quarta-feira, 26 de junho de 2019

Carlos Nascimento: "As educadoras de infância já me diziam que era muito rápido"

Carlos Nascimento em ação nos Jogos Europeus de Minsk
A vitória de domingo na prova dos 100 metros nos Jogos Europeus de Minsk, na Bielorrússia, foi o ponto alto do percurso de dez anos de Carlos Nascimento no atletismo. Talento para a velocidade detetado logo em tenra idade, não precisou de muito para bater o recorde nacional nos 80 metros em iniciados. Recordista de Portugal nos 60 metros desde os juvenis aos sub-23, está a dez centésimas de bater Francis Obikwelu, companheiro no Sporting que lhe dá dicas nos estágios. Outros sonhos passam pela presença nos Jogos Olímpicos de Tóquio, no próximo ano, e baixar da mítica fasquia dos dez segundos aos 100 metros.



Cerca de 24 horas depois de ter conquistado a medalha de ouro nos Jogos Europeus, ainda está nas nuvens?
Ainda estou um pouco sim. Ainda estou assim um pouco a assimilar o que aconteceu, um marco na minha carreira e algo que acredito ser muito bom para o atletismo português.

Fale-nos um pouco de si. Como entrou para o atletismo?
Entrei para o atletismo através do desporto escolar, aos 14 anos. O meu pai e um treinador que me conhecia disseram que eu devia praticar algum desporto e incentivaram-me para entrar para o atletismo. Na altura repararam que eu era mais rápido do que os outros miúdos. Sugeriram-me para ir fazer alguns treinos à Escola do Movimento, no Porto, e acabou por correr muito bem. Gostei bastante dos treinos e fiquei logo. A Escola de Movimento é um seguimento do Centro de Desporto da Universidade do Porto (CDUP), que continua com outras modalidades mas acabou com o atletismo.

Quando notou que tinha um talento especial para a velocidade?
Sempre adorei atletismo e lembro-me de ver os Jogos Olímpicos e vibrar com as provas de velocidade, pela emoção que têm. Quando era mesmo muito pequenino e andava no jardim-de-infância, as educadoras já me diziam que eu era muito mais rápido do que os meus colegas, mas nunca liguei muito a isso nem insistiram muito comigo, talvez para não me pressionarem. Isso já se notava nas brincadeiras, não estava ali numa competição. Estava inerente, era um talento natural. Logo na minha primeira prova, só com alguns treinos durante dois meses, bati o recorde nacional de iniciados nos 80 m [9,17 segundos]. Na altura não assimilei o que tinha feito, mas disseram-me que o que eu tinha feito era muito impressionante.

Velocista com a medalha conquistada em Minsk
Esta medalha de ouro surge um pouco contra a corrente de Portugal nos 100 metros, vertente em que nunca foi muito forte se considerarmos que Francis Obikwelu foi um talento importado. Os portugueses têm feito história sobretudo no meio-fundo, fundo e saltos, não na velocidade. Porque é que isto acontece?
Tem muito que ver com a componente genética. Fisicamente há outros que são melhores do que nós, que estão mais bem preparados. Não temos essa sorte, mas estamos a atravessar uma boa fase, no ano passado tivemos a melhor média nos 100 metros dos últimos anos. Estando no nosso melhor, temos atletas de top 20 europeu. Mas também falta cultura desportiva em Portugal, onde só se vê futebol à frente e em que um jogador da II Liga é mais conhecido do que um campeão nacional de atletismo. Temos atletas com potencial para produzirmos talentos em massa, mas não temos as condições de outros países. Basta dizer que sou do Porto e os clubes que têm atletas de velocidade estão muito concentrados em Lisboa.

O Carlos é atleta do Sporting, tal como Francis Obikwelu, medalha de prata nos Jogos de Atenas (2004) e bicampeão europeu ao ar livre (2002 e 2006) nos 100 metros. Costuma cruzar-se com ele? Ele dá-lhe algumas dicas?
Estamos juntos em estágios. Em quase todas as provas em que eu estou ele está lá também e de vez em quando dá algumas dicas. Algumas sobre componentes técnicas, até porque o meu treinador e eu utilizamos algumas componentes do treino que ele seguia quando estava no auge, mas sobretudo fala-me do aspeto psicológico, como preparar as provas e lidar com a competição.

O Carlos Nascimento tem como melhor marca nos 100 m os 10,13 segundos alcançados no ano passado no Meeting de Braga, mas acaba por conquistar o principal título da carreira com 10,35 segundos, mais de duas décimas a mais do que o seu recorde pessoal. Apesar da medalha de ouro, houve um misto de sentimentos?
Temos muitas vezes de separar as coisas. O que era importante era a medalha, não o tempo, porque o objetivo final era o pódio. Quando há apuramentos ou quando precisamos de marcas de qualificação, aí importa o tempo. O facto de ter havido dois erros no tiro de partida, vento contra a 1,4 metros/segundo e uma terceira falsa partida fez-me correr quase sozinho. Acredito que estes 10,35 podiam refletir-se em 10,13 ou menos noutras condições, sem vento, com mais atletas ao meu lado a puxarem e sem esses problemas no tiro de partida. Com todas estas condicionantes, penso que foi excelente.

Por falar em tempos, quais são os recordes nacionais que detém além do de 80 metros em iniciados?
Tenho todos os recordes de 60 metros desde o de juvenil ao de sub-23. Só me falta o de sénior. Tenho 6,63 e estou a dez centésimos da marca do Obikwelu. É a prova na qual sou mais forte e penso que é bem possível bater esse recorde nacional. Tenho ainda o quarto melhor tempo de sempre nos 100 metros, 10,13 segundos [apenas atrás dos 10,11 de Carlos Calado, os 10,05 de David Lima e os 9,86 de Francis Obikwelu].

E nos 100 metros, acredita que é possível baixar da mítica fasquia dos dez segundos?
Sim, acho que é bem possível. Não é fácil, mas é um objetivo realista. Se estiverem reunidas todas as condições, acredito que pode acontecer.

Depois do ouro nos Jogos Europeus, qual é o próximo objetivo que tem em mente? É incontornável falar dos Jogos Olímpicos de Tóquio, que se realizam já no próximo ano...
O foco principal é estar presente nos Jogos Olímpicos, o que seria um sonho, o expoente máximo do atletismo. Em termos nacionais o objetivo é tentar ser sempre campeão e bater recordes pessoais e nacionais.

Carlos Nascimento e o seu treinador, José Silva
Imagino que, em dez anos de atletismo, já tenha vivido pelo menos uma daquelas histórias para contar aos netos...
Já tive momentos de aflição. Em 2016, num campeonato de Portugal, estava bem preparado para uma prova, que era para ter o sistema de meia-final e final, mas mudaram a meio para prova mista, quando já lá estávamos. O nervosismo foi tal que me esqueci dos bicos [espécie de pítons que se colocam nas sapatilhas para tirar melhor partido nas provas de pista e corta-mato] e fiz uma falsa partida. De resto, não tenho grandes histórias.

Temos falado exclusivamente do seu percurso enquanto velocista. Mas se o Carlos não fosse velocista nem fosse atleta, o que se veria a fazer?
Se não fosse atleta... [pausa] bem, tenho uma grande adoração pelo desporto, mas também pela música. Talvez fosse músico. Tive aulas de piano e gostava muito de tocar guitarra e bateria.







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