Indicado pelo antigo brasileiro
Carlos Bauer ao amigo Béla
Guttmann, o jovem atacante representava o Sporting de Lourenço Marques, uma
filial e uma fonte de jogadores para o Sporting
Clube de Portugal. Mas o Benfica
conseguiu desviá-lo, tendo-o escondido durante quase duas semanas no Algarve
com medo que o rival aliciasse o portentoso
avançado. “Mandei três guarda-costas para o acompanhar, e deixe-lhes as
minhas ordens: o Eusébio
não pode ser deixado sozinho nem por um minuto, e só pode ficar na casa do Benfica”,
contou o treinador húngaro, citado na biografia Béla
Guttmann: De sobrevivente do Holocausto a glória do Benfica,
de David Bolchover. O remate explosivo e a habilidade
de Eusébio
para iludir os adversários impressionou Guttmann
desde o primeiro treino, no início de 1961. Sem conseguir conter-se, virou-se
para o adjunto Fernando Caiado e gritou: “O menino é ouro!” O atacante
moçambicano ficou impedido de ser utilizado na Taça
dos Campeões Europeus em 1960-61, por se tratar de uma contratação recente,
mas ainda foi a tempo de disputar dois jogos oficiais na fase final dessa
época, um diante do Vitória
de Setúbal para a Taça
de Portugal e outro frente ao Belenenses
para o campeonato – em ambos faturou. Em junho de 1961 atuou ainda num
particular em Paris diante do Santos
de Pelé,
tendo entrado ao intervalo, numa altura em que o Benfica
perdia por 4-0, para conseguir um hat-trick. “Mandei-o entrar e ele
marcou três golos, todos de uma distância de 20 ou 25 metros”, recordou Guttmann.
No dia seguinte, o jornal desportivo L’Equipe ignorou o resultado do
jogo e, em vez disso, titulou: “Eusébio
– 3, Pelé
– 2”.
A época até nem começou
propriamente bem, ao ver fugir a Taça Intercontinental para o Peñarol.
Depois de um triunfo na Luz
com golo solitário de Mário Coluna, o Benfica
viajou até Montevideu para ser goleado por 5-0.
No entanto, segundo o
regulamento, o número de golos marcados era irrelevante, pelo que era
necessário um jogo de desempate que deveria acontecer três dias depois no
Estádio Centenário da capital do Uruguai. Perante o desgaste dos habituais
titulares, Guttmann
convocou dois jogadores que embarcaram de Lisboa após um jogo de reservas. Um
deles era Eusébio,
que não foi utilizado nos dois primeiros jogos com o Peñarol,
e o segundo um extremo esquerdo de 17 anos chamado António Simões. “Ele disse
ao adjunto, o Caiado, que aquele rapaz tinha que jogar com os grandes na
próxima época. ‘Tem que jogar com o Costa Pereira, o Coluna e o Águas,
porque já não tem nada a aprender’”, recorda Simões. Ambos os jovens se exibiram a bom
nível, sendo que Eusébio
inclusivamente marcou, apesar de o Benfica
ter perdido por 2-1, num jogo marcado pela polémica. “Estou a dizer-lhe, o
árbitro estava comprado. Gente dos bastidores confirmou-se isso mesmo… Eu
queria que mudassem do árbitro (para o terceiro jogo) mas só consegui que o
árbitro e juiz de linha trocassem de posição. Perdemos por causa de uma grande
penalidade”, desabafou Guttmann.
Menos de mês e meio depois, a 31
de outubro de 1961, o Benfica
iniciou a revalidação do título continental. Isento da fase preliminar, por ter
o estatuto de campeão, o Benfica
voltou a Viena seis meses depois da polémica meia-final contra o Rapid, desta
vez para defrontar o Áustria
Viena, na primeira eliminatória. A capital austríaca estava novamente exultante, com o Estádio do
Prater a encher-se com 80 mil espetadores para assistir a uma igualdade a um
golo. Marcou primeiro José
Águas para o Benfica,
à passagem da meia hora; reagiu o Rudolf Stark para os anfitriões
aos 69 minutos.
