terça-feira, 29 de abril de 2025

Vitória na URSS, mão de Vata e erro de Aldair. Quando o Benfica esteve pela última vez perto de voltar ao trono europeu

Benfica foi derrotado pelo AC Milan na final de Viena
Depois de se ter sagrado bicampeão europeu (1960-61 e 1961-62) e de ter perdido três finais da Taça dos Campeões na década de 1960, o Benfica esteve perto de voltar a conquistar o cetro continental em 1988, quando a equipa então orientada por Toni foi derrotada pelo PSV no desempate por penáltis em Estugarda.
 
Um ano após essa final perdida, os encarnados recontrataram Sven-Göran Eriksson, que já havia orientado a equipa entre 1982 e 1984. “Talvez os dirigentes do clube tenham pensado que alguma coisa mudaria comigo como treinador. A razão pela qual me foram buscar foi a de tentar ganhar a Taça dos Campeões. Toni tinha conduzido o Benfica a uma final da Taça dos Campeões, mais de vinte anos após a última, e ganhara facilmente o campeonato. Mas não chegava. Cabia-me a mim faze o Benfica campeão da Europa”, recordou o sueco no livro autobiográfico Sven – A Minha História, publicado em 2013.
 
Em 1989-90, refira-se, os clubes ingleses estavam impedidos de participar nas competições europeias na sequência do desastre de Heysel na final entre Juventus e Liverpool em 1985. Ou seja, menos um aniversário de peso. Paralelamente, o Real Madrid, um dos favoritos a levantar o troféu, foi eliminado logo na segunda eliminatória pelo AC Milan. Menos outro.
 
O caminho até uma fase adiantada estava aberto para o Benfica, que iniciou a prova a afastar equipas menores com relativa facilidade. Começou por eliminar os norte-irlandeses do Derry City com um agregado de 6-1. Primeiro venceu fora por 2-1, a 13 de setembro de 1989, com golos de Jonas Thern (59 minutos) e Ricardo Gomes (64’) contra um de Paul Carlysle (73’).
 
 
Duas semanas depois goleou em casa por 4-0, com Mats Magnusson (32 minutos), Vata (61’), Ricardo Gomes (69’) e Aldair (80’) como marcadores de serviço.
 
 
 
Seguiram-se os húngaros do Budapest Honvéd, numa altura em que o futebol magiar já tinha muito menos força do que em décadas anteriores. Na primeira-mão, disputada a 18 de outubro em Budapeste, o Benfica venceu por 2-0, com Pacheco a abrir o ativo na conversão de um penálti aos 32 minutos e Valdo a fechar as contas à beira do fim (86’).
 
 
Quinze dias depois, na Luz, houve goleada das antigas: 7-0. Bisaram César Brito (15 e 42 minutos), Vata (62’ e 64’) e Magnusson (86’ e 89’), enquanto Abel Campos marcou um, o segundo da conta encarnada (36’).
 
 
 
Nos quartos de final, disputados já em março de 1990, o Benfica teve pela frente um osso mais duro de roer, os soviéticos do Dnipro. Na primeira-mão, em casa, as águias venceram pela margem mínima, graças a um golo solitário de Magnusson na conversão de um penálti logo aos nove minutos.
 
 
A vantagem era curta, mas os encarnados foram à Ucrânia selar o apuramento para as meias-finais com um triunfo expressivo por 3-0, com golos de Lima (55 e 60 minutos) e Ricardo Gomes (86’) na segunda parte.
 
 
 
“Estávamos então nas meias-finais, juntamente com Milan, Bayern Munique e aquele que iria ser o nosso adversário, o Olympique de Marselha”, recordou Eriksson na obra autobiográfica.
 
“A primeira mão foi disputada em Marselha. Recordo-me de carregarmos caixotes de vinho para o autocarro que deveria ir por estrada e encontrar-se connosco no aeroporto de Marselha. Para os portugueses, comida e vinho são muito importantes. A maior parte dos jogadores bebia um copo de vinho ao almoço ou ao jantar. Não havia nisso nada de estranho. Em Itália era a mesma coisa. Mas os portugueses beberem vinho francês era impensável. Tinha de ser vinho português”, prosseguiu o sueco, antes de fazer um retrato do adversário: “Esse Marselha era uma grande equipa com estrelas de classe, incluindo Jean Tigana e Didier Deschamps no meio-campo, e Jean-Pierre Papin no ataque. Ganharam cinco campeonatos de França consecutivos entre 1989 e 1993. Os seus adeptos eram fanáticos e o seu estádio, o Velódrome, era conhecido por ser um dos mais intimidantes da Europa para quem os visitava. Mas não para nós. Tínhamos o Estádio da Luz, a arena mais assustadora de todas.”
 
No sul de França, o Benfica perdeu por 2-1. Lima até adiantou as águias logo aos dez minutos, mas Franck Sauzée (13’) e Papin (44’) deram a volta ao texto ainda na primeira parte. O resultado não foi propriamente considerado como negativo pela comitiva encarnada. “Sabíamos que o Marselha ia lançar-se no ataque e que tínhamos de defender bem, mas procurando um golo fora, fiz alinhar dois pontas de lança [Lima e Magnusson]. Acabou por ser uma boa opção já que, mesmo perdendo 1-2, fizemos o nosso golo importantíssimo”, recordou Eriksson.
 
