O sorteio da primeira
eliminatória, realizado num hotel de Genebra, colocou o Benfica
no caminho do clube oficial da polícia húngara, na altura recém-rebatizado como
Újpesti Dózsa, mas que teve quase sempre a designação de Újpest. Curiosamente,
foi um clube que Guttmann
havia guiado ao título da Hungria em 1938-39 e 1946-47 e que acabava de
conquistar o seu primeiro campeonato desde então. Talvez cativada pela raiva que o
treinador sentia pelo seu antigo clube, a equipa do Benfica
começou por golear o conjunto magiar por 6-2 no Estádio
da Luz, a 6 de novembro de 1960. Cavém (1’), José
Águas (6’ e 28’), José Augusto (12’ e 87’) e Joaquim Santana (16’) marcaram
os golos dos lisboetas,
que antes da meia hora já venciam por 5-0. O melhor que o Újpest conseguiu foi reduzir
a desvantagem já na segunda metade da segunda parte, por János Göröcs (69’) e Ferenc
Szusza (77’). “Nem o Real
Madrid conseguia sobreviver aqui”, relatou o delegado da UEFA no jogo,
Augusti Pujol, impressionado pelo ambiente no caldeirão encarnado.
Duas semanas depois, na Hungria,
o Benfica
apresentou-se sem o seu treinador, uma vez que existia o risco de o regime
comunista não deixar sair do país Béla
Guttmann, que acabou por ouvir o relato do jogo através de uma telefonia em
Viena. No entanto, as águias,
que entraram em campo com a confortável vantagem de quatro golos trazida da
primeira-mão, seguiram em frente apesar de uma derrota por 2-1 em Budapeste.
Depois de Santana ter adiantado os lisboetas
logo aos cinco minutos, Itsván Halapi (56’) e Ferenc Szusza (61’) marcaram os
golos húngaros
no início do segundo tempo. Foi a primeira vez que uma equipa portuguesa
ultrapassou a primeira eliminatória.
Na mesma eliminatória em que o Benfica
afastou o Újpesti Dózsa, ficou garantido que haveria um campeão continental
inédito. Isto porque o vencedor das cinco edições da Taça
dos Campeões Europeus até então disputadas, o Real
Madrid, foi eliminado pelo rival Barcelona. Com a revalidação do título nacional
bem encaminhado, as águias
encararam os jogos dos quartos de final, diante dos dinamarqueses do
Aarhus, com foco redobrado. Na primeira-mão, disputada em Lisboa a 8 de março
de 1961, os encarnados
venceram por 3-1, com golos dos suspeitos do costume: José
Águas (20 e 60 minutos) e José Augusto (50’, de penálti). Para os nórdicos
marcou John Amdisen (52’). Três semanas depois, esperava-se
que clima gélido do norte da Europa pudesse favorecer a equipa da casa, mas a
verdade é que o Benfica
goleou por 4-1, com as principais figuras do ataque em destaque: José Augusto
bisou (1’ e 43’) e José
Águas (23’) e Santana (76’) faturaram um cada um – para o Aarhus marcou
John Jensen (75’). Nas meias-finais, o Benfica
mediu forças novamente com um adversário de uma cidade que muito dizia a Béla
Guttmann, o Rapid Viena, a equipa que o húngaro
defrontara na sua última partida como jogador, no Estádio do Prater, em 1933,
com a camisola do Hakoah. A 26 de abril de 1961, os
austríacos apresentaram-se na primeira-mão, em Lisboa, com um sistema
ultradefensivo, com praticamente todos os homens atrás da linha da bola, mas
que não demoraria a colapsar. Mário Coluna (19 minutos) e José
Águas (24’) marcaram ainda na primeira parte, enquanto Cavém fixou o
resultado em 3-0 à passagem da hora de jogo. Entre os dois encontros das
meias-finais, o Benfica
teve de ir às Antas disputar um jogo importante do campeonato, mas Béla
Guttmann deixou a descansar oito dos jogadores que atuaram na primeira-mão,
tendo sido derrotado pelo FC
Porto (2-3). Por esta altura, a rotação de um plantel com o intuito de
manter os atletas frescos e livres de lesões antes das partidas mais
importantes ainda não era um conceito que colhesse aceitação. Uma prova de que
o húngaro
estava adiantado relativamente aos outros treinadores. A 4 de maio de 1961, no Prater,
as águias
foram recebidas com hostilidade pelos 95 mil espetadores vienenses, que
acreditavam numa reviravolta na eliminatória, mas a defesa benfiquista
manteve-se intransponível. José
Águas desfez o nulo aos 66 minutos e Walter Skocik empatou logo a seguir, devolvendo
a crença à multidão. A dada altura, Robert Dienst tentou cavar um penálti por
suposta falta de Fernando Cruz, mas o árbitro inglês Reg Leafe nada assinalou.
Em seguida, um jogador do Rapid atirou Cruz ao chão e houve invasão de campo
por parte dos adeptos, com a polícia a ter de intervir para proteger o juiz da
partida e os jogadores do Benfica,
que tiveram de esperar horas até a costa ficar livre para abandonar o estádio.
Faltava a cereja no topo do bolo:
bater o Barcelona,
carrasco Real
Madrid e favorito para levantar o troféu no Estádio Wankford, em Berna. A
31 de maio de 1961, os catalães
com um ataque que integrava o tridente húngaro composto por László Kubala, Sándor
Kocsis e Zoltán Czibor e ainda o brasileiro Evaristo e um meio-campo onde
pontificava Luis Suárez foram os primeiros a marcar, por Kocsis,
de cabeça, na resposta a um cruzamento de Suárez aos 21 minutos.
Mas o Benfica
não se foi abaixo e aproveitou dois erros do guarda-redes adversário Antoni
Ramallets para dar a volta ao resultado. À meia hora, o guardião saiu de forma
precipitada para intercetar um cruzamento de Cavém e permitiu que José
Águas colocasse a bola na baliza vazia. Um minuto depois, Ramallets marcou autogolo
num lance às três tabelas em que ficou a dúvida se a bola havia ultrapassado a
linha de baliza – o árbitro suíço Gottfried Dienst considerou que sim. E Mário
Coluna, que havia partido o nariz no decorrer da primeira parte, fez o 3-1
através de um remate de pé direito, já no segundo tempo (55’). O Barça
reagiu bem e dispôs de várias oportunidades de golo, com Kocsis
e Kubala a rematarem ao poste antes de Czibor reduzir para a desvantagem a
quinze minutos do fim. O mesmo Czibor também acertou no poste ao cair do pano,
imediatamente antes do apito final do árbitro. Seguiram-se festejos eufóricos e
uma invasão de campo pacífica por parte dos adeptos do Benfica.
O presidente encarnado Vieira de Brito, na altura com 42 anos, sofreu um ataque
cardíaco ligeiro. O treinador, Béla
Guttmann, que havia sobrevivido ao Holocausto, pôs os olhos nos céus.
Sem comentários:
Enviar um comentário