Vitória na URSS, mão de Vata e erro de Aldair. Quando o Benfica esteve pela última vez perto de voltar ao trono europeu
Benfica foi derrotado pelo AC Milan na final de Viena
Depois de se ter sagrado
bicampeão europeu (1960-61
e 1961-62)
e de ter perdido três finais da Taça
dos Campeões na década de 1960, o Benfica
esteve perto de voltar a conquistar o cetro continental em 1988, quando a
equipa então orientada por Toni
foi derrotada pelo PSV
no desempate por penáltis em Estugarda.
Um ano após essa final perdida,
os encarnados
recontrataram Sven-Göran
Eriksson, que já havia orientado a equipa entre 1982 e 1984. “Talvez os
dirigentes do clube tenham pensado que alguma coisa mudaria comigo como
treinador. A razão pela qual me foram buscar foi a de tentar ganhar a Taça
dos Campeões. Toni
tinha conduzido o Benfica
a uma final da Taça
dos Campeões, mais de vinte anos após a última, e ganhara facilmente o
campeonato. Mas não chegava. Cabia-me a mim faze o Benfica
campeão da Europa”, recordou o sueco
no livro autobiográfico Sven – A Minha História, publicado em 2013. Em 1989-90, refira-se, os clubes
ingleses estavam impedidos de participar nas competições europeias na sequência
do desastre de Heysel na final entre Juventus
e Liverpool
em 1985. Ou seja, menos um aniversário de peso. Paralelamente, o Real
Madrid, um dos favoritos a levantar o troféu, foi eliminado logo na segunda
eliminatória pelo AC
Milan. Menos outro. O caminho até uma fase adiantada
estava aberto para o Benfica,
que iniciou a prova a afastar equipas menores com relativa facilidade. Começou
por eliminar os norte-irlandeses do Derry City com um agregado de 6-1.
Primeiro venceu fora por 2-1, a 13 de setembro de 1989, com golos de Jonas
Thern (59 minutos) e Ricardo Gomes (64’) contra um de Paul Carlysle (73’).
Duas semanas depois goleou em
casa por 4-0, com Mats Magnusson (32 minutos), Vata (61’), Ricardo Gomes (69’)
e Aldair (80’) como marcadores de serviço.
Seguiram-se os húngaros do Budapest
Honvéd, numa altura em que o futebol magiar já tinha muito menos força
do que em décadas anteriores. Na primeira-mão, disputada a 18 de outubro em
Budapeste, o Benfica
venceu por 2-0, com Pacheco
a abrir o ativo na conversão de um penálti aos 32 minutos e Valdo a fechar as
contas à beira do fim (86’).
Quinze dias depois, na Luz,
houve goleada das antigas: 7-0. Bisaram César
Brito (15 e 42 minutos), Vata (62’ e 64’) e Magnusson (86’ e 89’), enquanto
Abel Campos marcou um, o segundo da conta encarnada
(36’).
Nos quartos de final, disputados
já em março de 1990, o Benfica
teve pela frente um osso mais duro de roer, os soviéticos do Dnipro. Na
primeira-mão, em casa, as águias
venceram pela margem mínima, graças a um golo solitário de Magnusson na
conversão de um penálti logo aos nove minutos.
A vantagem era curta, mas os encarnados
foram à Ucrânia selar o apuramento para as meias-finais com um triunfo
expressivo por 3-0, com golos de Lima (55 e 60 minutos) e Ricardo Gomes (86’)
na segunda parte.
“Estávamos então nas meias-finais,
juntamente com Milan,
Bayern
Munique e aquele que iria ser o nosso adversário, o Olympique
de Marselha”, recordou Eriksson
na obra autobiográfica. “A primeira mão foi disputada em Marselha.
Recordo-me de carregarmos caixotes de vinho para o autocarro que deveria ir por
estrada e encontrar-se connosco no aeroporto de Marselha.
Para os portugueses, comida e vinho são muito importantes. A maior parte dos
jogadores bebia um copo de vinho ao almoço ou ao jantar. Não havia nisso nada
de estranho. Em Itália era a mesma coisa. Mas os portugueses beberem vinho
francês era impensável. Tinha de ser vinho português”, prosseguiu o sueco,
antes de fazer um retrato do adversário: “Esse Marselha
era uma grande equipa com estrelas de classe, incluindo Jean Tigana e Didier
Deschamps no meio-campo, e Jean-Pierre
Papin no ataque. Ganharam cinco campeonatos de França consecutivos entre
1989 e 1993. Os seus adeptos eram fanáticos e o seu estádio, o Velódrome, era
conhecido por ser um dos mais intimidantes da Europa para quem os visitava. Mas
não para nós. Tínhamos o Estádio
da Luz, a arena mais assustadora de todas.” No sul de França, o Benfica
perdeu por 2-1. Lima até adiantou as águias
logo aos dez minutos, mas Franck Sauzée (13’) e Papin
(44’) deram a volta ao texto ainda na primeira parte. O resultado não foi
propriamente considerado como negativo pela comitiva encarnada.
“Sabíamos que o Marselha
ia lançar-se no ataque e que tínhamos de defender bem, mas procurando um golo
fora, fiz alinhar dois pontas de lança [Lima e Magnusson]. Acabou por ser uma
boa opção já que, mesmo perdendo 1-2, fizemos o nosso golo importantíssimo”,
recordou Eriksson.
