Artur Marques é uma figura emblemática da Ovarense |
Há quem o conheça como o “Artur
da Ovarense”,
por ter feito no emblema
de Ovar grande parte da formação e do seu percurso como futebolista
profissional. Por amor ao clube, rejeitou propostas para jogar na I
Liga e, já como treinador, dirigiu os vareiros nos campeonatos distritais
da Associação de Futebol de Aveiro depois de ter orientado a Oliveirense
na II
Liga.
Em entrevista, o antigo médio
recorda a época em que foi companheiro de equipa de Sérgio
Conceição nos juniores do FC
Porto e as passagens por Oliveirense,
União Micaelense e Avanca.
RUI COELHO - O Artur representou vários clubes durante a sua carreira
de jogador, mas fez grande parte da formação e do seu percurso no futebol
profissional na Ovarense,
clube no qual já veio a trabalhar como treinador. É justo falar de si como o
“Artur da Ovarense”?
ARTUR - Sim, tenho 20 anos de Ovarense
e por acaso dei uma entrevista em que o título era “o Artur da Ovarense”.
É evidente que tenho uma grande relação com o clube, e que me veem como uma
figura e um ídolo da terra e do clube e fico imensamente feliz, porque
concretizei um sonho de criança que era jogar no clube da minha terra e sinto
muito orgulho na carreira que fiz com essa camisola.
O Artur passou pelos juniores do FC
Porto, foi o rosto dos anos dourados da Ovarense
e ainda jogou na II
Liga ao serviço da Oliveirense.
Que balanço faz da sua carreira?
Fui um felizardo em poder fazer o
que mais gostava e ser profissional de futebol. Só me faltou jogar na I
Liga, tenho muitos anos de II
Liga quer como jogador quer como treinador, na Ovarense
tive uma carreira fantástica e sou o jogador com mais jogos na II
Liga pelo clube.
A Oliveirense
foi um clube que me acolheu de braços abertos e onde tive anos maravilhosos. Estarei
eternamente grato, acabei lá a minha carreira, acabei por ficar na estrutura do
clube como treinador adjunto e mais tarde como principal.
A única mágoa que levarei comigo
é não ter acabado a carreira na Ovarense.
Voltemos atrás no tempo. Nasceu em Ovar e começou a jogar futebol na Ovarense.
Como foi a sua infância e como é que a bola entrou na sua vida?
Sou do Furadouro e na década de 1980
eu ia sempre com o meu pai de bicicleta para ir ver a Ovarense,
que na altura jogava na antiga III Divisão, tinha eu 10 anos e não falhava um
jogo em casa - a minha paixão pelo clube era e é enorme - e quando a Ovarense
abriu as captações eu e os meus amigos do Furadouro íamos a pé para Ovar para
treinar e foi aí que tudo começou. Tive uma infância fantástica, em que tudo
era brincadeira de rua, ao contrário dos tempos de hoje, passava horas e horas
na rua a jogar à bola e descalço. Passei muito tempo na praia, os meus pais
eram pescadores. Da minha casa à praia era só atravessar a estrada. Eram tempos
únicos, que nos deixam muitas recordações e saudades.
“Sérgio Conceição era muito resmungão já nos juniores do FC Porto”
Em 1992-93 jogou nos juniores do FC
Porto ao lado de jogadores como Hilário e Sérgio
Conceição. Como correu essa experiência?
Sim, fomos campeões nacionais com
o saudoso Costa Soares. Foi uma experiência enriquecedora não só com o Sérgio
e o Hilário, que foram os dois que acabaram por ter uma grande carreira
internacional, mas também jogava nessa equipa Bock (grande avançado merecia
outros palcos), Romeu, Rui Óscar, Mariano, Madureira, Artur Alexandre, Avelino (guarda-redes),
Edgar, Carlos Filipe, Pedro Moreira e Nilton. Conhecer outra realidade e outra
cultura e sair da minha zona de conforto fez-me crescer como homem e como
jogador.
Conheceu Sérgio
Conceição quando ele ainda era muito jovem. Como era o atual treinador do FC
Porto na altura? Já se notava a personalidade vincada e a azia acentuada na
hora da derrota?
Sim, sim. Tinha um temperamento
nada fácil, era muito resmungão. Já na altura tinha uma
personalidade muito forte e já era um líder por natureza, sabia o que queria. Era
um craque!
O Artur fez parte dos anos dourados da Ovarense
durante as décadas de 1990 e 2000. Que memórias guarda desses tempos? Quais
foram os melhores momentos que viveu?
Tempos fantásticos. Pertencer à
história deste clube, por onde passaram campeões do mundo, campeões europeus e
campeões nacionais da I
Liga, a minha estreia nos seniores, o meu primeiro golo (na Madeira com o Nacional),
ter sido campeão nacional da II Divisão e subir à II
Liga, as excelentes épocas na II
Liga e ter partilhado o balneário com jogadores fantásticos que por cá
passaram e com os quais fiz amizades para a vida foram os melhores momentos. Os
jogos no Marques da Silva eram sempre especiais.
