“Curta, dececionante e explosiva”. Recorde a aventura de Futre no Marselha
Futre somou dois golos em oito jogos pelo Marselha
No Verão Quente de 1993, que
ficou marcado por Paulo Sousa e Pacheco
terem rescindindo unilateralmente contrato com o Benfica
devido a salários em atraso e assinado pelo Sporting,
Paulo
Futre, que estava há menos de meio ano na Luz,
decidiu não seguir o exemplo dos ex-companheiros de equipa e assim proporcionar
um encaixe financeiro aos encarnados.
“Eu também podia rescindir e sair
para um clube estrangeiro a custo zero. O Marselha
pagou 3,5 milhões de euros ao Benfica
pelo meu passe. O mesmo que o Atlético
de Madrid tinha recebido uns meses antes. Podia ter invocado justa causa,
tornar-me jogador livre e ficar com esse valor só para mim (ou, pelo menos,
negociar uma parte substancial para receber logo à cabeça). Só não o fiz pelo
grande senhor Jorge de Brito. Sempre me tratou com enorme correção e não
merecia que eu saísse dessa maneira”, contou Futre
no livro El Portugués. Na altura, o Marselha
tinha acabado de vencer a Liga
dos Campeões e era a grande equipa europeia daquela época, o que para o internacional
português era uma grande oportunidade para, aos 27 anos, regressar ao topo
do futebol mundial. O que o montijense
não esperava era ter saído de um pesadelo em Portugal para viver outro em França. As coisas até nem começaram a
correr mal no Velódrome. Futre,
cujo joelho direito começava a apresentar sintomas de tendinite severa,
conseguiu enganar o responsável clínico dos marselheses
durante os exames médicos. Caso tivesse chumbado, seria devolvido ao Benfica
e teria de ir para a tropa. Experiente, confessou ter “um pequeno toque no
joelho direito” para que o médico se focasse no joelho esquerdo, tendo-o
torcido, carregado e alongado. “Se me fizesse isso ao joelho direito (o que me
doía) apanhava-me no mesmo instante porque eu não iria aguentar. Teria de
gritar”, recordou. A lesão até poderia ser curada
com recurso a uma cirurgia – “bastava limpar o tendão rotuliano” e “um tempo de
recuperação de dois a três meses” –, mas Futre
quis agarrar um lugar no plantel do Marselha
e foi resistindo, treinando e jogando com recurso a um anti-inflamatório. O problema foi que os sacrifícios
não valeram a pena. Além de a tendinite se ter agravado, poucos dias após ter
assinado contrato rebentou em França
um dos maiores casos de corrupção desportiva de sempre, a envolver precisamente
o Marselha.
Na época anterior, os marselheses
estavam a lutar pelo título nacional e pela Champions
na reta final da temporada. Poucos dias antes de disputarem a final da Liga
dos Campeões diante do AC
Milan, mediram forças com o Valenciennes numa partida do campeonato. Para
não comprometer os seus objetivos, o presidente Bernard Tapie quis dar descanso
a alguns dos seus melhores jogadores e utilizou o seu médio Jean-Jacques
Eydelie para entrar em contacto com três jogadores do Valenciennes (Jacques
Glassmann, Jorge Burruchaga e Christophe Robert) e tentar suborná-los. Correu
bem, com o Marselha
a vencer esse jogo e a final da Champions. Contudo, meses depois o esquema
acabou por ser descoberto, tendo ficado conhecido como o escândalo VA-OM
(Valenciennes – Olympique
Marselha). Quando interrogados, os jogadores do Valenciennes revelaram tudo,
com o Marselha
a ser imediatamente banido das competições europeias e a ver anulado o título
francês de 1992-93. Como vencedor da Champions,
era suposto que Marselha
disputasse a Supertaça Europeia e Taça Intercontinental, mas esses direitos
também lhe foram retirados como parte do castigo. Futre,
que não havia vencido a Intercontinental pelo FC
Porto por se ter transferido para o Atlético
de Madrid logo após a conquista do título europeu, voltou a não disputar
esse troféu que opunha o campeão da Europa ao vencedor da Libertadores. Bernard Tapie foi condenado a
dois anos de prisão e, como consequência do escândalo, os salários aos
jogadores deixaram de ser pagos. “Recebi salário apenas nos primeiros dois
meses. Todos os jogadores foram autorizados a procurar clube. Essa foi a
primeira vez que abriu o mercado de inverno, mas estava em vigor a regra que
limitava o número de estrangeiro a três por plantel. E, nessa altura, a maioria
dos clubes grandes já tinha as vagas preenchidas para jogadores nascidos
noutros países. Ainda assim fiz alguns bons jogos, marquei dois golos e
consegui sair em novembro. Chegava ao fim a minha aventura no Marselha:
curta, dececionante e explosiva”, confessou Futre,
que acabou 1993 a jogar nos italianos do Reggiana, já depois de ter
representado Atlético
de Madrid e Benfica
no mesmo ano. Pelo meio, disse “não” ao Real
Madrid, com receio de perder o estatuto de símbolo colchonero
e de colocar a segurança da família em risco.
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