argentina
e falou com o Maradona.
E o Maradona
disse que não queria fazer nenhuma aposta, que queria concentrar-se para o
jogo. Chegou o famoso jogo, acabou 0-0 e fomos outra vez a penáltis. O Maradona
foi do centro até à área para buscar a bola e eu chamei-o: ‘Diego,
Diego!’
E ele não queria levantar a cabeça”, lembrou.
Aos 32 anos, depois de uma
temporada 1992-93 menos conseguida e numa altura em que já não entrava nas
contas da sua seleção,
foi dispensado de forma algo surpreendente, mas continuou em Portugal. Representou
Estoril,
Vitória
de Setúbal, Belenenses
e Estrela
da Amadora antes de pendurar as luvas em 1998, à beira de comemorar o 38.º
aniversário. Pelo meio também defendeu a baliza dos espanhóis do Salamanca em
1996-97. Após terminar a carreira de
futebolista voltou ao Sporting
como adjunto de Mirko
Jozic, passando depois para treinador principal do Lourinhanense,
que na altura era o clube-satélite dos leões.
Voltaria a defender a baliza leonina no século XXI, mas na vertente de futebol
de praia. Integrou ainda a equipa técnica
da seleção
croata entre 2005 e 2007 e desde então que tem orientado clubes na Croácia,
na Arábia Saudita e na Bósnia.
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