José Mourinho comemora 60 anos esta quinta-feira |
De Setúbal a Roma. De ser adjunto
durante uma década a virar o treinador português que abriu as portas da Europa
e do mundo aos compatriotas. De aposta surpreendente de Vale e Azevedo à
tatuagem com os troféus europeus conquistados. Da conferência de imprensa em
que prometeu um FC
Porto campeão aos bate-bocas com treinadores adversários na Premier
League. José
Mourinho tem feito por merecer a alcunha com que se autointitulou quando
chegou pela primeira vez a Inglaterra
já com um título europeu no currículo: special one.
Nascido à beira-Sado a 26 de
janeiro de 1963, José
Mário dos Santos Mourinho Félix poderá até já não estar na lista de
treinadores desejados pelos tubarões europeus quando estes pensam em mudar de
homem do leme, mas continua a ser o treinador português mais bem-sucedido de
sempre e um dos técnicos mais conceituados do futebol europeu.
Ao longo de mais de duas décadas
de carreira, Mourinho
conquistou 26 títulos: duas Ligas
dos Campeões, duas Ligas
Europa, uma Liga Conferência, três ligas
inglesas, duas ligas
italianas, uma liga
espanhola, duas ligas
portuguesas, uma Taça de Itália, uma Taça de Inglaterra, uma Taça do Rei de
Espanha, uma Taça
de Portugal, quatro Taças da Liga de Inglaterra, uma Supertaça de Itália,
duas Supertaças de Inglaterra (FA Community Shield), uma Supertaça
de Espanha e uma Supertaça
Cândido de Oliveira.
Vale por isso a pena conferir a
nossa lista dos dez jogos mais marcantes da carreira de José
Mourinho, por ordem cronológica.
23 de setembro de 2000 – I Liga portuguesa (5.ª jornada)
O primeiro jogo de José
Mourinho como treinador principal. presidente benfiquista
de então, Vale e Azevedo, tinha acabado de despedir o conceituado Jupp Heynckes
após um início de época pautado por maus resultados e pobres exibições. O
alemão até se despediu com uma
vitória, ainda que bastante sofrida na receção ao Estrela da Amadora – dois golos
do avançado holandês Pierre van Hooijdonk ao cair do pano depois de um golo
inaugural do estrelista Djalma aos 79 minutos -, mas para trás ficaram
derrotas com
FC Porto (0-2) e com os suecos do Halmstads (1-2), um empate em Leiria
(1-1) e um triunfo caseiro sobre o Beira-Mar
(4-1).
A escolha do substituto recaiu
sobre o jovem José
Mourinho, 37 anos, que nunca tinha dirigido uma equipa sénior como
treinador principal, apesar de ter passado por Sporting,
FC
Porto e Barcelona
como adjunto.
“O Boavista
aumentou para dez o número de jogos consecutivos sem perder com o Benfica,
derrotando a equipa do estreante José
Mourinho por 1-0, graças a um golo marcado logo no primeiro remate do
jogo por Duda, um avançado que há uns anos não serviu a Souness, mas que fez
sábado o terceiro tento no campeonato. Uma desatenção defensiva nos minutos de
entrada neste arrojado 4x3x3 que Mourinho trouxe
de Barcelona
para a Luz foi fatal a um Benfica
que ainda completou a primeira parte na mó de cima, mas que se foi abaixo
quando foi necessário recorrer às substituições”, escreveu
o Record na crónica do jogo.
“Níveis de confiança estão muito
baixos. Mais que uma chicotada psicológica, esta equipa precisa de uma
chicotada metodológica”, afirmou o treinador
setubalense após o encontro. Mais tarde, Mourinho disse
que o relatório que recebeu do departamento de scouting do
clube não incluía informações sobre o jogador boavisteiro
em melhor forma, o médio boliviano Erwin Sánchez: “A observação do Benfica
apresentou um relatório com 10 jogadores do Boavista.
Só faltava o Sánchez... que era apenas o melhor. Fiquei pasmado.”
3 de dezembro de 2000 – I Liga portuguesa (13.ª jornada)
José
Mourinho herdou o Benfica
com sete pontos em quatro jornadas, em 7.º lugar com os mesmos pontos do 5.º e
do 9.º e a cinco pontos do líder (Sp.
Braga). Não se pode dizer que o tenha deixado melhor – 6.ª posição, a sete
pontos do primeiro classificado (FC
Porto), mas teve uma despedida (mesmo sem saber que se tratava do último
jogo no banco encarnado) de sonho: uma vitória estrondosa sobre o rival Sporting
que foi igualmente o quarto triunfo consecutivo em todas as competições. Pelo
meio, houve eleições, tendo Manuel Vilarinho, que havia prometido Toni para o
cargo de treinador, assumido o cargo de presidente.
