terça-feira, 18 de março de 2025

O que já era bom ganhou asas… com Eusébio. A caminhada do Benfica até ao segundo título europeu (1961-62)

Eusébio, Béla Guttmann e Coluna com o troféu mais desejado da Europa
O Benfica conquistou o primeiro título continental da sua história em 1960-61, mas foi na época seguinte que atacou pela primeira vez a Taça dos Campeões Europeus com aquele que viria a tornar-se no seu ídolo máximo: Eusébio da Silva Ferreira. O que já era bom ganhou asas e ficou, de caras, um amor para a vida toda, com direito a estátua à porta do estádio.
 
Indicado pelo antigo brasileiro Carlos Bauer ao amigo Béla Guttmann, o jovem atacante representava o Sporting de Lourenço Marques, uma filial e uma fonte de jogadores para o Sporting Clube de Portugal. Mas o Benfica conseguiu desviá-lo, tendo-o escondido durante quase duas semanas no Algarve com medo que o rival aliciasse o portentoso avançado. “Mandei três guarda-costas para o acompanhar, e deixe-lhes as minhas ordens: o Eusébio não pode ser deixado sozinho nem por um minuto, e só pode ficar na casa do Benfica”, contou o treinador húngaro, citado na biografia Béla Guttmann: De sobrevivente do Holocausto a glória do Benfica, de David Bolchover.
 
O remate explosivo e a habilidade de Eusébio para iludir os adversários impressionou Guttmann desde o primeiro treino, no início de 1961. Sem conseguir conter-se, virou-se para o adjunto Fernando Caiado e gritou: “O menino é ouro!”
 
O atacante moçambicano ficou impedido de ser utilizado na Taça dos Campeões Europeus em 1960-61, por se tratar de uma contratação recente, mas ainda foi a tempo de disputar dois jogos oficiais na fase final dessa época, um diante do Vitória de Setúbal para a Taça de Portugal e outro frente ao Belenenses para o campeonato – em ambos faturou.
 
Em junho de 1961 atuou ainda num particular em Paris diante do Santos de Pelé, tendo entrado ao intervalo, numa altura em que o Benfica perdia por 4-0, para conseguir um hat-trick. “Mandei-o entrar e ele marcou três golos, todos de uma distância de 20 ou 25 metros”, recordou Guttmann. No dia seguinte, o jornal desportivo L’Equipe ignorou o resultado do jogo e, em vez disso, titulou: “Eusébio – 3, Pelé – 2”.
 
 
A época até nem começou propriamente bem, ao ver fugir a Taça Intercontinental para o Peñarol. Depois de um triunfo na Luz com golo solitário de Mário Coluna, o Benfica viajou até Montevideu para ser goleado por 5-0.
 
 
No entanto, segundo o regulamento, o número de golos marcados era irrelevante, pelo que era necessário um jogo de desempate que deveria acontecer três dias depois no Estádio Centenário da capital do Uruguai.
 
Perante o desgaste dos habituais titulares, Guttmann convocou dois jogadores que embarcaram de Lisboa após um jogo de reservas. Um deles era Eusébio, que não foi utilizado nos dois primeiros jogos com o Peñarol, e o segundo um extremo esquerdo de 17 anos chamado António Simões. “Ele disse ao adjunto, o Caiado, que aquele rapaz tinha que jogar com os grandes na próxima época. ‘Tem que jogar com o Costa Pereira, o Coluna e o Águas, porque já não tem nada a aprender’”, recorda Simões.
 
Ambos os jovens se exibiram a bom nível, sendo que Eusébio inclusivamente marcou, apesar de o Benfica ter perdido por 2-1, num jogo marcado pela polémica. “Estou a dizer-lhe, o árbitro estava comprado. Gente dos bastidores confirmou-se isso mesmo… Eu queria que mudassem do árbitro (para o terceiro jogo) mas só consegui que o árbitro e juiz de linha trocassem de posição. Perdemos por causa de uma grande penalidade”, desabafou Guttmann.
 
