domingo, 11 de junho de 2023

Nita, o central goleador de Sines: “Quero chegar aos 100 golos”

Nita, 32 anos, marcou 18 golos em jogos oficiais em 2022-23
Foi guarda-redes até ao primeiro ano de júnior, mas a falta de um jogador de campo num jogo fora levou-o a descalçar as luvas… para sempre. 

A alcunha teve origem na baixa estatura que tinha, mas hoje é um dos mais perigosos cabeceadores dos distritais da AF Setúbal

É defesa central, mas terminou o campeonato da I Distrital como 3.º melhor marcador, não muito longe dos dois primeiros. 

Tem tido propostas para sair, mas mantém-se fiel ao Vasco da Gama de Sines, apesar de só receber 20 euros… por vitória. 

Vale a pena ler esta entrevista a Nita, que fez parte da formação e do percurso escolar ao lado de Mário Rui e chegou a ser treinado às ordens de Rui Vitória no Vitória de Guimarães.
 
DAVID PEREIRA - O Nita é defesa central, mas terminou a última edição do campeonato da I Distrital da AF Setúbal como 3.º melhor marcador, com 17 golos, tendo apenas sido suplantado por Bruninho do Barreirense (25) e Pedro Catarino do Comércio e Indústria (20). Como é que explica um registo tão elevado, ao qual se somou um golo na Taça da AF Setúbal, e que até nem é propriamente recorde na sua carreira?
NITA – Dez golos foram de penálti, realmente, mas isto não é só ter os penáltis. Temos que ter coragem e bater, porque ao longo dos anos os guarda-redes vão-nos conhecendo, vão vendo para que lado costumamos marcar, treinam e estudam-nos. É preciso ter coragem, mesmo numa distrital. Se um jogo está empatado e aos 90+6’ o árbitro marca um penálti, o coração vai a bombar. É preciso coração e cabeça, para ver como os guarda-redes se atiram para a bola.
Depois também é derivado ao trabalho de equipa. Tenho uma grande impulsão, sou um jogador que salto muito e aproveito as bolas paradas, cantos e livres. Antes tínhamos aqui o Márcio Madeira e era ele que batia cantos, livres e penáltis. Mesmo com ele cá fiz 13 golos. Com a saída dele fui treinando com ele a bater penáltis e livres.
Não bati o recorde pessoal. Quero ver se bato e chego aos 100 golos como central.

 
Quantos golos faltam para os 100?
Pela minha contabilidade, já vou com 68. Já não falta assim tanto e ainda tenho 32 anos. Chegar aos 100 seria uma marca histórica. Não me lembro de nenhum central aqui do distrito que o tenha conseguido.
 
Para termos uma noção, qual foi a distribuição destes 17 golos nos diversos tipos de lances?
Dez foram de penálti, dois de livre direto, dois na sequência de cantos e três de bola corrida (dois de fora da área e um dentro da área).
 
Quais foram os adversários que nesta época lhe deram mais trabalho, tanto a nível ofensivo como defensivo?
Bruninho, sem dúvida alguma, um dos melhores pontas de lança do distrito. É um excelente jogador e gosto de confrontá-lo porque gosto de guerras, de lutas, de jogadores duros.
Gostei também do Diarra e do Pedro Catarino, do Comércio e Indústria, que são mais móveis e põem-nos à prova a corrida e são jogadores que não podemos deixar virar, porque com a velocidade que têm vão-se logo embora.
 