Uma semana depois, em Lisboa, Béla
Guttmann colocou Coluna num papel mais central, para dar espaço a Eusébio,
e o Benfica
goleou o Áustria
Viena por 5-1. Joaquim Santana (4 e 82 minutos) e José
Águas (36’ e 44’) bisaram, enquanto Eusébio
se estreou a marcar na Taça
dos Campeões Europeus. Na reta final da partida os austríacos
reduziram graças a um autogolo de Humberto Fernandes (80’).
Apesar do êxito internacional, o Benfica
ia claudicando no campeonato, tendo chegado ao primeiro jogo da segunda eliminatória
da Taça
dos Campeões Europeus em terceiro lugar, a quatro pontos do líder Sporting
e a um do FC
Porto, numa altura em que cada triunfo valia ainda dois pontos. A menor
motivação da equipa nas competições domésticas depois da conquista do título
europeu, a perda de equilíbrio no onze inicial após a entrada de Eusébio
e alguns problemas internos entre o moçambicano
e companheiros de equipas mais velhos eram fatores importantes para esta
quebra. Na segunda ronda da prova da
UEFA, o Benfica
defrontou os alemães do Nuremberga, que na época anterior haviam conquistado pela
primeira vez o campeonato desde 1948. No primeira-mão, na Alemanha, os encarnados
apresentaram-se sem o lesionado Eusébio
para enfrentar um adversário valioso num relvado coberto de neve, algo que os
jogadores portugueses nunca tinham experimentado, e foram derrotados por 3-1. Cavém
até adiantou as águias
aos dez minutos, mas um bis de Gustav Flachenecker (31’ e 85’) e um golo de Heinz
Strehl pelo meio (40’) sentenciariam a reviravolta.
A revalidação do título europeu
perigava, mas o Benfica
deu enorme resposta no Estádio
da Luz, fortaleza onde voltou a golear, desta vez por 6-0. Ao fim de quatro
minutos já a desvantagem da primeira-mão estava desfeita, com golos madrugadores
de José
Águas (3’) e Eusébio
(4’). Coluna (21’), novamente Eusébio
(55’) e José Augusto por duas vezes (63’ e 78’) completaram a goleada. “Neste
sítio só se consegue jogar com algodão nos ouvidos”, confessou a grande estrela
do Nuremberga, Max Morlock, desnorteado com o inferno da Luz.
Nas meias-finais, seguiu-se outro osso bastante
duro de roer, os ingleses do Tottenham,
que na temporada anterior se haviam tornado no primeiro clube no século XX a
vencer a liga inglesa e a Taça da Liga e que na caminhada até às meias-finais
haviam esmagado os polacos do Górnik Zabrze (10-5 no agregado) e eliminado os neerlandeses
do Feyenoord
(4-2) e os checoslovacos do Dukla de Praga (4-2). Entre as principais estrelas
dos spursestavam o dinamizador centrocampista e capitão, o norte-irlandês Danny
Blanchflower; um dos melhores alas do mundo, o galês Cliff Jones; o grande
ponta de lança inglês Bobby Smith e o jovem e recém-contratado atacante Jimmy
Greaves. Ao contrário das eliminatórias
anteriores, o Benfica
disputou a primeira-mão da semifinal no Estádio
da Luz e aproveitou a ocasião para ganhar logo aí uma vantagem importante,
tendo vencido por 3-1. António Simões adiantou os encarnados
logo aos cinco minutos, seguindo-se o bis de José Augusto (19’ e 64’). Pelo
meio, Bobby Smith reduziu para os londrinos
(54’).