 
 
Menos de mês e meio depois, a 31 de outubro de 1961, o Benfica iniciou a revalidação do título continental. Isento da fase preliminar, por ter o estatuto de campeão, o Benfica voltou a Viena seis meses depois da polémica meia-final contra o Rapid, desta vez para defrontar o Áustria Viena, na primeira eliminatória. A capital austríaca estava novamente exultante, com o Estádio do Prater a encher-se com 80 mil espetadores para assistir a uma igualdade a um golo. Marcou primeiro José Águas para o Benfica, à passagem da meia hora; reagiu o Rudolf Stark para os anfitriões aos 69 minutos.
 
 
Uma semana depois, em Lisboa, Béla Guttmann colocou Coluna num papel mais central, para dar espaço a Eusébio, e o Benfica goleou o Áustria Viena por 5-1. Joaquim Santana (4 e 82 minutos) e José Águas (36’ e 44’) bisaram, enquanto Eusébio se estreou a marcar na Taça dos Campeões Europeus. Na reta final da partida os austríacos reduziram graças a um autogolo de Humberto Fernandes (80’).
 
 
 
Apesar do êxito internacional, o Benfica ia claudicando no campeonato, tendo chegado ao primeiro jogo da segunda eliminatória da Taça dos Campeões Europeus em terceiro lugar, a quatro pontos do líder Sporting e a um do FC Porto, numa altura em que cada triunfo valia ainda dois pontos. A menor motivação da equipa nas competições domésticas depois da conquista do título europeu, a perda de equilíbrio no onze inicial após a entrada de Eusébio e alguns problemas internos entre o moçambicano e companheiros de equipas mais velhos eram fatores importantes para esta quebra.
 
Na segunda ronda da prova da UEFA, o Benfica defrontou os alemães do Nuremberga, que na época anterior haviam conquistado pela primeira vez o campeonato desde 1948. No primeira-mão, na Alemanha, os encarnados apresentaram-se sem o lesionado Eusébio para enfrentar um adversário valioso num relvado coberto de neve, algo que os jogadores portugueses nunca tinham experimentado, e foram derrotados por 3-1. Cavém até adiantou as águias aos dez minutos, mas um bis de Gustav Flachenecker (31’ e 85’) e um golo de Heinz Strehl pelo meio (40’) sentenciariam a reviravolta.
 
 
A revalidação do título europeu perigava, mas o Benfica deu enorme resposta no Estádio da Luz, fortaleza onde voltou a golear, desta vez por 6-0. Ao fim de quatro minutos já a desvantagem da primeira-mão estava desfeita, com golos madrugadores de José Águas (3’) e Eusébio (4’). Coluna (21’), novamente Eusébio (55’) e José Augusto por duas vezes (63’ e 78’) completaram a goleada. “Neste sítio só se consegue jogar com algodão nos ouvidos”, confessou a grande estrela do Nuremberga, Max Morlock, desnorteado com o inferno da Luz.
 
 
 
Nas meias-finais, seguiu-se outro osso bastante duro de roer, os ingleses do Tottenham, que na temporada anterior se haviam tornado no primeiro clube no século XX a vencer a liga inglesa e a Taça da Liga e que na caminhada até às meias-finais haviam esmagado os polacos do Górnik Zabrze (10-5 no agregado) e eliminado os neerlandeses do Feyenoord (4-2) e os checoslovacos do Dukla de Praga (4-2). Entre as principais estrelas dos spurs estavam o dinamizador centrocampista e capitão, o norte-irlandês Danny Blanchflower; um dos melhores alas do mundo, o galês Cliff Jones; o grande ponta de lança inglês Bobby Smith e o jovem e recém-contratado atacante Jimmy Greaves.
 
Ao contrário das eliminatórias anteriores, o Benfica disputou a primeira-mão da semifinal no Estádio da Luz e aproveitou a ocasião para ganhar logo aí uma vantagem importante, tendo vencido por 3-1. António Simões adiantou os encarnados logo aos cinco minutos, seguindo-se o bis de José Augusto (19’ e 64’). Pelo meio, Bobby Smith reduziu para os londrinos (54’).
 
 
 
Duas semanas depois, e apesar da diferença de dois golos, o Benfica encontrou um White Hart Lane lotado e com um ambiente ensurdecedor, com os adeptos do Tottenham frenéticos com a possibilidade de a sua equipa se tornar no primeiro representante do futebol inglês na final da Taça dos Campeões Europeus.
 