Num encontro que marcou o
regresso de João Vieira Pinto à Luz, as águias fizeram aquela que foi talvez a
melhor exibição dessa época e arrancaram uma vitória por 3-0.
O holandês Pierre van Hooijdonk
abriu o ativo aos 41 minutos, na conversão de uma grande penalidade a castigar
falta de André Cruz sobre o próprio. No segundo tempo, já após a expulsão de
Pedro Barbosa, João Tomás bisou (77’ e 82’) e sentenciou o resultado. “Era um
momento muito difícil para o Benfica
e o Sporting
era campeão. Quando fomos a jogo todo o país esperava que o campeão fosse
dominar o dérbi, mas acabámos por ganhar. E ganhámos de uma forma fantástica”,
recordou Mourinho
em julho de 2020, numa entrevista à Sky Sports.
Um dia depois, Mourinho
utilizou a vitória no dérbi para testar a lealdade de Vilarinho, pressionando-o
a acionar a cláusula da renovação de contrato. Contudo, o presidente recusou e
o treinador demitiu-se imediatamente.
10 de abril de 2003 – Taça
UEFA (1.ª mão das meias-finais)
Depois de eliminar os polacos do
Polonia Varsóvia (agregado de 6-2), os austríacos do Áustria Viena (3-0), os
franceses do Lens (3-1), os turcos do Denizlispor (8-3) e os gregos do
Panathinaikos (2-1), o FC
Porto encontrou nas meias-finais da Taça
UEFA um adversário digno de Liga
dos Campeões, a Lazio
de Peruzzi, Fernando Couto, Mihajlovic,
Simeone, Stankovic, Fiore, Claudio López e Chiesa, comandada por Roberto
Mancini.
“Se há noites europeias que vão
ficar na história do FC
Porto e do Estádio das Antas (e aqui já não vai haver muitas mais), a
de ontem é seguramente uma delas. Não apenas porque terá carimbado o apuramento
do FC
Porto para a final da Taça
UEFA em Sevilha, mas também por tudo o resto que a envolveu.
Simplesmente memorável! O jogo, a exibição, o ambiente, o espetáculo. Quem
acompanhou tudo isto ao vivo não lamentará um só pingo da chuva que
ininterruptamente caiu durante o jogo e abençoou a noite mágica do dragão”,
escreveu o Record.
21 de maio de 2003 – Taça
UEFA (final)
Se o FC
Porto tinha dizimado a Lazio
nas meias-finais, o Celtic
eliminou várias equipas das principais ligas europeias na caminhada até à
final, nomeadamente os ingleses do Blackburn Rovers e do Liverpool,
os espanhóis do Celta
de Vigo e os alemães do Estugarda, além do Boavista
na meia-final, impedindo assim uma final que seria 100% portuguesa e 100%
portuense. O avançado sueco Henrik Larsson era a grande figura da equipa.
Numa final extremamente
equilibrada, os dragões
nunca estiveram em desvantagem, mas estiveram pouco tempo na frente do
marcador. Se Derlei abriu o ativo aos 45’, Larsson empatou aos 47’. Se
Alenichev fez o 2-1 aos 54’, Larsson marcou o 2-2 aos 57’.
A igualdade levou a decisão para
prolongamento. Já após a expulsão de Bobo Baldé, defesa do Celtic,
aos 96 minutos, os azuis e brancos marcaram o golo da vitória aos 115’, por
intermédio de Derlei, melhor marcador dessa edição da Taça
UEFA, com 12 golos – mais um do que Larsson.
Durante a volta olímpica pelo
Estádio Olímpico de Sevilha, Mourinho
atirou a medalha para a bancada.
“Estávamos a ganhar 1-0, eles
empataram, depois fizemos o 2-1, eles empatam novamente e aí o prolongamento é
que é difícil. Mesmo para nós, do lado de fora, é difícil, porque uma final é,
na maioria das carreiras, especialmente em Portugal, algo de agora ou nunca.
(…) Olhámos para aquele jogo como o jogo das nossas vidas, das nossas carreiras”,
recordou Mourinho,
em entrevista à The Coaches' Voice, em junho de 2019.
9 de março de 2004 – Liga
dos Campeões (2.ª mão dos oitavos de final)
Na estreia europeia do
recém-inaugurado Estádio do Dragão, o Manchester
United até marcou primeiro, por intermédio do médio sul-africano Quinton
Fortune logo aos 14 minutos, mas o FC
Porto respondeu bem e virou o resultado, graças a dois golos de outro sul-africano,
Benni McCarthy (29’ e 78’). Perto do fim do encontro, Roy Keane foi expulso com
cartão vermelho direto após um pisão desnecessário em Vítor Baía (87’).
