O “pé de chumbo” que não se estreou no Sporting mas fez 53 jogos pelo Benfica. Quem se lembra de Andrade?
Andrade esteve vinculado ao Benfica entre 1998 e 2003
Dizer que um jogador é esforçado
soa mais a critica do que a elogio, mas no caso de Luís Filipe Andrade de
Oliveira, mais conhecido por Andrade, não há volta a dar. Era forte na
marcação, raçudo, agressivo e polivalente, mas também muito limitado
tecnicamente.
Começou a jogar futebol nas
escolinhas do Domingos Sávio, um clube da freguesia de Campo de Ourique, e de
lá deu o salto para o Sporting
em 1985. Um dos seus primeiros treinadores em Alvalade,
a antiga glória leonina
Osvaldo Silva, batizou-o de imediato: “Olha, ficas Andrade. Ficas conhecido por
Andrade. Andrade não, pé de chumbo.” “Pé de chumbo porque eu era agressivo,
mas a nível de técnica, tinha muita dificuldade. Aprendi muito com o Sporting
e outros clubes, mas principalmente na formação do Sporting
evoluí muito na técnica. Mas era muito agressivo”, revelou à Tribuna
Expresso em março de 2018. Apesar das dezenas de
internacionalizações que contabilizava pelas seleções jovens, a transição para
o futebol sénior não foi fácil, tendo sido imediatamente emprestado ao Estoril,
então orientado por Fernando Santos, que mais tarde se tornaria seu padrinho de
casamento. Acabaria por ficar três anos no emblema
da Linha de Cascais, tendo sido protagonista de uma história cor de rosa
que transbordou para os relvados: começou a namorar com a ex-mulher de Jorge
Cadete, Rita Vilas Boas, e dentro de campo teve jogos em que se viu
obrigado a fazer marcação apertada ao então avançado do Sporting.
“Muitas pessoas acham que eu tive culpa no divórcio. Ela já estava separada
dele e tinha uma filha com ele. (…) Imagine o que aconteceu, capas de revista e
isto e aquilo, e divórcio do Cadete,
Andrade, Cadete,
porque o Jorge
jogava no Sporting
e eu era emprestado pelo Sporting,
chegámos a ter confrontos, joguei contra o Sporting
nessa altura. (…) Era um jogo de marcação homem a homem e ele calhou-me,
portanto houve picardia, houve ali uns pequenos toques, toda a gente se
apercebeu e, claro, no dia seguinte no jornal comentava-se”, recordou. Apesar de ter sido chamado para
alguns jogos particulares do Sporting
por Carlos Queiroz, não encontrou espaço em Alvalade
e pediu para ser emprestado ao Estrela
da Amadora de Fernando Santos em 1995-96. Depois de uma “época excelente”,
foi convocado por Nelo Vingada para representar a seleção olímpica nos Jogos de
Atlanta, ajudando Portugal a chegar às meias-finais. Após os Jogos Olímpicos foi
chamado de volta ao Sporting,
numa altura em que o treinador era o belga Robert Waseige, mas perdeu tempo e
espaço por ter falhado a pré-época devido à presença em Atlanta, chegou a
dezembro sem um único minuto de jogo e acabou por encontrar uma solução na zona
ocidental da cidade de Lisboa: “Vieram falar comigo e disseram-me que o Vitor
Manuel, treinador do Belenenses,
estava interessado em mim. Nem pensei duas vezes. Está interessado? Vou já
embora amanhã. E assim foi. Fui representar o Belenenses
ainda em dezembro.”
No Restelo fez uma boa época e
meia, dando nas vistas pela qualidade que tinha a anular adversários. “O FC
Porto estava muito forte, tinha o Jardel, e há um Belenenses-FC
Porto [a 31 e janeiro de 1998] em que eu marco o Jardel. Nós ganhámos 1-0.
Foi um jogo muito difícil, muito falado, porque eu agarrava muito o Jardel e
ele não fez golo. Era um jogador que estava habituado a fazer golos em todos os
jogos. Nesse próprio dia recebo um telefonema de um dos responsáveis do Benfica,
que foi falar com o meu empresário, na altura era o Paulo Barbosa”, contou.
