O guarda-redes que fugiu da PIDE e exilou-se em Marrocos. Quem viu jogar Carlos Gomes?
Carlos Gomes defendeu a baliza do Sporting entre 1950 e 1958
Guarda-redes natural do Barreiro,
tinha tanto de genial como de polémico e gostava de usar equipamento preto, à
imagem de um seu contemporâneo, o russo Lev
Yashin, ainda que seguramente por motivos diferentes (já lá vamos…).
Cresceu no Barreirense,
mas foi contratado pelo Sporting
quando tinha apenas 18 anos, em 1950, revelando logo aí toda a sua
irreverência, ao exigir mais dinheiro do que os 10 contos que os responsáveis leoninos
lhe propunham, acabando por conseguir receber cinco vezes mais. A primeira época de leão
ao peito foi passada na sombra de um seu conterrâneo, Azevedo, mas depois
ganhou o lugar e não mais o largou ao longo de sete anos, período no qual juntou
quatro campeonatos (1951-52, 1952-53, 1953-54 e 1957-58) e uma Taça
de Portugal (1953-54) ao título nacional para o qual pouco contribuíra na
temporada de estreia (1950-51). Com naturalidade tornou-se também numa presença
habitual nas convocatórias da seleção
nacional, tendo somado 18 internacionalizações entre novembro de 1953 e
maio de 1958. O pior veio depois. Em 1958
emperrou a continuidade no Sporting
devido a exigências financeiras que os dirigentes verde
e brancos não quiseram satisfazer e transferiu-se para os espanhóis do
Granada, a troco de 300 contos e um jogo a disputar no Estádio
José Alvalade, tendo assinado na altura um documento no qual se comprometia
a jogar apenas pelos leões
em caso de regresso a Portugal. Na Andaluzia, porém, viveu
problemas de salários em atraso. “No hay diñero, no hay portero”, chegou
a dizer à imprensa espanhola. Seguiram-se dois anos no Oviedo antes
de voltar a Portugal em 1961. Deveria ter regressado ao Sporting
e chegou mesmo a disputar um jogo particular na baliza leonina,
mas faltou o acordo entre os clubes e também entre o emblema
de Alvalade e o guarda-redes, que exigiu ser o mais bem pago do plantel. Os
dirigentes sportinguistas
recusaram e Carlos Gomes ameaçou assinar pelo Salgueiros,
no que se suspeitava ser apenas um ponto de passagem para o Benfica,
pelo que o Sporting
acabou por despachá-lo para o Atlético.
Por essa altura, o guardião barreirense
tinha três negócios: uma bomba de gasolina, uma leitaria e uma loja de
fotografia. Por necessitar de ajuda, colocou um anúncio num jornal à procura de
um empregado e apareceu-lhe uma rapariga, que no dia seguinte o acusou de
violação na mata do Jamor. Carlos Gomes alegou que os
dirigentes do Sporting
lhe haviam armado uma cilada em conluio com a PIDE, com a qual havia tido
problemas no passado devido a um automóvel estacionado numa área reservada a
funcionários daquela polícia e por ter troçado de Santos Costa, ministro da
Guerra, quando este discursava numa cerimónia da seleção militar de futebol. O guarda-redes começou então a
preparar a sua fuga de Portugal e fê-lo a 21 de janeiro de 1962, dia de Atlético-Vitória
de Guimarães. Alertado para a presença de agentes da autoridade na
Tapadinha a fim de o levar para interrogatório no final do jogo, traçou um
plano. “Para não levantar suspeitas, concentrei-me com a equipa. Tentaria não
só fazer um belo jogo, como teria de lesionar-me, porque, enquanto durasse a
cura, não haveria suspeitas e ganharia dias preciosos. Não fiz um jogo
extraordinário, mas lesionei-me como previsto, logo antes do intervalo…”,
contou na autobiografia Jogo da Vida. O intervalo durou mais do que o
habitual. Na reentrada em campo do Atlético,
não se vislumbrava Carlos Gomes, que se meteu na bagageira de um automóvel em
direção à fronteira com Espanha. Do país vizinho apanhou um barco para Tânger,
em Marrocos, onde obteve o estatuto de refugiado político e prosseguiu a
carreira de futebolista ao serviço do Ittihad Tanger. Depois tornou-se treinador, tendo
trabalhado nessa função na Argélia e na Tunísia. Mais tarde radicou-se em Espanha,
onde montou negócios, tendo regressado a Portugal somente em 1983. Polémico até à ponta dos cabelos,
nem conseguiu evitar lançar umas farpas quando lhe questionaram o porquê de
jogar vestido de preto: “Enquanto o futebol português estiver entregue aos doutores,
estou de luto.” Viria a morrer a 17 de outubro de
2005, aos 73 anos.
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