No entanto, faltava defender essa
magra vantagem ante o campeão
inglês em Old Trafford. Os red devils recolocaram-se na frente da
eliminatória pouco depois da meia hora de jogo, graças a um golo de Paul
Scholes. O médio inglês poderia ainda ter bisado, mas foi-lhe invalidado um
golo por fora de jogo ainda antes do intervalo.
O 1-0 persistiu até ao minuto 90,
quando Costinha empatou o encontro na recarga a um livre direto de McCarthy
defendido de forma incompleta por Tim Howard. Em plena explosão de alegria, o
internacional português foi festejar para perto da bandeirola de canto,
perseguido pelos colegas, mas a imagem que ficou para a história foi a corrida
de Mourinho
para junto do local onde os seus jogadores celebravam. Anos mais tarde, admitiu
que não o técnico
português admitiu que não o voltaria a fazer, por respeito aos adversários.
“Fomos a Manchester e o resto é
história: aos 90 minutos, estávamos em desvantagem na eliminatória. Marcámos ao
91º minuto e apurámo-nos nesse instante – e quando nos qualificámos em Old
Trafford sentimos que, se podíamos eliminar o Manchester
United, então podíamos derrotar qualquer adversário”, recordou ao portal
da UEFA em janeiro de 2013.
26 de maio 2004 – Liga
dos Campeões (final)
Depois de eliminar o Manchester
United, o FC
Porto afastou Lyon
e Deportivo
na caminhada até à final de Gelsenkirchen. Por outro lado, o também
surpreendente Mónaco
eliminou Lokomotiv Moscovo, Real
Madrid e Chelsea.
“Sentimos que não iríamos falhar.
(…) Ganhámos muito calmamente. Costumo dizer que não festejei como uma final da
Champions
League, porque não a senti como uma final da Champions
League – o jogo foi bastante calmo e controlado. Não me senti campeão
europeu após Kim Nielsen, o árbitro, ter apitado pela última vez: senti-me
campeão europeu bem antes de o jogo ter acabado”, afirmou Mourinho
ao portal
da UEFA em janeiro de 2013.
“É difícil escolher o melhor
momento da minha carreira, mas se calhar escolhia a Champions
League com o FC
Porto. É o el dourado das competições de clubes e tive a sorte de ganhar
duas vezes. Ganhar com uma equipa portuguesa tem um sabor especial, é quase um
legado histórico. Desde 2004 que uma equipa portuguesa não ganha e não sabemos
quando isso voltará a acontecer”, considerou em setembro de 2020, quando
completou 20 anos enquanto treinador principal.
30 de abril de 2005 – Premier
League (36.ª jornada)
Bolton
0-1 Chelsea
O Chelsea
só havia conquistado o título inglês por uma vez, na longínqua temporada de
1954-55, e tinha como principais rivais um Arsenal
que na época anterior se tinha sagrado campeão sem sofrer qualquer derrota e um
Manchester
United recheado de bons jogadores. E ainda havia o Liverpool,
que concluiu o campeonato pontualmente muito distante do primeiro lugar, mas
que acabaria por vencer a Liga
dos Campeões.
No entanto, José
Mourinho, que avisou ao que vinha ao autointitular-se de special one
quando foi apresentado, formou uma equipa vencedora, que entrou para 36.ª
jornada (a quarta a contar no fim, porque a 33.ª é que acabou por ser a
penúltima) com mais onze pontos que o Arsenal.
Uma vitória sobre o Bolton no
Reebok Stadium – hoje Macron Stadium ou University Of Bolton Stadium – bastava
para garantir a conquista do título e foi precisamente isso que aconteceu. Coube
a um dos jogadores mais emblemáticos dos blues na altura, Frank Lampard,
apontar os dois golos do triunfo, ambos no decorrer da segunda parte (59 e 75
minutos).
“O nosso grupo é um grupo
especial. Eles merecem isto. Ninguém que fale com bom senso pode dizer que não
merecemos este título, porque nós o fizemos de forma absolutamente magnífica.
Estou muito feliz pelos adeptos, especialmente pelos que nunca tinham sido
campeões. Roman (Abramovich) penso que merece muito, mas este grupo é realmente
especial. É por isso que quero ficar com eles o máximo de tempo que conseguir”,
afirmou Mourinho
após o encontro.
28 de abril de 2010 – Liga
dos Campeões (2.ª mão das meias-finais)
A derrota mais saborosa da
carreira de José
Mourinho.
Mas comecemos pelo jogo da
primeira mão. O Inter
de Milão recebia no Estádio Giuseppe Meazza o campeão europeu Barcelona
que, com um estilo muito característico baseado na posse de bola a que chamaram
de tiki-taka e com um Lionel
Messi que na altura era considerado o melhor jogador do mundo, era uma
equipa praticamente invencível, sobretudo nos jogos mais a sério. Basta referir
que os catalães
vinham de conquistar tudo o que havia para conquistar no espaço de um ano, o
chamado sextete: campeonato, Taça do Rei, Supertaça de Espanha, Champions,
Supertaça Europeia e Mundial de Clubes.