“Todos os anos recebo muitas propostas, mas nunca foi pelo dinheiro”

Nita ao lado do antigo companheiro de equipa Márcio Madeira
Apesar de mais uma época com um registo que faz corar de inveja muitos pontas de lança, já renovou contrato com o Vasco da Gama de Sines, que é o clube no qual fez a sua formação e sete anos e meio do seu percurso enquanto sénior, mas que nas últimas épocas não tem conseguido intrometer-se na luta pelos lugares cimeiros. Porquê esta lealdade ao Vasco?
Quando saí do Vasco da Gama [em 2011] e fui para Castelo Branco e outros sítios para ver se conseguia sacar uns trocos, disse um dia a um colega meu – que neste momento é nosso diretor desportivo [Filipe Guerreiro] – que se voltasse a Sines era em Sines que ia ficar.
E quando regressei aos 26 anos, disse que já não ia sair daqui. Queria estabilidade financeira e com a minha mulher. Aos 26 anos, já sabia que não podia dar um grande salto. Então fui-me mantendo sempre aqui, até porque sou daqui, vivo aqui há muitos anos e tenho cá a minha família.
Todos os anos recebo sempre muitas propostas, mas nunca foi pelo dinheiro. Nós não recebemos, o clube apenas paga prémios de jogo, que posso dizer que são 20 euros por vitória, o que não é nada, e paga-nos as sandes e dá-nos o equipamento, fatos de treino e todas as condições. Mais de 90% do plantel é oriundo da formação do clube, moram aqui ou nas redondezas e estão aqui por amor, assim como eu. Sentia que devia muito ao clube e decidi ficar aqui até acabar a carreira.
Aqui eu sinto que estou em casa. Cheguei a ter o presidente de um clube, cujo nome não vou mencionar, que chegou ao pé de mim e disse: “Está aqui o cheque, mete o que quiseres para vir para aqui.” Eu entreguei-lhe o cheque em branco e disse: “Presidente, vamos continuar como amigos.” E assim foi. Gosto de estar, gosto de estar em casa. Não tenho exigências: trabalho por turnos e vou quando posso ir. Quando não posso ir não vou. Estar a deslocar-me e a deixar a minha família para ir para fora e voltar sem nada… também tenho de ver o meu futuro.  
 
Essa lealdade ao Vasco da Gama em jogadores com um desempenho de excelência não é exclusiva do Nita, mas também de outros jogadores. Recentemente também houve o caso mais mediático do Márcio Madeira, que foi direto da II Liga para a II Distrital. O que o Vasco tem de especial para conseguir captar e reter estes futebolistas mesmo quando há propostas mais apelativas?
O Vasco da Gama nunca fechou portas nem nunca travou a saída de alguém. Quando as pessoas querem ir para um clube que lhes dá dinheiro ou algo na vida, o clube mantém a porta aberta, mas temos uma mística. Somos muito amigos, muito unidos, é como se fosse um bairro. Moramos todos no mesmo sítio, somos amigos, alguns até trabalham juntos. Isso faz com que nos tornemos uma grande família. Não tirando valor aos outros clubes, quando se paga é durante uma época e depois não se sabe para onde se vai, é uma passagem. Aqui é amor. Jogamos mesmo pelo Vasco da Gama e pelas pessoas que fazem o esforço para manter o Vasco da Gama de pé.
 
O que é que o faria pensar duas vezes em sair do Vasco da Gama de Sines?
Sempre disse ao meu diretor que só se houvesse uma proposta de três anos com um valor que desse para mim e para a minha família. Assim iria. Agora, se me mandassem para Viana do Castelo a ganhar 500 euros com casa e alimentação, claro que nunca poderia acontecer. Tenho o meu trabalho, a minha casa e contas por pagar. Só se fosse uma II Liga ou uma Liga 3 para disputar uma subida de divisão. Aí arriscava.
 