Duas semanas depois da partida do
Velódrome, o inferno da Luz
foi o palco da segunda-mão das meias-finais. À hora de jantar, foi servida… mão
de Vata. “No jogo em casa, a atmosfera no Estádio
da Luz era elétrica como de costume. Pressionámos muito, mas as coisas iam
tornando-se cada vez mais desesperantes. Até que, aos 82 minutos, beneficiámos
de um canto que foi despejado para a superlotada grande área francesa. Do
banco, não consegui ver nada – só que a bola caminhou na direção do nosso jogador
Vata e entrou na baliza em seguida. Alguns jogadores do Marselha
reclamaram desabridamente, mas o golo foi validado e lembro-me do nosso avançado
Mats [Magnusson] correr em redor do relvado com os braços do ar. Aguentámos o esforço
final dos franceses e vencemos por 1-0. Tínhamos atingido a final da Taça
dos Campeões”, começou por lembrar o treinador
nórdico na obra autobiográfica. “Só depois do jogo terminar é que
percebi o motivo de tanta agitação em redor do nosso golo. Os jogadores do Marselha
acusavam Vata de ter marcado com a mão. Na cabina, fui ter com ele e
perguntei-lhe como tinha sido. Não respondeu. Só olhou para o chão. Disse-lhe
que não estava zangado. Pelo contrário. Havíamos ganho e estávamos na final. Vata
levantou-se e mostrou-me como tinha tocado na bola com o braço. ‘Okay’,
disse eu. E até lhe dei uma palmada no ombro”, continuou Eriksson,
que não esqueceu a fúria do presidente adversário: “Durante a conferência de
imprensa, o treinador do Marselha,
Gérard Gili e eu estávamos a responder às questões de jornalistas quando o presidente
do clube
francês, Bernard Tapie, irrompeu pela sala. Tapie era um magnata da
finança. Acabara de comprar a Adidas. Estava furioso. O Marselha
tinha sido roubado, gritava. Iriam protestar o jogo. Mas sabia, como todos nós,
que nada se iria alterar no resultado. O árbitro não vira a bola no braço. O
golo fora validado. O Marselha
estava fora da Taça
dos Campeões.”
A final seria disputada a 23
de maio de 1990, no Estádio do Prater, em Viena, diante do detentor do troféu,
o AC
Milan. “Na época anterior tinha esmagado o Steaua
Bucareste por 4-0 na final. O Milan
possuía a melhor defesa do mundo – Mauro Tassotti, Alessandro Costacurta, Franco
Baresi e Paolo Maldini. No meio-campo havia Frank Rijkaard e Carlo
Ancelotti. Na frente, Ruud Gullit e Marco van Basten. À partida, pareciam
invencíveis”, começou por descrever Eriksson,
ainda assim confiante de que o Benfica
poderia surpreender. “Eu estava convencido de que
poderíamos ganhar-lhes. No final da época, o Milan
tinha-se afundado na classificação do campeonato. Depois de perder com a Juventus
e com o Inter,
tinha sido ultrapassado pelo Nápoles,
que acabou por conquistar o título. A prova terminou cedo por causa do
Campeonato do Mundo. O Milan
tinha um mês para descansar antes da final, mas faltavam-lhes jogos
competitivos e pensei que poderiam baixar de forma. Também conhecia bem o
treinador, [Arrigo]
Sacchi. Era previsível no seu jogo ofensivo”, continuou.
No jogo decisivo, um Benfica
muito rigoroso taticamente foi segurando o empate a zero. “Em termos táticos,
fomos brilhantes. Não demos ao Milan
quaisquer espaços para explorar. A defesa controlou perfeitamente Gullit e van
Basten. O Milan
não criou verdadeiras oportunidades. O problema é que nós também não. Falhámos
na agressividade ofensiva. Mats [Magnusson] marcou 40 golos durante a época,
mas contra defesas de classe mundial, como Baresi
e Costacurta, foi impotente. Ao intervalo estava 0-0. O ambiente na cabina era
positivo. Embora não tivéssemos entrado na defesa do Milan,
os jogadores estavam contentes com o que haviam feito. Antes do jogo, o Milan
era enormemente favorito, mas até agora fora tudo equilibrado. Sentíamos que
era possível ganhar se conseguíssemos furar a defesa italiana. Mats não
conseguia. Falei com Valdo, o nosso médio veloz, para que tentasse penetrações
no meio-campo contrário. Era algo que já tínhamos treinador”, prosseguiu o nórdico.
“A segunda parte começou como a
primeira. Mantivemo-nos bem, mas, de repente, o nosso central Aldair saiu
demasiado da sua zona. Rijkaard caiu-lhe nas costas, recebeu a bola num passe
fácil e ficou apenas com o nosso guarda-redes pela frente. Não errou. Marcou
para o Milan
no mesmo tipo de lance que eu procurava que Valdo fizesse. Depois disso, eles
fecharam a loja. Coloquei mais um avançado, Vata, mas o nosso ataque não tinha
força. O Milan
ganhou e o Benfica
perdeu a sua quinta final da Taça
dos Campeões. Ficámos terrivelmente desapontados. Após o jogo, fomos muito
criticados por não termos atacado mais. Mas eu e Toni
estávamos absolutamente convencidos de ter feito tudo para ganhar. Magnusson e
Vata eram bons em Portugal, mas não eram Gullit e van Basten. O que me irritou
foi ter estado tão perto. Não há muitos jogadores nem treinadores que tenham a
oportunidade de conquistar a Taça
dos Campeões. Quando essa oportunidade surge, é preciso agarrá-la. Apesar
de tudo, ainda era um treinador jovem, com 42 anos. Estava certo de que um dia
iria levantar o troféu”, concluiu Sven-Göran
Eriksson, que ficou no Benfica
até 1992 e acabou por terminar a carreira sem conquistar a desejada Taça/Liga
dos Campeões.
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