Para retirar pressão aos seus jogadores, Béla Guttmann aproveitou o momento de falar à imprensa na véspera do jogo para reiterar a intenção de deixar o clube no final da época e para tentar condicionar a arbitragem, tendo perspetivado “um banho de sangue” dada a tipicamente britânica dureza na abordagem aos lances.
 
O que é certo é que as águias entraram bem no jogo e não só conseguiria suster a pressão como se adiantaram no marcador, com José Águas a abrir o ativo logo aos 16 minutos. Bobby Smith empatou ainda na primeira parte (34’) e Blanchflower fez o 2-1 na conversão de um penálti no início o segundo tempo (48’), motivando um prolongado sofrimento para a defesa encarnada até ao apito final, mas uma grande exibição do guarda-redes Costa Pereira, assim como do defesa central Germano, permitiu segurar o resultado e o apuramento para a final.
 
 
 
A preparação do jogo decisivo, diante do favorito Real Madrid no Estádio Olímpico de Amesterdão, decorreu sem incidentes apesar de a relação entre Béla Guttmann e a direção do Benfica se ir desgastando com o tempo, sobretudo após os dirigentes não se terem comprometido com um aumento salarial e terem enviado ao treinador húngaro uma fatura a cobrar metade do preço de um quarto de hotel por a mulher o ter acompanhado na viagem da equipa a Nuremberga. “Logo a seguir à semifinal com o Tottenham, ele começou a moralizar-nos, a dizer ‘Vamos ser campeões outra vez’”, recorda Simões.
 
Esse reforço motivacional não era por acaso. O Real Madrid ainda contava com um duo brilhante, embora envelhecido: Ferenc Puskás e Alfredo Di Stéfano. E tinha aniquilado os belgas do Standard Liège na semifinal, com um agregado de 6-0.
 
Tal como na final da época anterior, o Benfica cedo ficou em desvantagem, só que desta vez por dois golos, ambos marcados por Puskás (18 e 23 minutos). Mas, de novo, conseguiu reagir. Águas diminuiu a desvantagem na recarga a uma bola rematada por Eusébio ao poste (25’) e Cavém empatou a partida através de um remate de longa distância (33’). Antes do intervalo, porém, Puskás completou o hat-trick e fez o 3-2 para os merengues (39’).
 
Ao intervalo, Guttmann deu instruções a Cavém para se colar a Di Stéfano, prevenindo-o de passar a bola a Puskás, e reforçou a autoconfiança das suas tropas. “Ele sempre teve o dom técnico de identificar as principais ameaças da equipa adversária e de os impedir de jogar”, recordou José Augusto. “O Guttmann disse-nos: ‘Meus senhores, vamos ganhar, somos mais fortes do que o Real Madrid!’ O mais importante naquelas palavras era a fé e a convicção com que as disse, e essa convicção transferiu-se para nós. Deu-nos tanto ânimo porque falou com uma tal força… foi como se uma força divina entrasse em nós!”, lembrou o extremo direito. “Acreditávamos mesmo que podíamos ganhar o jogo. Lembro-me do Guttmann, naquela sua linguagem especial, uma espécie de mistura de português e italiano, a dizer-nos: ‘Mister, senta-te, senta-te, Real Madrid cansado, Real Madrid velho, velho, velho, não conseguem vencer, Real Madrid não consegue correr, Di Stéfano morto.’ Aquilo ficou-nos mesmo na cabeça”, contou Simões.
 
A verdade é que o atacante húngaro não voltou a marcar e o Benfica cresceu animicamente, tendo chegado ao 3-3 por intermédio de Mário Coluna logo aos 50 minutos. Seguiu-se o show de Eusébio, que fez o quarto golo dos lisboetas na conversão de um penálti (64’) e chegou ao bis pouco depois (69’), estabelecendo o 5-3 final.
 
A euforia de Berna, no ano anterior, repetiu-se. A multidão eufórica invadiu o campo, Eusébio protagonizou uma simbólica troca de camisolas com Di Stéfano e Guttmann foi levado em ombros pelos jogadores.
 
 



 

 






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