O belga que desiludiu em Guimarães mas levou o Marselha à glória. Quem se lembra de Raymond Goethals?
Raymond Goethals orientou o Vitória de Guimarães em 1984-85
Treinador de renome
internacional, viveu o ponto alto da carreira em 1992-93, quando levou o Marselha
à conquista da Liga
dos Campeões, dois anos depois de ter sido derrotado na final da prova pelo
Estrela
Vermelha de Belgrado. Esse feito ficou ensombrado pelo escândalo de
corrupção que assolou o clube
do sul de França, mas não retira mérito ao que Raymond Goethals e seus
homens alcançaram dentro de campo.
Era conhecido no mundo do futebol
como "le Sorcier" (o Mago), "Raymond-la-science"
ou "le magicien" (o Mágico), guiou a seleção
belga ao Mundial 1970 e ao Euro 1972 e conquistou troféus importantes
durante a sua primeira passagem pelo Anderlecht, como a Taça das Taças em 1977-78
e a Supertaça Europeia em 1976 e 1978, tendo ainda sido finalista vencido da
Taça das Taças em 1976-77.
Após um ano nos franceses do
Bordéus, regressou à Bélgica para comandar o Standard
Liège, clube pelo qual veio a vencer dois campeonatos (1981-82 e 1982-83),
duas Supertaças (1982 e 1983) e uma Taça da Bélgica (1980-81), tendo ainda sido
finalista vencido da Taça das Taças em 1981-82. Foi com este lastro, depois de
ser suspenso pela federação belga por ter comprado os jogadores do Waterschei
para que não lesionassem nenhum jogador do Standard
dias antes da final da Taça as Taças, que chegou ao comando técnico do Vitória
de Guimarães, então presidido por Pimenta
Machado, no início da temporada 1984-85. Devido às diferenças de idioma, houve
desde início dificuldade de comunicação entre Goethals, que falava francês, e a
estrutura do clube
minhoto, o que levou a que Manuel
Machado, que na altura trabalhava nas camadas jovens dos vimaranenses,
passasse a ser adjunto de Goethals. “Eu tinha, enfim, um francês de liceu, mas
algumas bases, ajudei um bocado na comunicação e ele disse: ‘Ah, é importante
ficares comigo, vais ajudar nesse sentido’. E foi aí que me tornei adjunto
dele. Foi uma casualidade mesmo. Ele estava só com um adjunto, o Djunga, já
falecido. Integrei essa equipa técnica por essa casualidade da tradução e como
preparador físico. Foi o meu primeiro ano no futebol profissional”, contou o técnico
português à Tribuna
Expresso em julho de 2021.
Em Guimarães, o treinador belga
implementou um sistema de três centrais, pouco visto no futebol português, e um
modelo de jogo que contemplava pragmatismo e objetividade. “Foi um ano
maravilhoso. Era o mago da bola. Andava sempre com um blazer onde tinha
guardanapos para fazer táticas e bonequinhos. Vinha do futebol belga, que eu
adorava, um futebol rápido, de contra-ataque, nunca gostei do tique-toque, nem
de chique-chique do futebol português. Foi a primeira vez que joguei com três
defesas”, recordou Laureta, lateral esquerdo habitual titular desse Vitória
de 1984-85. “Era muito, muito, muito acima da
média. Estava sempre a falar com os jogadores nos estágios, nos treinos. Era
como um pai. Tenho grandes saudades desse grande homem e grande treinador. Ele
gostava de quanto mais depressa chegássemos à baliza melhor. Foi uma lufada de
ar fresco. A seguir ao Pedroto,
foi o Goethals que mais me impressionou. Eram muito parecidos. Ele tinha muita
confiança em mim. Tinha uma perceção do jogo, antecipava as coisas que iam
acontecer. Nunca vi aquele homem a falar de outra coisa que não fosse futebol”,
acrescentou o antigo defesa.
Apesar de ter deixado saudades em
quem trabalhou com ele, Goethals não foi particularmente bem-sucedido na
Cidade-Berço, pois os vimaranenses
não foram além do 9.º lugar no campeonato, a pior classificação do clube desde
1977-78. O envolvimento no escândalo de
corrupção e a falta de sucesso em Portugal não abalaram Goethals, que no
regresso ao futebol belga conquistou uma Taça da Bélgica pelo Anderlecht em
1988-89. Após essa época voltou ao Bordéus
e depois mudou de clube em França, passando para o comando técnico do Marselha.
Após conquistar dois campeonatos (1990-91 e 1991-92) e ser finalista da Taça
dos Campeões Europeus em 1990-91, tornou o OM
no primeiro clube gaulês a vencer a Champions,
em 1992-93. Aos 71 anos, passou a ser o treinador mais velho de sempre a vencer
o cetro continental, um recorde que ainda detém.
Porém, essa conquista ficou
manchada por novo escândalo de corrupção, pois no final da época o Marselha
foi acusado de corromper jogadores do Valenciennes dias antes da final da Liga
dos Campeões diante do AC
Milan. O título europeu não foi apagado, até porque as ilegalidades não
afetaram diretamente a verdade desportiva dessa prova, mas na justiça o emblema
do sul de França perdeu na secretaria aquele que seria o terceiro campeonato
consecutivo sob a orientação de Goethals. Acabou por abandonar os marselheses
ainda antes da despromoção à Ligue 2 e o castigo ao presidente Bernard Tapie,
com quem não tinha uma relação fácil. “Presidente, se não está contente, apanho
o comboio das nove e meia”, chegou a dizer-lhe. Com quem Goethals também não ia
à bola era Eric
Cantona, seu jogador em 1990-91, que o acusou de ser “um palhaço e um
corrupto”. Morreu a 6 de dezembro de 2004,
vítima de cancro nos intestinos, aos 83 anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário