“E, já agora, quanto ganhas tu?”. Recorde a polémica entre o reforço benfiquista Futre e Manuela Moura Guedes
Manuela Moura Guedes entrevistou Futre à distância em janeiro de 1993
Deu muito que falar a
transferência de Paulo
Futre do Atlético
Madrid para o Benfica
em janeiro de 1993. Em primeiro lugar, porque estava tudo acertado para um
regresso ao Sporting,
mas Sousa
Cintra deixou o jogador pendurado. Depois, pela verba astronómica que os encarnados,
então presididos por Jorge de Brito, pagaram aos colchoneros:
o equivalente a 3,5 milhões de euros… a pronto! Nunca um clube português havia
contratado um futebolista por tanto dinheiro.
A 25 de janeiro, a notícia da
nova aquisição levou os benfiquistas
à euforia. “A partir do momento em que cheguei a Lisboa, tudo o que se passou
foi uma loucura. Centenas de pessoas no aeroporto, cinco mil adeptos no meu
primeiro treino e 80 mil na apresentação (foi em dia de jogo e subi ao relvado
acompanhado por Eusébio
e Jorge de Brito). Já tinha ouvido o meu nome ser cantado em muitos estádios,
por muitos milhares de adeptos, mas nunca num tão grande como o Estádio
da Luz”, recordou no livro El Portugués.
A comunicação social também
queria ter direito a declarações de Futre,
tendo ficado decidido que entraria em direto no Telejornal da RTP
para ser entrevistado à distância por Manuela Moura Guedes. Durante a conversa, e numa altura
em que muito se rumorava sobre o salário que o extremo
ia auferir na Luz
– falava-se em 30 mil contos mensais (150 mil euros) –, a jornalista começou a
puxar o tema. “Quanto dinheiro vai
ganhar para o Benfica?”,
perguntou. “O tema financeiro para mim é
secundário. Fala-se em 30, 40, 50, 10 mil, em muitas cifras, o que é mentira”,
respondeu o jogador. “Então qual é a verdade?”, insistiu Moura Guedes. “30 mil?
É mentira!”. “Então quanto é que é?”. “O que eu te posso dizer é que num ano em
Madrid ganhava mais do que nestes quatro anos [de contrato] aqui no Benfica.”.
“Porque é que os futebolistas escondem tanto a verba que ganham todos os meses?
Uma questão de fisco? De impostos?”. “De personalidade. Mas é secundário, podia-me
retirar. O mais importante é conseguir sair de Madrid e vir para o Benfica.
É um orgulho para mim.”. “Mas é uma verba muito elevada para o Benfica…
e isso também conta”, voltou à carga a jornalista. “É uma pergunta que terá de
fazer ao presidente do Benfica”,
chutou para canto Futre.
“A verdade é que você não viria do Atlético
Madrid para o Benfica
se não viesse ganhar também muito dinheiro…”, insistiu Moura Guedes. “É
secundário!”. “O que é que, então, é principal?”. “Pareço um miúdo de 19, 20
anos com a ilusão de quando eu, por exemplo, comecei a jogar no Sporting
ou fui para o FC
Porto. O meu ciclo em Madrid terminou, cinco anos e meio já está bem. É uma
nova aventura”, ripostou o jogador. Às tantas, durante uma parte da
entrevista que não está disponível no arquivo
virtual da RTP, Futre
perdeu a paciência quando confrontado com os rumores dos 30 mil contos mensais
e contra-atacou. “Disseram-te? Mas como é que sabes? Porque te disseram? E, já
agora, quanto ganhas tu?”, perguntou. “Ganho 300 contos [1500 euros] por mês”,
respondeu a jornalista. “Mas também me disseram que ganhavas muito mais”,
ripostou o jogador, antes de a entrevista ser dada como concluída por Manuela Moura
Guedes: “Obrigado, Paulo
Futre. Boa noite.”
Futre
esclareceu no seu livro autobiográfico, publicado em maio de 2011, que foi para
o Benfica
ganhar “cerca de metade” dos “tão falados” 30 mil contos, mas que ainda assim “era
o jogador mais bem pago do futebol português”. Já o atrito com Manuela Moura
Guedes ficou resolvido ainda durante o ano de 1993, através de uma conversa
telefónica entre ambos. Mas a polémica da contratação de Futre
pelo Benfica
não se havia esgotado. Poucos dias após ter sido apesentado, o primeiro-ministro
Cavaco Silva comunicou ao país a demissão de todo o conselho de administração
da RTP “em função do processo de transferência de Paulo
Futre para o Benfica”.
Porquê? Porque o dinheiro que o Benfica
utilizou para pagar ao Atlético
Madrid foi adiantado pela estação pública, ou seja, pelos contribuintes. Os
encarnados
usaram o contrato dos direitos de transmissão dos jogos para pedir verbas
adiantadas, o que foi aceite, uma decisão que o conselho de administração da RTP
não tinha legitimidade para tomar. Só nessa comunicação de Cavaco Silva é que Futre
soube da origem do dinheiro.
Sem comentários:
Enviar um comentário