quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Tottenham. Um clube de judeus órfão de títulos para Mourinho reerguer

José Mourinho assinou pelo Tottenham até junho de 2023
O Tottenham tem tido nos últimos anos um protagonismo como há muita não tinha. Nas últimas quatro temporadas, conseguiu sempre terminar o campeonato nas quatro primeiras posições e qualificar-se para a Liga dos Campeões, competição em que na época passada foi finalista vencido. Mas o arranque de 2018-19 não tem sido fácil: na Premier League os spurs não vencem desde 28 de setembro (e fora de casa desde 20 de janeiro) e ocupam o 14.º lugar, na Taça da Liga foram eliminados por uma equipa do quarto escalão (Colchester) e na Liga dos Campeões o percurso tem estado marcado por uma humilhante goleada em casa diante do Bayern Munique (2-7), embora o apuramento para os oitavos-de-final esteja bem encaminhado.


Os maus resultados dos últimos meses levaram à demissão de um dos principais obreiros do sucesso recente dos londrinos, o treinador argentino Mauricio Pochettino, e à contratação do treinador português José Mourinho, que assinou até junho de 2023, estando assim de regresso ao futebol inglês, depois de passagens pelo Chelsea e pelo Manchester United.

A missão do Special One divide-se, por isso mesmo, em dois prazos. Primeiro amenizar os estragos nesta época, depois o céu é o limite. E, para o emblema do norte de Londres, o céu é voltar a ser campeão inglês, algo que só aconteceu por duas vezes, a última em 1960-61. "Tem todas as capacidades para isso. Haverá coisas que nós desconhecemos, mas o Tottenham quer títulos, porque já não ganha o campeonato inglês há décadas. Há quatro, cinco ou seis equipas em Inglaterra com capacidade para contratar os melhores e para disputar a liga, o que torna as coisas muito complicadas. Mas acho que é isso que entusiasma e pica o Zé [Mourinho]", crê o português que mais vezes vestiu a camisola do Tottenham, José Dominguez, em declarações ao DN.

"O Tottenham tem feito grandes épocas com Pochettino. O Zé tem capacidade. Não neste ano, que é para tentar salvar um bocadinho o campeonato, fazer o melhor possível na Liga dos Campeões e atacar o mercado em janeiro, mas nos próximos dois anos", acrescentou o antigo extremo, de 45 anos, que jogou no antigo White Hart Lane entre 1997 e 2000, tendo conquistado a Taça da Liga em 1998-99 ao lado de Sol Campbell e de David Ginola. Esse foi o penúltimo troféu do clube, que depois disso só venceu a Taça da Liga em 2007-08.


Apesar da valia do plantel, que, segundo o Transfermarkt, é o terceiro mais valioso de Inglaterra e o sexto do mundo (985 milhões de euros), sendo apenas superado por Manchester City, Real Madrid, Barcelona, Liverpool e Paris Saint-Germain, a missão não se adivinha fácil. Com apenas 14 pontos somados nas primeiras 12 jornadas, os spurs estão já a 11 dos lugares de acesso à Liga dos Campeões, e não podem contar com dois dos esteios da defesa, o guarda-redes francês Lloris (campeão mundial em 2018) e o defesa belga Vertonghen, que estão lesionados. Além disso, há vários jogadores em final de contrato, entre eles Vertonghen, o outro defesa belga, Alderweireld, e uma das principais estrelas da equipa nos últimos anos, o médio dinamarquês Eriksen.

Sustentabilidade e formação como prioridades

O presidente do Tottenham, Daniel Levy, é o proprietário do clube da Premier League há mais tempo no cargo. Dirige os spurs desde 2001 e venceu apenas uma Taça da Liga (2007-08), mas tem pautado a sua conduta por uma gestão diferente das de outros donos de emblemas ingleses.

Constantemente à procura de tornar os spurs mais sustentáveis e de os dotar de melhores infraestruturas, tem apresentado todos os anos uma folha salarial mais baixa do que a dos rivais, não tem entrado em loucuras no mercado de transferências e em 2017-18 apresentou lucros de 131 milhões de euros, um recorde mundial para um clube de futebol. Paralelamente, construiu uma academia e um novo estádio, inaugurado em abril deste ano. E é conhecido por ser um negociador implacável, que arrastou as vendas de Luka Modric e de Gareth Bale para o Real Madrid até ao último dia da janela de mercado para conseguir o melhor negócio possível.

"Tive a possibilidade de conhecer a nova academia do Tottenham e é uma coisa do outro mundo: tem 17 campos relvados e toda a maquinaria de última geração. Tem todas as condições para ser um dos melhores clubes do mundo. É um clube que se apetrechou em termos de infraestruturas, tem uma equipa de qualidade inegável e, agora, com o Zé [Mourinho], que é um dos melhores treinadores do mundo, tem todas as condições para triunfar", vaticinou Dominguez, que efetuou 55 jogos e marcou cinco golos pelo conjunto londrino.

