sexta-feira, 14 de março de 2025

De Edimburgo a Berna. A caminhada do Benfica até ao título europeu de 1960-61

Benfica sagrou-se campeão europeu em 1961 após bater o Barcelona
Com um plantel construído à sua medida, a motivação suplementar de um bónus de 300 mil escudos em caso de conquista de título continental e um trabalho consolidado de um ano em que conseguiu sagrar-se campeão nacional, Béla Guttmann e o seu Benfica iniciaram a participação na edição de 1960-61 da Taça dos Campeões Europeus ainda na pré-eliminatória.
 
O primeiro adversário dos encarnados foi um raro campeão escocês, o Heart of Midlothian, mais conhecido como Hearts. Em Edimburgo, a 29 de setembro de 1960, a equipa da casa ainda deu alguma luta, mas as águias venceram por 2-1, com golos de José Águas e José Augusto aos 36 e 74 minutos, ao passo que Alexander Young reduziu para os britânicos na reta final da partida (80’).
 
Uma semana depois, no Estádio da Luz, o Benfica venceu confortavelmente por 3-0, com Águas (7’ e 60’) e José Augusto (49’) novamente a ser os marcadores de serviço. “Fomos completamente ultrapassados pelo Benfica nos dois jogos. Estavam a milhas à nossa frente em estilo, técnica e sistema de jogo. Nós só tínhamos esperança. Bateram-nos por 2-1 aqui e por 3-0 em Lisboa, mas, sinceramente, o resultado podia ter sido muito mais pesado”, assumiu Gordon Smith, um veterano avançado do Hearts.
 
 
 
O sorteio da primeira eliminatória, realizado num hotel de Genebra, colocou o Benfica no caminho do clube oficial da polícia húngara, na altura recém-rebatizado como Újpesti Dózsa, mas que teve quase sempre a designação de Újpest. Curiosamente, foi um clube que Guttmann havia guiado ao título da Hungria em 1938-39 e 1946-47 e que acabava de conquistar o seu primeiro campeonato desde então.
 
Talvez cativada pela raiva que o treinador sentia pelo seu antigo clube, a equipa do Benfica começou por golear o conjunto magiar por 6-2 no Estádio da Luz, a 6 de novembro de 1960. Cavém (1’), José Águas (6’ e 28’), José Augusto (12’ e 87’) e Joaquim Santana (16’) marcaram os golos dos lisboetas, que antes da meia hora já venciam por 5-0. O melhor que o Újpest conseguiu foi reduzir a desvantagem já na segunda metade da segunda parte, por János Göröcs (69’) e Ferenc Szusza (77’). “Nem o Real Madrid conseguia sobreviver aqui”, relatou o delegado da UEFA no jogo, Augusti Pujol, impressionado pelo ambiente no caldeirão encarnado.
 
 
Duas semanas depois, na Hungria, o Benfica apresentou-se sem o seu treinador, uma vez que existia o risco de o regime comunista não deixar sair do país Béla Guttmann, que acabou por ouvir o relato do jogo através de uma telefonia em Viena. No entanto, as águias, que entraram em campo com a confortável vantagem de quatro golos trazida da primeira-mão, seguiram em frente apesar de uma derrota por 2-1 em Budapeste. Depois de Santana ter adiantado os lisboetas logo aos cinco minutos, Itsván Halapi (56’) e Ferenc Szusza (61’) marcaram os golos húngaros no início do segundo tempo. Foi a primeira vez que uma equipa portuguesa ultrapassou a primeira eliminatória.
 
 
Na mesma eliminatória em que o Benfica afastou o Újpesti Dózsa, ficou garantido que haveria um campeão continental inédito. Isto porque o vencedor das cinco edições da Taça dos Campeões Europeus até então disputadas, o Real Madrid, foi eliminado pelo rival Barcelona.
 
 
Com a revalidação do título nacional bem encaminhado, as águias encararam os jogos dos quartos de final, diante dos dinamarqueses do Aarhus, com foco redobrado. Na primeira-mão, disputada em Lisboa a 8 de março de 1961, os encarnados venceram por 3-1, com golos dos suspeitos do costume: José Águas (20 e 60 minutos) e José Augusto (50’, de penálti). Para os nórdicos marcou John Amdisen (52’).
 
