João Pedro Sousa comanda o Famalicão desde o início da época |
João Pedro Sousa é o treinador-sensação da I Liga. Ao fim de cinco jornadas, o Famalicão foi líder isolado do campeonato e nesta segunda-feira pode voltar à liderança da I Liga caso vença o Sporting, em Alvalade (se tal acontecer será primeiro classificado com mais um ponto do que FC Porto e Benfica e deixa os leões a oito pontos de distância). Um grande feito tendo em conta que na época passada o clube jogava na II Liga.
A julgar pelo que diz quem lidou de perto com o treinador do mês de agosto da I Liga, não é de se impor através dos gritos. "Calmo", "tranquilo" e "reservado" são as palavras mais utilizadas para o descrever. Antes de aparecer como treinador principal dos famalicenses no patamar maior do futebol português, aos 48 anos, teve uma carreira modesta como futebolista e um percurso como treinador adjunto, tendo trabalhado como adjunto de Marco Silva nas sete últimas temporadas.
Vítor Manuel, um dos primeiros treinadores de João Pedro Sousa, no início da década de 1990, recorda "um miúdo com 18 ou 19 anos, cheio de potencialidades, e que fez alguns jogos". "Fui praticamente eu que o lancei na I Divisão, no Sp. Braga. Era agressivo dentro da área, com golo, possante, um número 9. Tínhamos uma boa equipa e ele foi fazendo a sua integração. Deu respostas muito positivas. Depois eu saí e ele foi para Chaves. Naquela altura não era fácil jogar no Sp. Braga, mas eu sentia que ele tinha mais alguma coisa", lembrou o técnico de 67 anos, que confessa nunca mais ter falado com João Pedro, nome de guerra enquanto jogador.
"Ele era tranquilo cá fora, mas lá dentro era muito agressivo a jogar. O seu futebol era agressivo e intenso. Segurava bem a bola, dava apoios frontais e já tinha alguma ratice, metia algum respeito aos defesas", acrescentou Vítor Manuel, que orientou o agora técnico do Famalicão nos arsenalistas em 1991-92 e 1992-93.
Conhece Marco Silva na Trofa
João Pedro passou depois por Desportivo de Chaves, Rio Ave, Vila Real e Trofense. Foi precisamente na Trofa, em 1998-99, que conheceu Marco Silva, na altura um jovem lateral direito. Ambos coincidiram no clube nortenho nessa época e em 2000-01, com o agora treinador do Everton a passar pelo Campomaiorense pelo meio.
João Pedro Sousa a dar indicações ao médio Gustavo Assunção |
Aos 31 anos, João Pedro Sousa resolveu pendurar as botas após duas temporadas nos Caçadores das Taipas e seguiu a carreira de treinador. Primeiro na Academia Lacatoni, em Braga, depois como adjunto do antigo central bracarense e seu antigo companheiro Artur Jorge no Famalicão e nos juniores do Sp. Braga.
Paralelamente, Marco Silva iniciava a carreira de treinador no Estoril, subiu à I Liga na época de estreia e após a promoção convidou João Pedro Sousa para seu adjunto, começando aí uma ligação de sete temporadas que passou também por Sporting, Olympiacos, Hull City, Watford e Everton.
Uma das figuras do emblema da linha de Cascais na altura, Gonçalo Santos, recorda o atual técnico famalicense como um "treinador muito reservado". "Não era muito interventivo, era muito calmo. Era o braço direito do Marco [Silva], mas o Marco é que dava quase o treino todo. Ele estava sempre muito controlado. É muito boa pessoa, muito amigo dos jogadores e sempre pronto para ajudar. Há adjuntos muito participativos, mas ele não. Estava sempre muito calmo e tranquilo, como está agora no banco do Famalicão, sem expor os sentimentos dele e sempre muito lúcido nas declarações e nas decisões. Não se enervava facilmente. Os jogadores gostam de um treinador que corrija mas sem ser de forma brusca", frisa o médio de 32 anos e atual capitão do Estoril.
"Lembro-me de que, se dividissem o treino, ele ficava mais com a parte defensiva e o Marco mais com a dimensão ofensiva. Também ajudava muito nas bolas paradas. Além dele, só havia mais um elemento na equipa técnica, o Gonçalo [Pedro], que era o preparador físico. Então, tudo o que era tática e estratégia para o jogo era discutido entre o Marco e o João Pedro", acrescenta o centrocampista.
Ideias semelhantes às do ex-chefe
João Pedro Sousa ao lado de Marco Silva no Sporting |
Embora já não mantenha contacto com o seu antigo jogador, Vítor Manuel diz-se muito feliz com o sucesso que João Pedro Sousa está a ter. "Ele foi fazendo a sua aprendizagem com o Marco Silva durante muitos anos e agora chegou a altura de fazer o seu percurso a solo. Fico muito feliz com o sucesso que está a ter. Para estreia como treinador principal, acho que está a fazer um grande trabalho num clube histórico como o Famalicão", salienta o treinador, que deixou os elogios a uma equipa que já viu jogar e que "joga bem".
"O Famalicão tem uma identidade de jogo, uma filosofia, uma ideia, e isso é passado pelo treinador. É um futebol muito positivo. Sabe definir bem os vários momentos do jogo, é uma equipa bem trabalhada, é sinal do trabalho do treinador e da qualidade dos jogadores, o que é sempre uma ajuda boa para o treinador. Na segunda-feira terá um grande teste à capacidade da equipa em Alvalade, apesar de o Sporting não estar no seu melhor momento", antevê o veterano técnico, que passou por clubes como Académica, U. Leiria, Belenenses, Leça, Salgueiros e Alverca.
Vítor Manuel considera que João Pedro Sousa "tem as suas próprias ideias", mas diz que "bebeu alguma coisa de com quem trabalhou" e encontra "algumas semelhanças entre o futebol dele e o do Marco Silva". Com a mesma impressão ficou Gonçalo Santos, que ficou surpreendido pelo ex-adjunto do Estoril ter deixado a Premier League para regressar a Portugal: "Noto semelhanças na estratégia, no 4x3x3, na organização ofensiva, na primeira fase de construção e numa ou outra variante, como jogar só com um médio defensivo e os médios a procurar a faixa lateral. Quer querendo quer não, ele passou grande tempo da carreira como treinador a alto nível como adjunto do Marco Silva. Obviamente que, com o tempo, terá outras ideias dadas pelos elementos da equipa técnica dele e baseadas nas características dos jogadores."
O sucesso do Famalicão e de João Pedro Sousa, entretanto, já passou fronteiras. E há poucos dias esteve em destaque num artigo da BBC: "Uma recém-promovida equipa com um inglês como lateral-esquerdo [Josh Tymon] está a abanar a ordem estabelecida na classificação da liga portuguesa e sentou-se no topo. Ainda é muito cedo para o Famalicão pensar na Europa porque o primeiro teste a sério será em casa do Sporting a 23 de setembro [sexta jornada]".
"O objetivo macro é consolidar o clube na I Liga. Mas eu não ponho limites. Vamos criar uma equipa competitiva, uma equipa com um ADN muito positivo, preparada para lutar pela vitória em todos os jogos", disse o treinador em maio, quando foi apresentado no Famalicão, tratando logo de desvalorizar o facto de esta ser a sua primeira experiência como técnico principal: "São situações que já aconteceram no passado com treinadores como José Mourinho, André Villas-Boas ou, mais recentemente, Bruno Lage. Sinto que estou preparado para um desafio com esta exigência." E a ver pelos resultados até ao momento... tinha razão.
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