segunda-feira, 7 de outubro de 2024

O belga que desiludiu em Guimarães mas levou o Marselha à glória. Quem se lembra de Raymond Goethals?

Raymond Goethals orientou o Vitória de Guimarães em 1984-85
Treinador de renome internacional, viveu o ponto alto da carreira em 1992-93, quando levou o Marselha à conquista da Liga dos Campeões, dois anos depois de ter sido derrotado na final da prova pelo Estrela Vermelha de Belgrado. Esse feito ficou ensombrado pelo escândalo de corrupção que assolou o clube do sul de França, mas não retira mérito ao que Raymond Goethals e seus homens alcançaram dentro de campo.
 
Era conhecido no mundo do futebol como "le Sorcier" (o Mago), "Raymond-la-science" ou "le magicien" (o Mágico), guiou a seleção belga ao Mundial 1970 e ao Euro 1972 e conquistou troféus importantes durante a sua primeira passagem pelo Anderlecht, como a Taça das Taças em 1977-78 e a Supertaça Europeia em 1976 e 1978, tendo ainda sido finalista vencido da Taça das Taças em 1976-77.
 
 
Após um ano nos franceses do Bordéus, regressou à Bélgica para comandar o Standard Liège, clube pelo qual veio a vencer dois campeonatos (1981-82 e 1982-83), duas Supertaças (1982 e 1983) e uma Taça da Bélgica (1980-81), tendo ainda sido finalista vencido da Taça das Taças em 1981-82.
 
Foi com este lastro, depois de ser suspenso pela federação belga por ter comprado os jogadores do Waterschei para que não lesionassem nenhum jogador do Standard dias antes da final da Taça as Taças, que chegou ao comando técnico do Vitória de Guimarães, então presidido por Pimenta Machado, no início da temporada 1984-85.
 
Devido às diferenças de idioma, houve desde início dificuldade de comunicação entre Goethals, que falava francês, e a estrutura do clube minhoto, o que levou a que Manuel Machado, que na altura trabalhava nas camadas jovens dos vimaranenses, passasse a ser adjunto de Goethals. “Eu tinha, enfim, um francês de liceu, mas algumas bases, ajudei um bocado na comunicação e ele disse: ‘Ah, é importante ficares comigo, vais ajudar nesse sentido’. E foi aí que me tornei adjunto dele. Foi uma casualidade mesmo. Ele estava só com um adjunto, o Djunga, já falecido. Integrei essa equipa técnica por essa casualidade da tradução e como preparador físico. Foi o meu primeiro ano no futebol profissional”, contou o técnico português à Tribuna Expresso em julho de 2021.
 
 
Em Guimarães, o treinador belga implementou um sistema de três centrais, pouco visto no futebol português, e um modelo de jogo que contemplava pragmatismo e objetividade. “Foi um ano maravilhoso. Era o mago da bola. Andava sempre com um blazer onde tinha guardanapos para fazer táticas e bonequinhos. Vinha do futebol belga, que eu adorava, um futebol rápido, de contra-ataque, nunca gostei do tique-toque, nem de chique-chique do futebol português. Foi a primeira vez que joguei com três defesas”, recordou Laureta, lateral esquerdo habitual titular desse Vitória de 1984-85.
 
“Era muito, muito, muito acima da média. Estava sempre a falar com os jogadores nos estágios, nos treinos. Era como um pai. Tenho grandes saudades desse grande homem e grande treinador. Ele gostava de quanto mais depressa chegássemos à baliza melhor. Foi uma lufada de ar fresco. A seguir ao Pedroto, foi o Goethals que mais me impressionou. Eram muito parecidos. Ele tinha muita confiança em mim. Tinha uma perceção do jogo, antecipava as coisas que iam acontecer. Nunca vi aquele homem a falar de outra coisa que não fosse futebol”, acrescentou o antigo defesa.
 
 
Apesar de ter deixado saudades em quem trabalhou com ele, Goethals não foi particularmente bem-sucedido na Cidade-Berço, pois os vimaranenses não foram além do 9.º lugar no campeonato, a pior classificação do clube desde 1977-78.
 
O envolvimento no escândalo de corrupção e a falta de sucesso em Portugal não abalaram Goethals, que no regresso ao futebol belga conquistou uma Taça da Bélgica pelo Anderlecht em 1988-89.
 
Após essa época voltou ao Bordéus e depois mudou de clube em França, passando para o comando técnico do Marselha. Após conquistar dois campeonatos (1990-91 e 1991-92) e ser finalista da Taça dos Campeões Europeus em 1990-91, tornou o OM no primeiro clube gaulês a vencer a Champions, em 1992-93. Aos 71 anos, passou a ser o treinador mais velho de sempre a vencer o cetro continental, um recorde que ainda detém.
 
 
Porém, essa conquista ficou manchada por novo escândalo de corrupção, pois no final da época o Marselha foi acusado de corromper jogadores do Valenciennes dias antes da final da Liga dos Campeões diante do AC Milan. O título europeu não foi apagado, até porque as ilegalidades não afetaram diretamente a verdade desportiva dessa prova, mas na justiça o emblema do sul de França perdeu na secretaria aquele que seria o terceiro campeonato consecutivo sob a orientação de Goethals.
 
Acabou por abandonar os marselheses ainda antes da despromoção à Ligue 2 e o castigo ao presidente Bernard Tapie, com quem não tinha uma relação fácil. “Presidente, se não está contente, apanho o comboio das nove e meia”, chegou a dizer-lhe. Com quem Goethals também não ia à bola era Eric Cantona, seu jogador em 1990-91, que o acusou de ser “um palhaço e um corrupto”.
 
Morreu a 6 de dezembro de 2004, vítima de cancro nos intestinos, aos 83 anos.



 






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