quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

“E, já agora, quanto ganhas tu?”. Recorde a polémica entre o reforço benfiquista Futre e Manuela Moura Guedes

Manuela Moura Guedes entrevistou Futre à distância em janeiro de 1993
Deu muito que falar a transferência de Paulo Futre do Atlético Madrid para o Benfica em janeiro de 1993. Em primeiro lugar, porque estava tudo acertado para um regresso ao Sporting, mas Sousa Cintra deixou o jogador pendurado. Depois, pela verba astronómica que os encarnados, então presididos por Jorge de Brito, pagaram aos colchoneros: o equivalente a 3,5 milhões de euros… a pronto! Nunca um clube português havia contratado um futebolista por tanto dinheiro.
 
A 25 de janeiro, a notícia da nova aquisição levou os benfiquistas à euforia. “A partir do momento em que cheguei a Lisboa, tudo o que se passou foi uma loucura. Centenas de pessoas no aeroporto, cinco mil adeptos no meu primeiro treino e 80 mil na apresentação (foi em dia de jogo e subi ao relvado acompanhado por Eusébio e Jorge de Brito). Já tinha ouvido o meu nome ser cantado em muitos estádios, por muitos milhares de adeptos, mas nunca num tão grande como o Estádio da Luz”, recordou no livro El Portugués.
 
 
A comunicação social também queria ter direito a declarações de Futre, tendo ficado decidido que entraria em direto no Telejornal da RTP para ser entrevistado à distância por Manuela Moura Guedes.
 
Durante a conversa, e numa altura em que muito se rumorava sobre o salário que o extremo ia auferir na Luz – falava-se em 30 mil contos mensais (150 mil euros) –, a jornalista começou a puxar o tema.  “Quanto dinheiro vai ganhar para o Benfica?”, perguntou.  “O tema financeiro para mim é secundário. Fala-se em 30, 40, 50, 10 mil, em muitas cifras, o que é mentira”, respondeu o jogador. “Então qual é a verdade?”, insistiu Moura Guedes. “30 mil? É mentira!”. “Então quanto é que é?”. “O que eu te posso dizer é que num ano em Madrid ganhava mais do que nestes quatro anos [de contrato] aqui no Benfica.”. “Porque é que os futebolistas escondem tanto a verba que ganham todos os meses? Uma questão de fisco? De impostos?”. “De personalidade. Mas é secundário, podia-me retirar. O mais importante é conseguir sair de Madrid e vir para o Benfica. É um orgulho para mim.”. “Mas é uma verba muito elevada para o Benfica… e isso também conta”, voltou à carga a jornalista. “É uma pergunta que terá de fazer ao presidente do Benfica”, chutou para canto Futre. “A verdade é que você não viria do Atlético Madrid para o Benfica se não viesse ganhar também muito dinheiro…”, insistiu Moura Guedes. “É secundário!”. “O que é que, então, é principal?”. “Pareço um miúdo de 19, 20 anos com a ilusão de quando eu, por exemplo, comecei a jogar no Sporting ou fui para o FC Porto. O meu ciclo em Madrid terminou, cinco anos e meio já está bem. É uma nova aventura”, ripostou o jogador.
 
Às tantas, durante uma parte da entrevista que não está disponível no arquivo virtual da RTP, Futre perdeu a paciência quando confrontado com os rumores dos 30 mil contos mensais e contra-atacou. “Disseram-te? Mas como é que sabes? Porque te disseram? E, já agora, quanto ganhas tu?”, perguntou. “Ganho 300 contos [1500 euros] por mês”, respondeu a jornalista. “Mas também me disseram que ganhavas muito mais”, ripostou o jogador, antes de a entrevista ser dada como concluída por Manuela Moura Guedes: “Obrigado, Paulo Futre. Boa noite.”
 
 
Futre esclareceu no seu livro autobiográfico, publicado em maio de 2011, que foi para o Benfica ganhar “cerca de metade” dos “tão falados” 30 mil contos, mas que ainda assim “era o jogador mais bem pago do futebol português”. Já o atrito com Manuela Moura Guedes ficou resolvido ainda durante o ano de 1993, através de uma conversa telefónica entre ambos.
 
Mas a polémica da contratação de Futre pelo Benfica não se havia esgotado. Poucos dias após ter sido apesentado, o primeiro-ministro Cavaco Silva comunicou ao país a demissão de todo o conselho de administração da RTP “em função do processo de transferência de Paulo Futre para o Benfica”. Porquê? Porque o dinheiro que o Benfica utilizou para pagar ao Atlético Madrid foi adiantado pela estação pública, ou seja, pelos contribuintes. Os encarnados usaram o contrato dos direitos de transmissão dos jogos para pedir verbas adiantadas, o que foi aceite, uma decisão que o conselho de administração da RTP não tinha legitimidade para tomar. Só nessa comunicação de Cavaco Silva é que Futre soube da origem do dinheiro. 



 




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