Mourinho deu nesta quarta-feira o primeiro treino no Tottenham
Durante vários anos, o investimento em infraestruturas e a procura da sustentabilidade obrigou a uma política de transferências mais honesta, que visou sobretudo o recrutamento de jovens jogadores que ainda não se tinham tornado estrelas do futebol mundial, como Christian Eriksen (ex-Ajax), Son Heung-min (ex-Bayer Leverkusen) e Dele Alli (ex-MK Dons), e a aposta em jogadores da formação como Harry Kane, Danny Rose, Ryan Mason, Nabil Bentaleb e Andros Townsend.

Para se ter uma noção, o Tottenham foi apenas o 9.º clube inglês que mais investiu nas quatro últimas épocas e ainda assim conseguiu qualificar-se para a Liga dos Campeões em todas. Os 276 milhões de euros gastos pelos spurs foram superados por Manchester City (817,89 M), Chelsea (692,6), Manchester United (622,1), Liverpool (562,48), Everton (437,9), Arsenal (372,54), Leicester (343,8) e até pelo West Ham (286,9), precisamente o primeiro adversário de Mourinho enquanto treinador dos londrinos (sábado às 12.30).

No entanto, esse paradigma parece estar a mudar. No verão, o Tottenham gastou 114 milhões de euros nas contratações do médio francês Tanguy Ndombélé ao Lyon (60 M), o extremo inglês Ryan Sessegnon ao Fulham (27 M), o médio argentino Lo Celso por empréstimo do Betis (16 M) e o extremo inglês Jack Clarke ao Leeds (11 M), mas nenhum dos reforços está a render o que era esperado. Ainda assim, o clube do norte de Londres ficou atrás de Manchester City (168 M), Manchester United (159 M), Arsenal (152,4 M), Aston Villa (148,6 M) e do Everton (119,9 M) de Marco Silva em matéria de investimento nesta temporada.

"Acho que já mudou um bocadinho. Em primeiro lugar, é um clube que, em termos de estrutura financeira, está preparadíssimo e tem feito contratações fantásticas, como Erik Lamela, que custam várias dezenas de milhares de euros, e tem uma grande equipa. Mourinho terá de fazer uma menor revolução do que teve de fazer no Manchester United. O Tottenham procura títulos já há muito tempo e tem estrutura para isso. Esteve quase a conseguir com o Mauricio [Pochettino], mas por vezes é preciso mudar, não que o treinador tenha perdido competência, mas no futebol há fatores que não controlamos e há um certo desgaste. Mourinho, depois de um ano parado e com a qualidade e sede que tem, terá o resto da época para se adaptar, unir a equipa e fazer qualquer coisa para nos próximos anos atacar a liga", considera Dominguez.

Mourinho à conversa com o capitão e goleador Harry Kane
Para o antigo extremo, este desafio vai ter algumas semelhanças com o que Mourinho teve em 2004 quando chegou pela primeira vez ao Chelsea, ainda que, na altura, nos blues tivesse havido um investimento enorme para atacar a Premier League e a Liga dos Campeões. Porém, é bem diferente do que aqueles desafios que o Special One encontrou no Benfica, FC Porto, Inter de Milão, Real Madrid e Manchester United, crónicos candidatos ao título nos respetivos países independentemente do que tivessem feito nos anos anteriores ao da chegada do técnico setubalense.

"O Chelsea tornou-se grande depois da chegada de José Mourinho, apesar do dinheiro do seu proprietário. Fez um trabalho fantástico a todos os níveis, como na reestruturação da academia, que é uma infraestrutura de topo. São dois desafios com algumas semelhanças, embora o Tottenham seja um clube superior em termos de adeptos", considerou Dominguez, que, juntamente com Hélder Postiga (2003-04), Pedro Mendes (2004 e 2005) e Ricardo Rocha (2007 a 2009), faz parte do lote de quatro portugueses que jogaram pelos spurs.

Clube dos judeus e do futebol bonito

O Tottenham, o primeiro clube britânico a vencer uma competição europeia, a Taça das Taças de 1962-63, e o vencedor da primeira edição da Taça UEFA, em 1971-72, tem uma forte ligação à comunidade judaica. Uma boa parte dos adeptos, além do proprietário, Daniel Levy, e dos seus dois antecessores, Irving Scholar e Alan Sugar, são judeus. "O futebol é fantástico porque fui colega do Klinsmann na sua segunda passagem pelo Tottenham, ele é alemão, mas os adeptos idolatravam-no", conta Dominguez, que se cruzou com o avançado germânico em White Hart Lane em 1997-98.

