quinta-feira, 8 de maio de 2025

O carimbo mais polémico do futebol português. Quem se lembra do Caso N’Dinga?

Carimbo falso de N'Dinga indignou os adeptos da Académica
N’Dinga é um jogador marcante na história do Vitória de Guimarães. Internacional pelo antigo Zaire, atual República Democrática do Congo, é ainda hoje o futebolista com mais jogos pelos vimaranenses na I Divisão: 285.
 
Em 1986 jogava no Vita Club, do seu país, e tinha tudo encaminhado para jogar no Nice, mas o empresário português Valter Ferreira desviou-o para a Cidade-Berço, tendo fugido de barco durante a noite para o Congo-Brazzaville, de onde voou para Portugal. “Dissemos logo que não havia problema. E ainda bem que ficámos, o Vitória foi das melhores coisas que me aconteceu na vida”, contou ao Maisfutebol em julho de 2020.
 
No Dom Afonso Henriques encontrou dois compatriotas, Basaúla e Monduone N’Kama, e primou sempre por uma grande regularidade, ao ponto de em 1990-91 ter atuado nas 38 jornadas do campeonato.
 
 
Antes, no final da temporada 1987-88, nasceu o Caso N’Dinga. O Vitória fechou o campeonato dessa época com 33 pontos e conseguiu a permanência, ao passo que a Académica, com igual número de pontos, desceu à II Divisão, devido ao critério de desempate que era o confronto direto.
 
Para essa vantagem vimaranense, muito contribuiu o 3-0 em Guimarães na 34.ª jornada, no qual foi utilizado N’Dinga. A Académica queixou-se à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) que o jogador estava irregularmente inscrito, falando num carimbo falso.
 
As queixas dos estudantes caíram em saco roto, apesar de a novela se ter arrastado durante todo o verão de 1988, mas o caso voltou à baila oito anos depois. António Oliveira, que na temporada 1987-88 orientou tanto o Vitória de Guimarães (entre outubro de 1987 e março de 1988) como a Académica (entre março e junho de 1988), decidiu abrir a boca a 9 de outubro de 1996 numa altura em que já era treinador do FC Porto, numa conversa com jornalistas que considerava ser off the record.
 
Capa do Record de 23 de outubro de 1996
O problema foi que o Record decidiu contar tudo, tintim por tintim, na edição de 23 de outubro de 1996, que vendeu 200 mil exemplares. Na capa, as palavras de Oliveira: “Estive na maior fraude do futebol.”
 
“Desce-se um clube de divisão, desgraça-se uma instituição, porque um gajo se lembrou de fazer uma artimanha com um carimbo? (...) Então e eu ando aqui a dormir? Eu não estive dos dois lados? Eu estou metido num processo em dois lados, que é a maior fraude do futebol, com prejuízos gravíssimos, e chego ao outro lado e nem uma palavra. Calei-me que nem um rato”, podia ler-se no interior do jornal.
 
“O carimbo do N´Dinga custou-me uns milhares de dólares, está no meu cofre, vendido pelo senhor Valter Ferreira. Tenho-os todos na mão”, afirmou Oliveira nessa conversa, citado em cinco páginas de declarações.
 
Sete dos oito jornalistas que presenciaram as declarações do treinador consideraram as mesmas protegidas por um acordo de confidencialidade, mas o oitavo, Vítor Pinto (Record), disse haver interesse público na divulgação da conversa, tendo transcrito todo o diálogo ipsis verbis.
 
Oliveira ainda chegou a negar ter conversado com quem quer que fosse e até disse que desconhecia se estava em Portugal no tal dia 9 de outubro, mas já com todo o diálogo publicado mudou o discurso e foi à RTP afirmar que não havia autorizado a divulgação das suas palavras e que tinha pedido a todos os jornalistas que desligassem os gravadores.
 
Apesar da situação, Oliveira mostrou-se bem-humorado quando apareceu numa conferência de imprensa do FC Porto: “Tinha pensado em pedir uma revista pormenorizada a todos os membros da imprensa, mas lembrei-me que esta conversa seria em on.” No mesmo dia, 25 de outubro, Pinto da Costa ameaçou fechar as portas do Estádio das Antas aos jornalistas “filhos da PIDE”.
 
Indignação dos adeptos da Académica visou Oliveira
A Académica, que foi recorrendo a várias instâncias, queixou-se à Procuradoria-Geral da República e à FPF por danos desportivos e patrimoniais. Já o Vitória ameaçou processar Oliveira se este não mostrasse o carimbo, tal como o empresário Valter Ferreira. Mas nada disto foi avante.
 
O caso só foi encerrado em julho de 2003, quando a Académica perdeu o processo por o Supremo Tribunal da Relação ter aceitado o recurso apresentado pela FPF, ficando assim sem direito a uma indemnização de cerca de 3,5 milhões de euros.
 
A polémica despoletou ainda uma rivalidade entre Vitória e Académica, que só foi encerrada quando no verão de 2007 quando os então presidentes, Emílio Macedo e José Eduardo Simões, enterraram o machado de guerra com uma sardinhada após um jogo de pré-época.





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