Hoje faria anos o “Anjo das Pernas Tortas” que chegou a piscar o olho ao Sporting. Quem viu jogar Garrincha?
Garrincha jogou 50 vezes pela seleção do Brasil e só perdeu uma vez
Se o rei Pelé
está consensualmente sentado no trono de melhor futebolista brasileiro de todos
os tempos, há um lote restrito de jogadores que vem logo a seguir. E Garrincha,
contemporâneo da lenda
do Santos, é um desses casos. Juntos ganharam dois títulos mundiais (1958 e
1962) e nunca perderam um jogo pela seleção
do Brasil.
Extremo direito que brilhou
sobretudo pelo escrete
(de 1955 a 1966) e pelo Botafogo
(1953 a 1965), nasceu a 28 de outubro – e não 18 de outubro, como o pai
erradamente o registou – de 1933, no Rio de Janeiro. Como sequela de uma poliomielite
ou por deficiência congénita, um mistério que nunca ficou totalmente
esclarecido, ficou com as pernas tortas – a esquerda seis centímetros mais longa
do que a direita, ambas curvadas –, mas esse handicap não o impediu de
se tornar num génio do drible, com fintas que ultrapassavam adversários e
levantavam estádios. Quem estava do seu lado chamava-o de anjo, tendo ficado
conhecido como “O Anjo das Pernas Tortas”. Mas para quem estava do outro lado,
era mais um demónio. Manoel Francisco dos Santos era o
seu nome verdadeiro, mas a irmã apelidou-o de “Garrincha” em alusão a um
pássaro com esse nome, muito comum na América do Sul. A alcunha ficou e
tornou-se no seu nome de guerra no mundo do futebol. Começou a jogar futebol aos 14
anos, no Esporte Clube de Pau Grande, de onde saltou para o Botafogo
depois de passar num teste. Reza a lenda que Nilton Santos, na altura um
jogador experimente e muito conceituado no futebol canarinho, não o conseguiu
parar no treino, o que deixou toda a gente convencida de que estavam perante um
talento muito especial. Pelo clube
da Estrela Solitária marcou mais de 200 golos ao longo de uma dúzia de
anos, tendo vencido três campeonatos cariocas (1957, 1961 e 1962) e dois torneios
Rio-São Paulo (1962 e 1964), o mais parecido com um campeonato nacional que
havia na altura. Depois representou ainda Corinthians
(1966), Junior Barranquilla (1968), Flamengo
(1968 e 1969) e Olaria (1972). Pela seleção
brasileira somou 12 golos em 50 partidas, tendo averbado somente uma
derrota, diante da Hungria
no Mundial 1966 (1-3), antes de a canarinha
defrontar Portugal,
jogo no qual Garrincha ficou no banco. Por essa altura já tinha vencido os dois
títulos mundiais.
Ao longo desse percurso de quase
duas décadas como futebolista, teve o seu nome associado ao Sporting
em duas ocasiões. Primeiro em 1963, quando o também
brasileiro Gentil Cardoso, então treinador dos leões,
o tentou levar para Alvalade.
No entanto, o secretário técnico leonino António Abrantes Mendes recebeu de
Renato Estelita, diretor de futebol do Botafogo,
resposta negativa: “Mané não será vendido de forma alguma. A ninguém. Quando
pedimos um milhão de dólares pelo seu passe, é justamente porque não
pretendemos vendê-lo. Nem emprestá-lo, sequer…” Entretanto, numa altura em que
estava já na reta final da carreira e levava vários meses sem competir,
Garrincha veio a Lisboa com a cantora e então sua namorada Elza Soares, contratada
para atuar no Monumental para o programa Curto Circuito da RTP, e
aproveitou para ir a Alvalade
ver o Sporting
bater a Académica
por 2-1, a 29 de março de 1970. Enquanto deixava as bancadas do estádio, um
jornalista apanhou-lhe uma confidência: “Sim, gostava muito de jogar aqui,
estes dias senti-me em casa e vosso povo é muito caloroso.” Contudo, nessa fase
foram os verde
e brancos que não se mostraram muito interessados. O extremo brasileiro terminou a
carreira de futebolista profissional em 1972, após alguns meses no Olaria, mas
continuou a jogar partidas de caráter particular até 1982, o ano anterior à da
sua morte. Viria a morrer a 20 de janeiro de 1983, aos 49 anos, vítima de
cirrose hepática, em coma alcoólico, após uma série de problemas financeiros e
conjugais que o levaram a refugiar-se no álcool. As mortes trágicas foram, aliás,
um denominador comum na sua família. O pai também morreu de cirrose, uma irmã vítima
de esquistossomose (barriga de água) aos 14 anos e outra ao cair de um camião
numa festa, tendo o filho desta última perdido uma perna ao cair de um comboio.
O extremo também esteve envolvido em vários acidentes de viação, entre os quais
um em abril de 1969 que matou a sua sogra. Após a morte de Garrincha, dois
dos seus filhos morreram também em acidentes de automóvel: Manuel Francisco dos
Santos Júnior, apelidado de Garrinchinha, fruto da relação com Elza Soares,
faleceu a 11 de janeiro de 1986, aos nove anos, em Duque de Caxias; e Neném
Garrincha, que jogou no Belenenses
e no Olhanense
e havia sido fruto de um relacionamento extraconjugal, morreu em Fafe, precisamente
nove anos após a morte do pai, a 20 de janeiro de 1992.
Sem comentários:
Enviar um comentário