Além da ligação à comunidade judaica, que já vem da década de 1930 (cerca de um terço do público que assistia aos jogos no velhinho White Hart Lane era composto por judeus), faz parte da identidade dos spurs a ênfase ao futebol bonito. "O Tottenham sempre se caracterizou pelo futebol espetáculo, mais tecnicista, apesar de não ganhar muitos títulos. Lembro-me de jogadores com grande capacidade técnica como David Ginola, Chris Waddle e Paul Gascoigne, e grandes finalizadores como Teddy Sheringham, Gary Lineker e Jürgen Klinsmann. É o paradigma dos adeptos, que são muito fervorosos. Quando lá joguei, as outras equipas praticavam quase todas um futebol mais direto e pouco elaborado, tipicamente britânico", conta Dominguez, que acredita que José Mourinho vai conseguir ser fiel a esse ADN, até porque as principais equipas de Inglaterra, o Liverpool de Jürgen Klopp e o Manchester City de Pep Guardiola, jogam um futebol muito ofensivo mas devidamente compensado por uma forte reação à perda da bola.

Imagem panorâmica do novo estádio do Tottenham
O emblema londrino é, segundo Dominguez, "um dos grandes clubes ingleses". "Na altura em que eu jogava no Tottenham (1997 a 2001) e até mesmo no Birmingham (1994-95), era considerado do top 5. Já gostava muito do clube desde os meus tempos de escola, quando jogava lá o Osvaldo Ardiles, e quando cheguei a Inglaterra confirmei a grandiosidade do Tottenham. Na altura, os grandes eram Liverpool, Manchester United, Arsenal, Aston Villa e Tottenham. Mais recentemente é que apareceram Manchester City e Chelsea. O Tottenham pecou um pouco por ter passado momentos menos bons durante duas décadas quando se deu o boom televisivo e a globalização. Nessa altura, não estava no patamar em que está desde a entrada de André Villas-Boas [2012-13]", frisa o agora treinador, que em 2012-13 orientou no Sporting B um jogador que agora pertence aos quadros dos spurs: Eric Dier.

Apesar da grandeza dos spurs, José Mourinho disse em março de 2015 que... "seria incapaz de treinar o Tottenham". "Amo demais os adeptos do Chelsea", afirmou na altura, antes de um embate entre os dois clubes londrinos na final da Taça da Liga, conquistada depois pelos blues, então orientados pelo treinador português. Mas, depois de quase um ano parado, aceitou o desafio de reerguer o clube londrino.

"Estou entusiasmado por me juntar a um clube com tão grande legado e com adeptos tão apaixonados. A qualidade da equipa e da academia entusiasmou-me e fiquei atraído por poder trabalhar com estes jogadores", afirmou Mourinho ao site do Tottenham.

Também em declarações ao site do Tottenham, o presidente do clube, Daniel Levy, elogiou o treinador português, considerando-o "um dos mais bem-sucedidos do futebol". "Ele tem uma vasta experiência, pode inspirar equipas e é um grande estratega. Ele ganhou títulos em todos os clubes que treinou. Acreditamos que ele vai trazer energia e crença para o balneário", referiu.

Regresso à Champions e reencontros com United e Chelsea

A estreia de José Mourinho está marcada já para o próximo sábado, no dérbi londrino contra o West Ham, no Estádio Olímpico de Londres. Um adversário que o técnico português conhece bem dos tempos em que orientava o Chelsea e o Manchester United.

José Mourinho dá instruções ao médio inglês Dele Alli
Nos 16 confrontos (campeonato e Taça da Liga) diante dos hammers, Mourinho somou 11 vitórias, três empates e duas derrotas. Curiosamente, no último jogo saiu derrotado, por 3-1, em setembro de 2018, quando treinava o Manchester United, numa partida em que Lindelöf até marcou um golo na própria baliza. A maior goleada aos hammers aconteceu logo na primeira jornada da época 2017-18, também ao serviço dos red devils, com um 4-0 num dia em que Lukaku se estreou com um bis.

Depois, na terça-feira, dia 26, Mourinho vai voltar a ouvir no banco o hino da Champions, quando receber no novíssimo estádio do Tottenham o Olympiacos, equipa grega treinada pelo português Pedro Martins. O clube londrino é atualmente segundo classificado do grupo B, com sete pontos, a cinco do líder Bayern Munique, e um triunfo apura desde logo o Tottenham para os oitavos-de-final.

O último jogo de José Mourinho na Liga dos Campeões aconteceu quase há um ano, mais concretamente a 12 de dezembro de 2018, numa partida em que o Manchester United foi derrotado por 2-1 em Valência.

O primeiro jogo grande de José Mourinho como treinador do Tottenham está agendado para o dia 4 de dezembro. Um desafio especial, já que o adversário será o Manchester United, o último clube que treinou, e ainda por cima em Old Trafford.

Ainda em dezembro, vai medir forças fora com o Bayern Munique na Champions, num jogo em que o Tottenham até pode já estar apurado. E depois, perto do Natal, dia 22, mais um jogo de grande signficado, em casa, contra o Chelsea, o clube que lhe abriu as portas da liga inglesa e pelo qual, nas duas passagens, conquistou três campeonatos ingleses, uma Taça de Inglaterra, três Taças da Liga e uma Supertaça inglesa.



















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