O português a quem o Inter inventou um pai italiano e um novo nome. Quem se lembra de Jorge Humberto?
Jorge Humberto na Académica e... Giorgio Raggi Humberto no Inter
Avançado cabo-verdiano, chegou a
Coimbra aos 17 anos, em outubro de 1955, proveniente da Académica do Mindelo, e
desatou a marcar golos pelos juniores da Académica
coimbrense, embora tivesse sido o sonho de estudar Medicina que o levou a
mudar-se para Portugal. Só depois procurou “ser recebido pela direção da Académica”,
que o acolheu.
Aposta de Cândido
de Oliveira na equipa principal da briosa
a partir de 1956, depressa impressionou pela mobilidade, a capacidade de desmarcação,
velocidade, mobilidade e veia goleadora. Em julho de 1961, depois de uma
época em que havia sido o melhor marcador da equipa na I
Divisão (com dez golos) e numa altura em que se preparava para os exames do
quinto ano o curso de Medicina, recebeu uma chamada telefónica na residência universitária,
no número 23 da rua do Norte, perto da Sé, que lhe mudou a vida. Do outro lado da chamada estava
apenas e só Helenio
Herrera, treinador do Inter
de Milão, a manifestar o interesse dos nerazzurri
em contratá-lo. Fruta a mais, pensou Jorge Humberto, que despachou o técnico
argentino: “Não me aborreça. Tenho mais que fazer. Os exames estão à porta.” Minutos depois, Herrera
insistiu com outro telefonema. A este, o atacante cabo-verdiano reagiu a
solicitar o envio de um telegrama a comprovar a veracidade do convite. Meia
hora depois, um carteiro entregou-lhe mesmo o telegrama. Jorge Humberto entrou
numa roda-viva de emoções e todos na residência dos estudantes passaram a saber
do interesse do Inter,
até o cantor Zeca Afonso, que de vez em quando aparecia por lá para
confraternizar. O convite, como se pode imaginar,
foi irrecusável. “Com o dinheiro que ganhei em Itália comprei um prédio de três
andares em Lisboa, no Alto de São João, e oferecia 1500 contos à Académica”,
assumiu anos mais tarde aquele que se tornou no primeiro português a atuar
pelos nerazzurri.
A aventura em Milão só durou uma
época (1961-62) e traduziu-se num assinalável registo de seis golos em oito
jogos – cinco dos remates certeiros foram apontados na Taça das Cidades com
Feiras e o outro foi marcado ao Novara, para a Taça de Itália. O problema era a
regra que limitava dois estrangeiros em campos e a presença no plantel do espanhol
Luis Suárez e do inglês Gerry Hitchens. Para contornar essa dificuldade,
o Inter
tentou aproveitar a paternidade incógnita de Jorge Humberto para arranjar um
cidadão italiano, Vittorio Raggi, declarasse sob juramento que tinha conhecido
a mãe do avançado em Cabo Verde e que seria o seu pai. A história levou a que
Jorge Humberto fosse rebatizado para Giorgio Raggi, nome pelo qual ainda é apresentado nos
registos do site dos nerazzurri. “O Inter
já estava habituado aos dois [estrangeiros], e a maneira de contornar o
problema foi uma mentira: fazer de mim italiano. Custou-me imenso, e esqueci
tudo ao sair de lá. Nem gosto de falar do assunto”, confessou ao Maisfutebol
em abril de 2023. Ainda assim, valeu bem a pena a
experiência: “Morava na Vila Canonico, 59. E jogar no Estádio San Siro era
extraordinário. Sentia-se o peso da responsabilidade perante um público amigo,
mas exigente.” Em 1962-63, o Inter
emprestou-o ao Vicenza,
onde permaneceu até 1964, com um total de cinco golos em 25 jogos no campeonato
italiano. “Esses dois anos correram muito bem. Foi de uma certa facilidade.
Tirando as equipas principais, como Inter,
Milan,
Fiorentina
e Nápoles…
os outros eram mais ou menos todos do mesmo nível. Estivemos sempre bem
classificados, ali pelo sexto ou sétimo lugar”, recordou. Depois regressou a Coimbra para
jogar mais dois anos na Académica
e terminar o curso de Medicina em 1966. Em 1976 tirou a especialidade,
pediatria, e começou a exercer em Coimbra, tendo sido um dos fundadores do
Hospital Pediátrico da cidade.
Mais tarde, em 1982, aceitou um
convite para trabalhar em Macau, onde permaneceu até voltar a Portugal no final
da década de 2010 para se radicar na zona de Cascais.
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