“Mostrámos em casa que éramos os melhores”

Nita é o capitão do Vasco da Gama de Sines
O Vasco da Gama concluiu o campeonato no 5.º lugar, a melhor classificação das últimas quatro épocas, e fez do Municipal de Sines a sua fortaleza, pois foi a equipa que fez mais pontos (43 em 51 possíveis e em 56 que os vascaínos somaram em todo a prova) e a que sofreu menos golos (10) em casa e a única que não sofreu derrotas na condição de visitado. Que balanço faz da temporada e o que justifica tanta discrepância entre o rendimento da equipa a jogar em casa e fora?
Nós, a jogar em casa, como fomos ganhando sempre, mantivemos na cabeça que tínhamos de continuar a ganhar. Introduzimos dentro do plantel dois objetivos: um deles era a Taça, na qual só perdemos um jogo em campo e depois perdemos dois na secretaria porque utilizámos dois jogadores que não podiam jogar; e o outro que era não perder em casa e entrar para a história do clube. Temos 13 jogadores que trabalham por turnos, ou seja, para jogar em casa consegue-se fazer uma troca de uma ou duas horas com um colega, mas para jogar fora já é mais complicado fazer a troca. Fizemos o esforço de nunca perder em casa, mas chegámos a ir jogar ao Montijo com 13 jogadores e a Palmela com 15. Acho que foi por aí, mas o quinto lugar ficou um pouco aquém daquilo que a equipa foi. Esta época estivemos muito bem e mostrámos em casa que éramos os melhores, ganhámos ao Barreirense, em Olímpico Montijo e ao Comércio e Indústria. Em casa formámos um castelo muito duro. Todos vinham cá para vencer, mas era impossível. Ainda não conseguimos descobrir porque é que em casa somos assim e fora somos tão limitados.
 
O que falta ao Vasco da Gama para voltar a intrometer-se na luta pela subida de divisão?
Não posso pedir mais nada aos meus colegas porque eles são como eu: damos tudo o que temos. O clube não pode fazer mais por nós, dá o que podem dar, mas não se trata de valores. Acho que tem a ver com a nossa mentalidade quando jogamos fora, porque pensamos sempre que se não ganharmos vamos acabar por ganhar em casa. Lembro-me que no Botafogo estivemos a ganhar 0-2, tivemos um jogador expulso aos 25 minutos e fomos perder 3-2. Se tivermos mais compromisso, vamos conseguir uma melhor classificação na próxima época. Os diretores e os treinadores estão a trabalhar para chegarem mais dois ou três reforços daqui da zona para nos ajudarem para combater esses erros.

 
Se olharmos para outras áreas, Sines está constantemente a aparecer nos primeiros lugares dos rankings de concelhos com salário médio mais alto e de municípios com maior contributo para o PIB. O que é preciso para que esses indicadores se traduzam no nível competitivo do Vasco da Gama, que é o clube mais representativo da cidade e tem história nos patamares nacionais e tradição na formação?
É uma pergunta que muita gente me faz. Temos aqui muita indústria, temos Petrogal, Repsol e o Terminal de Contentores, os salários até são bons, mas não sei porque não ajudam o clube. Só o presidente e os diretores é que saberão. Não consigo perceber. Tondela e Vizela têm poucos habitantes e as equipas estão na I Liga e nós, com o que temos aqui à volta, estamos na I Distrital. Não temos apoios, só da Câmara Municipal e mais um ou outro que não é suficiente para subirmos para outros patamares.
 
O que faz profissionalmente e como é que ao longo dos anos tens conseguido conciliar o futebol e a vida profissional?
Trabalho nos rebocadores. Temos um Terminal de Granéis Líquidos na APS [Administração do Porto de Sines] e trazemos navios para terra para descarregar crude, gasolina e gasóleo. Trabalho no mar. Tenho mais colegas na minha área. Quando a escala bate certo posso trocar com um deles e fico-lhes a dever um favor quando eles precisarem. Muitas das vezes fazemos uma jiga-joga. O meu chefe até joga comigo, é o Daniel Direito, e às vezes conseguimos conciliar as coisas.
 