“Tive a possibilidade de jogar na I Liga, mas renovei pela Ovarense”
Artur com a camisola vareira na década de 1990 |
O Artur acabou por nunca se ter estreado na I
Liga. Alguma vez houve essa possibilidade?
Sim, houve a possibilidade de
sair para a Naval e mais tarde o Penafiel,
mas a direção, quando soube do interesse a meio da época, propôs-me a renovação
do contrato e sinceramente nem hesitei e acabei por renovar e não me arrependo
de nada, se fosse hoje voltava a fazer o mesmo.
Era no meu clube que queria estar, não me imaginava com outra camisola e
acalentava o sonho de jogar na I
Liga com a Ovarense.
Se não houvesse os problemas financeiros, penso que em 2004-05 estava tudo
preparado para atacarmos a subida e tenho a certeza que iríamos conseguir, na
altura subiam três equipas. Andámos sempre nos três primeiros lugares até que surgiram
os problemas e infelizmente foi tudo por água abaixo.
No início de 2006 terminou a sua ligação à equipa
vareira, que iniciou nessa altura uma queda a pique na hierarquia do
futebol português. Como viu a queda do clube e, na sua opinião, o que a
motivou?
Foi muito duro, depois de tantos
anos assistir à queda do meu clube… Nem nos meus piores pesadelos pensei que alguma
vez iria passar pelo que passei, foi a maior tristeza e mágoa que tive na minha
carreira. O motivo é público, problemas financeiros que dificilmente seriam
resolvidos, foi um rude golpe ainda hoje dói só de pensar! Ao fim de 17 anos e
deixar tudo para trás, vocês nem queiram imaginar.
Por outro lado, como tem visto este renascimento do futebol sénior da Ovarense?
Renascimento esse que já contou com a participação do Artur…
Depois de um interregno houve uma
direção que teve a coragem de fazer renascer o futebol, sabendo de antemão dos
problemas existentes. Quando saí da Oliveirense,
passado uns tempos abri o meu negócio
e tinha decidido abdicar do futebol profissional e foi precisamente nessa
altura que Paulo Campino, Rui Teles e Teixeirinha me desafiaram para regressar
e tentar colocar o clube na I Distrital. Aceitei o desafio, muita gente me
chamou de maluco, que não o devia de fazer, pois ia da II
Liga para os distritais, mas penso que estava na hora de ajudar o meu clube
e acordar este monstro adormecido e envolver a cidade com o clube. Isso foi
conseguido aos poucos e neste momento o clube está no caminho certo, traçou um
rumo, tem uma nova direção com ideias bem vincadas do que pretende para o clube
e espero que daqui para a frente o clube volte com passos sustentados aos
patamares nacionais.
“Meio ano na União Micaelense? Não gostei muito”
Após deixar a Ovarense
rumou à União Micaelense. Como correu esse meio ano nos Açores?
Sinceramente, não gostei muito. Depois
de tantos anos na Ovarense
e acabar essa ligação como acabou, precisava de um desafio longe de casa até
para limpar a cabeça, mas ir sem a família custou imenso, vinha jogar ao
continente de 15 em 15 dias, ficava cá um dia e depois tinha que voltar. Também
encontrei muito amadorismo no clube, era pouco organizado. Se fosse hoje, era
das poucas coisas que me fariam voltar atrás. Não iria.
“Adorei estar no Avanca”
No verão de 2006 voltou para território continental para ingressar no
Avanca. Como correu essa aventura?
Adorei estar no Avanca, o clube
tinha acabado de subir à II Divisão B e acolheram-me de braços abertos. É um
clube muito familiar, com umas condições de trabalho fantásticas, um plantel
muito jovem, mas com qualidade, uma equipa técnica top (mister Nazi, prof.
Nuno, Coelho, Zequinha) excelentes diretores. Fiz uma época excelente,
garantimos a permanência na II Divisão B e só tenho que estar grato ao Avanca,
que me proporcionou condições para que eu pudesse voltar a outros patamares.
“A Oliveirense é um enorme clube, passei lá anos maravilhosos”
Artur passou três anos na Oliveirense |
Um ano depois assinou pela Oliveirense,
clube pelo qual voltou a jogar na II
Liga. Que balanço faz dos anos que passou na equipa
de Oliveira de Azeméis e como viveu a subida ao segundo escalão?