E para reforçar o favoritismo
blaugrana, Pedro Rodríguez inaugurou o marcador aos 19 minutos, a passe de Messi.
No entanto, o Inter
de Milão de José
Mourinho reagiu muito bem. Diego Milito serviu Sneijder para o golo do
empate à passagem da meia hora. E logo no arranque da segunda parte, Diego
Milito fugiu à marcação do irmão Gabriel Milito e serviu Maicon para o 2-1
(48'). Só que a noite de sonho do avançado argentino ainda não tinha terminada
e, aos 61', apontou o terceiro golo da equipa da casa, ao cabecear para o fundo
das redes na sequência de um passe de cabeça de Sneijder.
“Perdemos em posse de bola, mas
tivemos mais oportunidades de golo e ainda podíamos ter feito mais golos. A
ganhar da maneira que ganhámos contra a melhor equipa do mundo, só posso dizer
bem dos meus jogadores”, analisou José
Mourinho, que nove anos depois revelou a estratégia para esse jogo ao The
Coaches' Voice.
Ainda assim, ganhar por 2-0 em
casa estava longe de ser uma missão impossível para o Barcelona,
sobretudo depois de ter ficado a jogar com mais um homem, devido à expulsão do
seu ex-jogador Thiago Motta antes da meia hora. No entanto, José
Mourinho fechou as caminhos para a baliza da sua equipa e conseguiu
saiu vivo de Camp Nou, apesar de um golo de Gerard Piqué aos 84 minutos ter
animado os minutos finais. Messi chegou
mesmo a marcar o segundo golo dos catalães,
mas o remate certeiro do argentino foi anulado devido a mão na bola de Yaya Touré.
O técnico
setubalense, esse, estava radiante: “É o momento mais belo de toda a minha
carreira. Fomos uma equipa de heróis. Deixámos o sangue em campo, quando os
outros diziam que iam deixar a pele.”
22 de maio de 2010 – Liga
dos Campeões (final)
Melhor do que chegar à final é
ganhar a Liga
dos Campeões, algo que o Inter
de Milão já não conseguia desde 1964-65 – e já não atingia o jogo decisivo
da prova desde 1971-72.
Frente a uma equipa dirigida pelo
seu antigo chefe de equipa Louis van Gaal, José
Mourinho deu a iniciativa de jogo aos bávaros,
que tiveram mais posse de bola, mas uma posse de bola inconsequente.
Tremendamente objetivo e eficaz, o
conjunto italiano aproveitou as raras situações de perigo de que dispôs para
marcar dois golos, ambos da autoria de Diego Milito, aos 35 e 70 minutos, com
assistências de Wesley Sneijder e Samuel Eto’o.
Com este triunfo no Santiago
Bernabéu – que haveria de ser a casa de Mourinho
nos três anos que se seguiram –, o treinador
português juntou-se ao restrito lote de técnicos que se sagraram campeões
europeus por dois clubes. Ernst Happel (Feyenoord em 1969-70 e Hamburgo em 1982-83)
e Ottmar Hitzfeld (Borussia
Dortmund em 1996-97 e Bayern
2000-01) anteceder ao setubalense
– anos mais tarde, também Carlo Ancelotti (AC
Milan em 2002-03 e 2006-07 e Real
Madrid em 2013-14 e 2021-22) e Jupp Heynckes (Real
Madrid em 1997-98 e Bayern
em 2012-13) se juntaram à lista.
“O título que mais me emocionou
foi a Champions
ao serviço do Inter
de Milão, porque antes de jogar a final sabia que iria ser o meu último
jogo com aqueles jogadores. É difícil decidir qual o título mais importante,
porque todos são a concretização de um objetivo. Mas o mais emocionante foi a Liga
dos Campeões ao serviço do Inter”,
afirmou Mourinho
à CNN em outubro de 2012.
21 de abril de 2012 – Liga
Espanhola (35.ª jornada)
Depois de interromper o ciclo
vitorioso do Barcelona
de Pep Guardiola na Europa, uma equipa de José
Mourinho colocou um ponto final na hegemonia desse Barça
em Espanha.
Após o encontro foi o adjunto
Aitor Karanka e não José
Mourinho que compareceu na conferência de imprensa, mas o auxiliar do treinador
português revelou qual a mensagem que o special one passou à equipa
durante o intervalo. “O mister avisou os jogadores que o Barcelona
podia marcar a qualquer momento e incitou-os a não deixarem de atacar mesmo que
eles empatassem.”
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