Duas semanas depois, e apesar da
diferença de dois golos, o Benfica
encontrou um White Hart Lane lotado e com um ambiente ensurdecedor, com os adeptos
do Tottenham
frenéticos com a possibilidade de a sua equipa se tornar no primeiro
representante do futebol inglês na final da Taça
dos Campeões Europeus. Para retirar pressão aos seus
jogadores, Béla
Guttmann aproveitou o momento de falar à imprensa na véspera do jogo para
reiterar a intenção de deixar o clube no final da época e para tentar condicionar
a arbitragem, tendo perspetivado “um banho de sangue” dada a tipicamente britânica
dureza na abordagem aos lances. O que é certo é que as águias
entraram bem no jogo e não só conseguiria suster a pressão como se adiantaram
no marcador, com José
Águas a abrir o ativo logo aos 16 minutos. Bobby Smith empatou ainda na
primeira parte (34’) e Blanchflower fez o 2-1 na conversão de um penálti no
início o segundo tempo (48’), motivando um prolongado sofrimento para a defesa encarnada
até ao apito final, mas uma grande exibição do guarda-redes Costa Pereira,
assim como do defesa central Germano, permitiu segurar o resultado e o
apuramento para a final.
A preparação do jogo decisivo,
diante do favorito Real
Madrid no Estádio Olímpico de Amesterdão, decorreu sem incidentes apesar de
a relação entre Béla
Guttmann e a direção do Benfica
se ir desgastando com o tempo, sobretudo após os dirigentes não se terem
comprometido com um aumento salarial e terem enviado ao treinador
húngaro uma fatura a cobrar metade do preço de um quarto de hotel por a
mulher o ter acompanhado na viagem da equipa a Nuremberga. “Logo a seguir à
semifinal com o Tottenham,
ele começou a moralizar-nos, a dizer ‘Vamos ser campeões outra vez’”, recorda
Simões. Esse reforço motivacional não era
por acaso. O Real
Madrid ainda contava com um duo brilhante, embora envelhecido: Ferenc
Puskás e Alfredo
Di Stéfano. E tinha aniquilado os belgas do Standard
Liège na semifinal, com um agregado de 6-0.
Tal como na final da época
anterior, o Benfica
cedo ficou em desvantagem, só que desta vez por dois golos, ambos marcados por
Puskás (18 e 23 minutos). Mas, de novo, conseguiu reagir. Águas
diminuiu a desvantagem na recarga a uma bola rematada por Eusébio
ao poste (25’) e Cavém empatou a partida através de um remate de longa
distância (33’). Antes do intervalo, porém, Puskás completou o hat-trick
e fez o 3-2 para os merengues
(39’).
Ao intervalo, Guttmann
deu instruções a Cavém para se colar a Di
Stéfano, prevenindo-o de passar a bola a Puskás, e reforçou a autoconfiança
das suas tropas. “Ele sempre teve o dom técnico de identificar as principais
ameaças da equipa adversária e de os impedir de jogar”, recordou José Augusto. “O
Guttmann
disse-nos: ‘Meus senhores, vamos ganhar, somos mais fortes do que o Real
Madrid!’ O mais importante naquelas palavras era a fé e a convicção com que
as disse, e essa convicção transferiu-se para nós. Deu-nos tanto ânimo porque
falou com uma tal força… foi como se uma força divina entrasse em nós!”, lembrou
o extremo direito. “Acreditávamos mesmo que podíamos ganhar o jogo. Lembro-me
do Guttmann,
naquela sua linguagem especial, uma espécie de mistura de português e italiano,
a dizer-nos: ‘Mister, senta-te, senta-te, Real
Madrid cansado, Real
Madrid velho, velho, velho, não conseguem vencer, Real
Madrid não consegue correr, Di
Stéfano morto.’ Aquilo ficou-nos mesmo na cabeça”, contou Simões. A verdade é que o atacante
húngaro não voltou a marcar e o Benfica
cresceu animicamente, tendo chegado ao 3-3 por intermédio de Mário Coluna logo
aos 50 minutos. Seguiu-se o show de Eusébio,
que fez o quarto golo dos lisboetas
na conversão de um penálti (64’) e chegou ao bis pouco depois (69’),
estabelecendo o 5-3 final. A euforia de Berna, no ano
anterior, repetiu-se. A multidão eufórica invadiu o campo, Eusébio
protagonizou uma simbólica troca de camisolas com Di
Stéfano e Guttmann
foi levado em ombros pelos jogadores.
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