Quando o Pedro Miguel, que já
tinha trabalhado comigo na Ovarense,
me convidou, nem hesitei. Eu queria muito voltar ao profissionalismo e a Oliveirense
tinha como objetivo a subida à II
Liga. E que grande temporada nós
fizemos, estivemos cerca de oito meses sem uma única derrota, fomos campeões
nacionais e tínhamos um balneário do melhor que apanhei no futebol. A Oliveirense
é um enorme clube, uma grande instituição, passei lá anos maravilhosos, voltei
a jogar na II
Liga e infelizmente tive uma grave lesão que me obrigou a terminar a
carreira já com 35 anos. Também estivemos com um pé na I
Liga, mas infelizmente não aconteceu. Não esqueço o gesto do clube e dos
meus colegas pela homenagem que me prestaram na minha despedida como profissional
de futebol. São gestos que nos marcam para a vida.
Além da Ovarense,
imaginamos que tenha um carinho especial pela Oliveirense…
Claro que a Oliveirense
terá sempre um espaço no meu coração, foram muitos anos a representar o clube e
tenho uma gratidão enorme por toda a gente. Vivi lá anos fantásticos, deram-me
a oportunidade de fazer parte da estrutura técnica e é um privilégio fazer
parte da história dessa enorme instituição. Continuo sempre acompanhar a Oliveirense
e quero o melhor para o clube.
Propomos-lhe um desafio. Elabore um onze ideal de jogadores com os
quais jogou.
Certamente vou ser injusto com
alguns, pois dava para fazer três ou quatro equipas, mas vou fazer um onze e
depois mais alguns que podiam entrar nesse onze. Guarda-redes: Mingote;
Defesas: Zé Gomes, Armando Santos, Banjai, Evilar e Valdir; Médios: Hélder
Vasco, Pedro Cervantes e Zé Pedro; Avançados: Miguel Bruno e Nei. Mas faço
menção honrosa aos guarda-redes Serrão e Rui Barbosa e outros jogadores como
Marco Abreu, Laranjeira, Oliveira, Godinho, Leandro Neto, Hélder Sousa, Éder,
Lobo, Areias, Luís Coentrão, Paulo Teixeira, Carlos Marques e muitos outros que
não vou mencionar porque senão isto nunca mais acabava. Não coloquei jogadores
com os quais joguei na formação, só futebol sénior.
O dia em que o treinador chorou no balneário
Artur enquanto treinador da Oliveirense |
E que treinadores mais o marcaram? Tem histórias engraçadas com alguns
deles que nos possa contar?
Sim, desde Bruno Cardoso, Joaquim
Teixeira, Fanã, o espanhol Fabri Gonzalez, Pedro Miguel, Frasco, Manuel
Fernandes, Mazzola e Nazi, todos me marcaram pela positiva, aprendi com todos
eles e tive sempre boa relação com todos.
Histórias há muitas, mas vou
destacar um episódio que aconteceu jogava no Avanca, com o mister Nazi, um
grande homem e um grande ser humano, do melhor que apanhei no futebol. Houve um
momento da época em que as coisas não estavam a correr bem e num intervalo de
um jogo estávamos a perder e o homem no balneário perante os jogadores chorava
baba e ranho quando falava. Incrível, aquilo mexeu comigo, pois com tantos anos
de futebol profissional nunca tinha visto algo assim. Eu baixei a cabeça e só
pensava que tínhamos que ajudar o homem. É um homem fantástico, mesmo puro! Era
incapaz de dar um berro aos jogadores. Um abraço para ele.
Após encerrar a carreira de jogador, iniciou a de treinador. Como tem
estado a correr e o que se tem passado para não treinar nenhuma equipa desde
que deixou a Ovarense
em 2019?
Neste momento não treino por
opção. Já tinha decidido antes de terminar a época que iria parar porque neste
momento o trabalho ocupa-me muito tempo e o tempo é curto, daí ter optado por
me afastar e não querer voltar ao futebol, apesar de às vezes sentir a falta da
pressão do jogo, do treino e do balneário, mas são decisões que tinham que ser
tomadas e sinceramente não estou arrependido.
Como treinador, o Artur começou na condição de adjunto de Pedro Miguel
e depois de João de Deus. O que mais gostou da forma de treinar de cada um?
Tive a sorte no início da minha
carreira ter estes dois belíssimos treinadores. Do Pedro destaco o líder que
ele é, impõe-se facilmente perante o grupo, é um homem de trato fácil, muito
próximo dos jogadores, taticamente muito forte, sempre com as suas equipas
muito bem organizada. Também aprendi muito com o João, é um estudioso, com uma
metodologia de treino top, que os
jogadores adoravam. Estudava os adversários ao pormenor, tinha uma ambição
incrível e consegue ter o grupo com ele, é um líder nato.
Enquanto treinador, que características gosta que as suas equipas
tenham?
Hoje em dia, toda a gente no
futebol moderno gosta de jogar em posse e eu não fujo à regra, mas gosto que as
minhas equipas sejam muito objetivas ofensivamente na procura do golo,
defensivamente fortes, agressivas na recuperação da bola, ou seja, um coletivo
forte e equilibrado.
Entrevista realizada por Rui Coelho
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