Três semanas depois, esperava-se que clima gélido do norte da Europa pudesse favorecer a equipa da casa, mas a verdade é que o Benfica goleou por 4-1, com as principais figuras do ataque em destaque: José Augusto bisou (1’ e 43’) e José Águas (23’) e Santana (76’) faturaram um cada um – para o Aarhus marcou John Jensen (75’).
 
 
Nas meias-finais, o Benfica mediu forças novamente com um adversário de uma cidade que muito dizia a Béla Guttmann, o Rapid Viena, a equipa que o húngaro defrontara na sua última partida como jogador, no Estádio do Prater, em 1933, com a camisola do Hakoah.
 
A 26 de abril de 1961, os austríacos apresentaram-se na primeira-mão, em Lisboa, com um sistema ultradefensivo, com praticamente todos os homens atrás da linha da bola, mas que não demoraria a colapsar. Mário Coluna (19 minutos) e José Águas (24’) marcaram ainda na primeira parte, enquanto Cavém fixou o resultado em 3-0 à passagem da hora de jogo.
 
Entre os dois encontros das meias-finais, o Benfica teve de ir às Antas disputar um jogo importante do campeonato, mas Béla Guttmann deixou a descansar oito dos jogadores que atuaram na primeira-mão, tendo sido derrotado pelo FC Porto (2-3). Por esta altura, a rotação de um plantel com o intuito de manter os atletas frescos e livres de lesões antes das partidas mais importantes ainda não era um conceito que colhesse aceitação. Uma prova de que o húngaro estava adiantado relativamente aos outros treinadores.
 
A 4 de maio de 1961, no Prater, as águias foram recebidas com hostilidade pelos 95 mil espetadores vienenses, que acreditavam numa reviravolta na eliminatória, mas a defesa benfiquista manteve-se intransponível. José Águas desfez o nulo aos 66 minutos e Walter Skocik empatou logo a seguir, devolvendo a crença à multidão. A dada altura, Robert Dienst tentou cavar um penálti por suposta falta de Fernando Cruz, mas o árbitro inglês Reg Leafe nada assinalou. Em seguida, um jogador do Rapid atirou Cruz ao chão e houve invasão de campo por parte dos adeptos, com a polícia a ter de intervir para proteger o juiz da partida e os jogadores do Benfica, que tiveram de esperar horas até a costa ficar livre para abandonar o estádio.
 
 
 
Dez dias de ter carimbado o apuramento para a final da Taça dos Campeões Europeus, o Benfica garantiu a conquista do título nacional com uma goleada ao Sp. Covilhã no Estádio da Luz (8-0).
 
Faltava a cereja no topo do bolo: bater o Barcelona, carrasco Real Madrid e favorito para levantar o troféu no Estádio Wankford, em Berna. A 31 de maio de 1961, os catalães com um ataque que integrava o tridente húngaro composto por László Kubala, Sándor Kocsis e Zoltán Czibor e ainda o brasileiro Evaristo e um meio-campo onde pontificava Luis Suárez foram os primeiros a marcar, por Kocsis, de cabeça, na resposta a um cruzamento de Suárez aos 21 minutos.
 
Mas o Benfica não se foi abaixo e aproveitou dois erros do guarda-redes adversário Antoni Ramallets para dar a volta ao resultado. À meia hora, o guardião saiu de forma precipitada para intercetar um cruzamento de Cavém e permitiu que José Águas colocasse a bola na baliza vazia. Um minuto depois, Ramallets marcou autogolo num lance às três tabelas em que ficou a dúvida se a bola havia ultrapassado a linha de baliza – o árbitro suíço Gottfried Dienst considerou que sim. E Mário Coluna, que havia partido o nariz no decorrer da primeira parte, fez o 3-1 através de um remate de pé direito, já no segundo tempo (55’).
 
O Barça reagiu bem e dispôs de várias oportunidades de golo, com Kocsis e Kubala a rematarem ao poste antes de Czibor reduzir para a desvantagem a quinze minutos do fim. O mesmo Czibor também acertou no poste ao cair do pano, imediatamente antes do apito final do árbitro.
 
Seguiram-se festejos eufóricos e uma invasão de campo pacífica por parte dos adeptos do Benfica. O presidente encarnado Vieira de Brito, na altura com 42 anos, sofreu um ataque cardíaco ligeiro. O treinador, Béla Guttmann, que havia sobrevivido ao Holocausto, pôs os olhos nos céus.
 
 
 
 
 
 






  

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