Numa altura em que havia relatos
na imprensa de que já teria assinado contrato com as águias,
Andrade enfrentou o Benfica
em pleno Estádio
da Luz, a 5 de abril de 1998, e deu boa conta do recado na marcação a João
Vieira Pinto: “Era sempre o meu carrasco quando jogava contra o Benfica,
era sempre o jogador que eu marcava individualmente, e o Manuel
Cajuda substituiu-me. Só depois percebi o porquê. Substituiu-me para eu ser
aplaudido. E não é que o Estádio
da Luz me aplaudiu, sendo jogador do Belenenses?” Andrade ingressou no Benfica
com Graeme
Souness como treinador e Vale
e Azevedo como presidente – e a partir de janeiro de 1999 teve como
companheiro de equipa… Jorge
Cadete –, e logo na estreia, em pleno dia de aniversário, fez dupla com
Ronaldo no eixo defensivo numa receção ao PSV,
para a Liga
dos Campeões, e recebeu nota positiva: “Fiz um excelente jogo, marquei um
grande jogador, Van Nistelrooy.”
Polivalente, foi jogando em
várias posições: lateral direito, defesa central e médio defensivo. Porém, o
papel que tinha em campo não mudava muito, o que levava a que muitos o
chamassem de sarrafeiro: “Muitos treinadores pediam-me para anular o jogador
mais criativo, que mais desequilibrava. Sempre consegui levar a água ao moinho.
(…) Eu tinha pouca técnica. A minha mais-valia era ser raçudo e manter a
concentração. Eu vivia muito o jogo. Às vezes passava a bola, mas eles já não
passavam. (…) O truque é distrair o adversário. Enquanto o adversário estava a
chamar-me nomes, a ameaçar-me, a dizer ‘não vales, isto e aquilo’, não estava
concentrado no jogo. São pequenos pormenores que fazem a diferença, ter o
adversário sempre preocupado comigo e não com a bola.”
Com o passar dos anos foi
começando a sentir que também estava a ser marcado, mas pelos… árbitros, que se
foram tornando menos benevolentes. Quem também não apreciava muito o futebol de
Andrade era Jupp Heynckes. Ainda o manteve um ano no plantel e deu-lhe a
titularidade na célebre goleada aos pés do Celta
em Vigo (7-0), mas dispensou-o no verão de 2000. “Disse só que o plantel estava
preenchido. Nós podemos não concordar, mas temos de respeitar. E fiz-me à vida.
Houve interesse do Sp.
Braga, do Manuel
Cajuda, e fui para lá, fiz uma grande época. Foi uma das minhas melhores
épocas”, contou o antigo jogador, que nessa temporada ajudou os bracarenses
a concluir o campeonato em quarto lugar, à frente do… Benfica.
No início da temporada 2001-02 regressou
ao Benfica,
com Toni,
mas no espaço de duas épocas, nas quais também teve Jesualdo Ferreira e Camacho
como treinadores, não foi além de um total de 21 jogos. Seguiu-se a primeira aventura no
estrangeiro, ao serviço do Tenerife, em 2003-04: “Eu tinha mais dois anos de
contrato com o Benfica.
E o mister Camacho disse-me que eu iria ter menos possibilidades de jogar, não
ia ser um jogador regular, ia ter poucas oportunidades, porque ele foi buscar
jogadores para a minha posição. E eu pensei, por muito que goste do Benfica,
há uma coisa de que gosto mais, que é jogar. E como gosto de jogar o melhor que
tinha a fazer era procurar outra oportunidade. Eles próprios aconselharam-me a
sair de Portugal para ter uma experiência nova. Cheguei a acordo com o Benfica
e fui à procura de outro sonho.” “Representei o Benfica
com muito orgulho e até hoje tenho uma admiração muito grande pelo clube. Não
só enquanto o representei, mas pelo tratamento que me deram enquanto homem,
enquanto jogador, enquanto ser humano, e hoje tenho orgulho em dizer que vou ao
Estádio
da Luz de cabeça levantada, sabendo que dei tudo o que tinha para dar”,
acrescentou o antigo futebolista, que atuou por 53 vezes com a camisola
encarnada. Em dezembro de 2004, depois de
meio ano a treinar no Estoril,
assinou pela Académica,
mas só efetuou onze partidas pelos estudantes
ao longo de época e meia, muito por culpa de uma grave lesão num joelho, por
falta de cartilagem, e de uma cirurgia que não correu bem. Viria ainda a representar os
cipriotas do AEP e Pinhalnovense,
Olivais e Moscavide, Odivelas
e Loures
nas divisões secundárias do futebol português antes de pendurar as botas em 2013,
à beira do 40.º aniversário. Depois tornou-se treinador, tendo
chegado a orientar as equipas femininas de Benfica
e Flamengo.
Atualmente comanda a equipa feminina do Al-Qadisiyah, da Arábia Saudita.
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