terça-feira, 24 de junho de 2025

O guarda-redes que fugiu da PIDE e exilou-se em Marrocos. Quem viu jogar Carlos Gomes?

Carlos Gomes defendeu a baliza do Sporting entre 1950 e 1958
Guarda-redes natural do Barreiro, tinha tanto de genial como de polémico e gostava de usar equipamento preto, à imagem de um seu contemporâneo, o russo Lev Yashin, ainda que seguramente por motivos diferentes (já lá vamos…).
 
Cresceu no Barreirense, mas foi contratado pelo Sporting quando tinha apenas 18 anos, em 1950, revelando logo aí toda a sua irreverência, ao exigir mais dinheiro do que os 10 contos que os responsáveis leoninos lhe propunham, acabando por conseguir receber cinco vezes mais.
 
A primeira época de leão ao peito foi passada na sombra de um seu conterrâneo, Azevedo, mas depois ganhou o lugar e não mais o largou ao longo de sete anos, período no qual juntou quatro campeonatos (1951-52, 1952-53, 1953-54 e 1957-58) e uma Taça de Portugal (1953-54) ao título nacional para o qual pouco contribuíra na temporada de estreia (1950-51). Com naturalidade tornou-se também numa presença habitual nas convocatórias da seleção nacional, tendo somado 18 internacionalizações entre novembro de 1953 e maio de 1958.
 
O pior veio depois. Em 1958 emperrou a continuidade no Sporting devido a exigências financeiras que os dirigentes verde e brancos não quiseram satisfazer e transferiu-se para os espanhóis do Granada, a troco de 300 contos e um jogo a disputar no Estádio José Alvalade, tendo assinado na altura um documento no qual se comprometia a jogar apenas pelos leões em caso de regresso a Portugal.
 
Na Andaluzia, porém, viveu problemas de salários em atraso. “No hay diñero, no hay portero”, chegou a dizer à imprensa espanhola.
 
Seguiram-se dois anos no Oviedo antes de voltar a Portugal em 1961. Deveria ter regressado ao Sporting e chegou mesmo a disputar um jogo particular na baliza leonina, mas faltou o acordo entre os clubes e também entre o emblema de Alvalade e o guarda-redes, que exigiu ser o mais bem pago do plantel. Os dirigentes sportinguistas recusaram e Carlos Gomes ameaçou assinar pelo Salgueiros, no que se suspeitava ser apenas um ponto de passagem para o Benfica, pelo que o Sporting acabou por despachá-lo para o Atlético.
 
 
Por essa altura, o guardião barreirense tinha três negócios: uma bomba de gasolina, uma leitaria e uma loja de fotografia. Por necessitar de ajuda, colocou um anúncio num jornal à procura de um empregado e apareceu-lhe uma rapariga, que no dia seguinte o acusou de violação na mata do Jamor.
 
Carlos Gomes alegou que os dirigentes do Sporting lhe haviam armado uma cilada em conluio com a PIDE, com a qual havia tido problemas no passado devido a um automóvel estacionado numa área reservada a funcionários daquela polícia e por ter troçado de Santos Costa, ministro da Guerra, quando este discursava numa cerimónia da seleção militar de futebol.
 
O guarda-redes começou então a preparar a sua fuga de Portugal e fê-lo a 21 de janeiro de 1962, dia de Atlético-Vitória de Guimarães. Alertado para a presença de agentes da autoridade na Tapadinha a fim de o levar para interrogatório no final do jogo, traçou um plano. “Para não levantar suspeitas, concentrei-me com a equipa. Tentaria não só fazer um belo jogo, como teria de lesionar-me, porque, enquanto durasse a cura, não haveria suspeitas e ganharia dias preciosos. Não fiz um jogo extraordinário, mas lesionei-me como previsto, logo antes do intervalo…”, contou na autobiografia Jogo da Vida.
 
O intervalo durou mais do que o habitual. Na reentrada em campo do Atlético, não se vislumbrava Carlos Gomes, que se meteu na bagageira de um automóvel em direção à fronteira com Espanha. Do país vizinho apanhou um barco para Tânger, em Marrocos, onde obteve o estatuto de refugiado político e prosseguiu a carreira de futebolista ao serviço do Ittihad Tanger.
 
Depois tornou-se treinador, tendo trabalhado nessa função na Argélia e na Tunísia.
 
Mais tarde radicou-se em Espanha, onde montou negócios, tendo regressado a Portugal somente em 1983.
 
Polémico até à ponta dos cabelos, nem conseguiu evitar lançar umas farpas quando lhe questionaram o porquê de jogar vestido de preto: “Enquanto o futebol português estiver entregue aos doutores, estou de luto.”
 
Viria a morrer a 17 de outubro de 2005, aos 73 anos.






  

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