“O ponto alto da minha carreira foi ter representado o Vitória de Guimarães”

Nita esteve no Vitória de Guimarães B em 2013-14
Olhando para o percurso do Nita, salta à vista uma passagem pela equipa B do Vitória de Guimarães, em 2013-14. Como é que surgiu o interesse dos vimaranenses, que na altura tinham acabado de vencer a Taça de Portugal, e que balanço faz dessa passagem por aquele que é um dos mais representativos clubes do futebol português?
A passagem pelo Vitória foi muito boa. Estava no Vitória de Sernache, na altura que ia acabar a III Divisão, e estávamos numa luta em que tanto podíamos subir como descer. A três jornadas do fim o Fernando Meira ligou-me e perguntou-me se eu tinha empresário. Eu disse que sim, que era o Dimas, mas que o contrato estava a acabar. O contrato acabou, o Meira veio falar comigo porque tinha uma agência de jogadores com o Nuno Assis, o Rogério Matias e o Pedro Mendes, o Sernache desceu, fui para casa de férias e passados três ou quatro dias ligaram-me para eu ir ter à Trofa. Quando cheguei à Trofa mandaram-me para Guimarães e assinei contrato. Até fiquei estupefacto. Foi o ponto alto da minha carreira foi ter representado o Vitória. Na altura foram sendo eliminados da Taça de Portugal, da Taça da Liga e da Liga Europa e começaram a dispensar jogadores e fui um dos escolhidos.
 
O Nita chegou a treinar com a equipa principal com o Rui Vitória?
Sim. Os treinos eram rotativos. Uns da equipa B de vez em quando iam treinar à equipa A, outros da equipa A iam de vez em quando treinar à equipa B. Na minha altura os balneários eram em conjunto, tudo pertinho.
 
Alcunha Nita tem origem em… caganita
Chama-se Ricardo Eugénio Pinto Rodrigues. De onde surgiu a alcunha “Nita”?
Como eu era um miúdo muito pequenino, mas dava grandes saltinhos, diziam que eu era uma caganita. Então ficou essa alcunha.  No meu primeiro ano de sénior fui emprestado ao Praia Milfontes pelo Vasco da Gama e o mister perguntou-me como é que me costumam chamar. Eu disse “caganita”. E o mister perguntou-me: “Então achas bem eu andar aqui no meio do campo a chamar ‘oh caganita, oh caganita’?”. Claro que não. Decidiu-se cortar o nome ao meio e ficou Nita.
 
O Nita é uns meses mais velho que o principal embaixador de Sines no futebol mundial, Mário Rui. Certamente o conhecerá bem.
Jogámos juntos até ele sair e andámos na escola juntos. Quando jogámos juntos, ele jogava no lado esquerdo e eu era guarda-redes.
 
Era guarda-redes!?
Fui guarda-redes até ao primeiro ano de júnior, sempre. Uma vez fomos jogar fora e faltava um jogador de campo, mas tínhamos dois guarda-redes. Então o treinador disse: “Vai lá para o meio-campo, tu saltas bem. É só as bolas virem e tens de as tirar.” Desde aí que passei a jogador de campo.
 
Voltando ao Mário Rui. Como tem visto a carreira dele e em especial esta última época, marcada pela conquista do título italiano ao serviço do Nápoles?
Somos grandes amigos. Quando ele vem a Sines passar férias com a família normalmente encontramo-nos sempre. É um orgulho para mim, porque joguei com ele. Ele trabalhou para isso. Teve a estrelinha, agarrou-a e foi por aí fora. Nunca desistiu. Para Sines é um dos maiores orgulhos que podem existir. É uma referência para os mais novos, para não desistirem, sobretudo agora, em que é mais fácil ser observado por olheiros e ter empresário do que antigamente.
 
Considera que ele merecia ser chamado mais frequentemente à seleção nacional?
Acho que sim. Não agora, mas nas outras fases anteriores ele merecia ser chamado, até porque das vezes que ele foi à seleção teve sempre bem e mostrou sempre qualidade. O Mário Rui joga no Nápoles, não joga no Nacional ou noutra equipa qualquer. Foi poucas vezes chamado e não deu para ele se libertar. Agora vão três laterais direitos e um lateral esquerdo de raiz. Mas não sou selecionador, eles é que sabem o que têm em mente.








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