 
 
Duas semanas depois da partida do Velódrome, o inferno da Luz foi o palco da segunda-mão das meias-finais. À hora de jantar, foi servida… mão de Vata. “No jogo em casa, a atmosfera no Estádio da Luz era elétrica como de costume. Pressionámos muito, mas as coisas iam tornando-se cada vez mais desesperantes. Até que, aos 82 minutos, beneficiámos de um canto que foi despejado para a superlotada grande área francesa. Do banco, não consegui ver nada – só que a bola caminhou na direção do nosso jogador Vata e entrou na baliza em seguida. Alguns jogadores do Marselha reclamaram desabridamente, mas o golo foi validado e lembro-me do nosso avançado Mats [Magnusson] correr em redor do relvado com os braços do ar. Aguentámos o esforço final dos franceses e vencemos por 1-0. Tínhamos atingido a final da Taça dos Campeões”, começou por lembrar o treinador nórdico na obra autobiográfica.
 
“Só depois do jogo terminar é que percebi o motivo de tanta agitação em redor do nosso golo. Os jogadores do Marselha acusavam Vata de ter marcado com a mão. Na cabina, fui ter com ele e perguntei-lhe como tinha sido. Não respondeu. Só olhou para o chão. Disse-lhe que não estava zangado. Pelo contrário. Havíamos ganho e estávamos na final. Vata levantou-se e mostrou-me como tinha tocado na bola com o braço. ‘Okay’, disse eu. E até lhe dei uma palmada no ombro”, continuou Eriksson, que não esqueceu a fúria do presidente adversário: “Durante a conferência de imprensa, o treinador do Marselha, Gérard Gili e eu estávamos a responder às questões de jornalistas quando o presidente do clube francês, Bernard Tapie, irrompeu pela sala. Tapie era um magnata da finança. Acabara de comprar a Adidas. Estava furioso. O Marselha tinha sido roubado, gritava. Iriam protestar o jogo. Mas sabia, como todos nós, que nada se iria alterar no resultado. O árbitro não vira a bola no braço. O golo fora validado. O Marselha estava fora da Taça dos Campeões.”
 
 
 
A final seria disputada a 23 de maio de 1990, no Estádio do Prater, em Viena, diante do detentor do troféu, o AC Milan. “Na época anterior tinha esmagado o Steaua Bucareste por 4-0 na final. O Milan possuía a melhor defesa do mundo – Mauro Tassotti, Alessandro Costacurta, Franco Baresi e Paolo Maldini. No meio-campo havia Frank Rijkaard e Carlo Ancelotti. Na frente, Ruud Gullit e Marco van Basten. À partida, pareciam invencíveis”, começou por descrever Eriksson, ainda assim confiante de que o Benfica poderia surpreender.
 
“Eu estava convencido de que poderíamos ganhar-lhes. No final da época, o Milan tinha-se afundado na classificação do campeonato. Depois de perder com a Juventus e com o Inter, tinha sido ultrapassado pelo Nápoles, que acabou por conquistar o título. A prova terminou cedo por causa do Campeonato do Mundo. O Milan tinha um mês para descansar antes da final, mas faltavam-lhes jogos competitivos e pensei que poderiam baixar de forma. Também conhecia bem o treinador, [Arrigo] Sacchi. Era previsível no seu jogo ofensivo”, continuou.
 
No jogo decisivo, um Benfica muito rigoroso taticamente foi segurando o empate a zero. “Em termos táticos, fomos brilhantes. Não demos ao Milan quaisquer espaços para explorar. A defesa controlou perfeitamente Gullit e van Basten. O Milan não criou verdadeiras oportunidades. O problema é que nós também não. Falhámos na agressividade ofensiva. Mats [Magnusson] marcou 40 golos durante a época, mas contra defesas de classe mundial, como Baresi e Costacurta, foi impotente. Ao intervalo estava 0-0. O ambiente na cabina era positivo. Embora não tivéssemos entrado na defesa do Milan, os jogadores estavam contentes com o que haviam feito. Antes do jogo, o Milan era enormemente favorito, mas até agora fora tudo equilibrado. Sentíamos que era possível ganhar se conseguíssemos furar a defesa italiana. Mats não conseguia. Falei com Valdo, o nosso médio veloz, para que tentasse penetrações no meio-campo contrário. Era algo que já tínhamos treinador”, prosseguiu o nórdico.
 
“A segunda parte começou como a primeira. Mantivemo-nos bem, mas, de repente, o nosso central Aldair saiu demasiado da sua zona. Rijkaard caiu-lhe nas costas, recebeu a bola num passe fácil e ficou apenas com o nosso guarda-redes pela frente. Não errou. Marcou para o Milan no mesmo tipo de lance que eu procurava que Valdo fizesse. Depois disso, eles fecharam a loja. Coloquei mais um avançado, Vata, mas o nosso ataque não tinha força. O Milan ganhou e o Benfica perdeu a sua quinta final da Taça dos Campeões. Ficámos terrivelmente desapontados. Após o jogo, fomos muito criticados por não termos atacado mais. Mas eu e Toni estávamos absolutamente convencidos de ter feito tudo para ganhar. Magnusson e Vata eram bons em Portugal, mas não eram Gullit e van Basten. O que me irritou foi ter estado tão perto. Não há muitos jogadores nem treinadores que tenham a oportunidade de conquistar a Taça dos Campeões. Quando essa oportunidade surge, é preciso agarrá-la. Apesar de tudo, ainda era um treinador jovem, com 42 anos. Estava certo de que um dia iria levantar o troféu”, concluiu Sven-Göran Eriksson, que ficou no Benfica até 1992 e acabou por terminar a carreira sem conquistar a desejada Taça/Liga dos Campeões.
 
 
 
 


 
 



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