quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Como Futre ajudou Florentino Pérez a tornar-se presidente do Real Madrid e contratar Figo

Figo transferiu-se para o Real Madrid no verão de 2000
Nos meses que antecederam as eleições para os órgãos sociais do Real Madrid no verão de 2000, tudo apontava para a reeleição de Lorenzo Sanz, até porque os merengues tinham acabado de vencer a oitava Liga dos Campeões, dois anos após conquistar a sétima, depois de um jejum de quase 50 anos. Foi o próprio Sanz, que até tinha mais um ano de mandato, que decidiu marcar eleições antecipadas para reforçar a sua posição dentro do clube.
 
Mas essa decisão tornou-se num improvável passo em falso. Apesar da pujança desportiva, havia um homem altamente descontente com a gestão financeira de Sanz, que tinha arrastado o clube para um passivo que ultrapassava os 300 milhões de euros. E esse homem era Florentino Pérez, um desconhecido, mas muito bem-sucedido empresário do ramo da construção, que era o presidente e o principal acionista do grupo ACS.
 
Florentino, através do agente de jogadores Santos Marques, que tinha a alcunha de “Gordo”, pediu ajuda a uma lendária figura do Atlético de Madrid, Paulo Futre. Numa reunião a três, Santos Marques explicou: “Este homem só vai para a frente com uma condição: este homem só pode ganhar as eleições se levar o Luís Figo para o Real Madrid. E tu és a única pessoa no mundo que pode conseguir isto. A única.”
 
Na altura, Figo era um dos melhores jogadores do mundo e capitão e grande símbolo do grande rival dos merengues, o Barcelona. A sua contratação seria uma estocada no coração dos adeptos catalães e, consequentemente, a única possibilidade de os sócios do Real Madrid mudarem a intenção do seu voto. Ainda por cima, durante o período pré-eleitoral o número 7 da seleção portuguesa estava a brilhar no Euro 2000.
 
 
Os argumentos eram bons, mas Futre desconfiou. “Você acaba de me dizer que o Real Madrid está com dificuldades económicas. Sendo assim, quem vai pagar ao Barcelona a cláusula de rescisão do Figo no valor de 60 milhões de euros, a pronto, mais IVA? Quem vai fazer isto de uma tirada?”, questionou. “Eu. E posso mostrar todos os avales e garantias que tu e o Figo queiram ver”, respondeu Florentino.
 
Futre, compatriota e antigo companheiro de seleção de Figo, colocou o agente do então capitão do Barcelona, José Veiga, em campo. Telefonou-lhe, explicou-lhe tudo e terminou com a seguinte frase: “Este homem só ganhará as eleições do Real Madrid se tiver o Figo.”
 
Veiga questionou a sanidade mental de Futre e desligou a chamada, mas o montijense fingiu, perante Florentino e Santos Marques, que ainda estava em linha, simulando uma discussão sobre a comissão da transferência.
 
E foi pegando precisamente numa eventual comissão avultada que Futre voltou a abordar Veiga posteriormente, prometendo-lhe três milhões de euros. Veiga lá aceitou reunir com Florentino e rapidamente houve química entre os dois, que chegaram a acordo.
 
 
Faltava então convencer Figo, que na altura até andava muito descontente com o presidente do Barcelona, Joan Gaspar, uma vez que não estava entre os jogadores mais bem pagos do plantel apesar do estatuto que tinha e de aguardar há muito uma revisão salarial. Porém, seria tremendamente difícil convencê-lo a mudar-se para o Real Madrid, tendo em conta que era uma decisão que colocava em perigo de vida o próprio e a família. Mas Figo, convencido por Futre, concordou: “Paulinho, vamos para a luta, meu amigo.”
 
No dia seguinte a esta conversa entre os internacionais portugueses, Veiga foi para Madrid para tratar da formalização do contrato, tendo assinado como agente FIFA e representante do jogador. Florentino assinou, mas o acordo só seria válido se ele ganhasse as eleições, com o empresário a proteger-se numa das cláusulas: caso ganhasse e Figo renunciasse à transferência, o Real Madrid teria de receber 30 milhões de euros.
 
Um dia depois, Florentino apresentou a sua candidatura, mas sem mencionar Figo, não colhendo muito interesse por parte da imprensa, à exceção do diário desportivo Marca. Essa era uma bomba para largar mais perto do ato eleitoral. Até lá, Futre e Santos Marques levaram a cabo uma manobra de distração, uma suposta tentativa da contratação de Zidane por parte do Real Madrid, que na altura pertencia à Juventus.
 
Entretanto, chegou o Dia D. Ou melhor, o Dia F: de Florentino e Figo. O empresário convocou a conferência de imprensa que haveria de mudar o rumo das eleições e o futuro do Real Madrid: “Se ganhar as eleições, Luís Figo vai ser jogador do Real Madrid. E se eu for presidente, e ele recusar, vai ter de pagar as quotas de todos os sócios durante um ano.” Após esta frase, levantou o contrato e mostrou a cláusula dos 30 milhões de euros.
 
 
O anúncio fez eco em todo o planeta, numa altura em que Figo passava férias com a família no Algarve, o que levou meios de comunicação social de todo o mundo a enviar jornalistas para o sul de Portugal. O craque da seleção nacional e (ainda) do Barcelona começou a ficar inquieto e nervoso, não só pelas ameaças de morte que tinha começado a receber, mas também pelo receio de entrar no balneário do Real Madrid, onde estavam seus adversários de inúmeras batalhas. Ainda por cima, Figo havia protagonizado um momento polémico dois anos antes, ao entoar o cântico “Brancos, chorões, felicitem os campeões” durante os festejos da conquista do título espanhol por parte do Barça, em 1997-98, na câmara municipal de Barcelona.
 
 
Nos dias que se seguiram, Figo mostrou sinais de arrependimento. O Sport publicou uma entrevista onde o jogador aparece de camisola do Barcelona com a seguinte frase: “Nunca vestirei a camisola do Real Madrid.” Esta declaração causou alvoroço entre Florentino, Veiga, Santos Marques e Futre, com o antigo craque do Atlético Madrid a sugerir uma declaração de Figo ao diretor da Marca para a manchete do dia seguinte: “Se Florentino Pérez ganhar as eleições, nunca se sabe.” Dito e feito. E as eleições voltaram a ficar equilibradas.
 
Porém, Figo voltou a recuar, conforme Veiga informou Futre dias depois: “Paulinho, recebi agora uma chamada do Figo e ele diz que nunca vestirá a camisola do Real Madrid.” A partir dessa altura, Figo deixou de atender o telefone a Futre.
 
Entretanto, Florentino Pérez ganhou as eleições do Real Madrid, a 16 de julho de 2000, mas o cenário parecia mais inclinar-se mais para o pagamento da cláusula dos 30 milhões do que para a concretização da transferência. E José Veiga, que tinha assinado o contrato enquanto agente FIFA, era o que estava mais em apuros.
 
Veiga e Futre viajaram até à Sardenha, onde Figo passava férias, e em lágrimas, depois de muita insistência, convenceram o número 7 da seleção nacional a ir até Lisboa reunir com Florentino Pérez.
 
O recém-empossado presidente do Real Madrid, apesar dos muitos compromissos e de estar salvaguardado com a cláusula dos 30 milhões, compreendeu a angústia de Figo e também acedeu a reunir com ele na capital portuguesa, a pedido de Futre.

 
Em pleno escritório de José Veiga, Florentino apresentou-se pessoalmente ao jogador e falou-lhe do projeto: “Luís, em primeiro lugar quero agradecer-te por tudo. Sem ti, eu não seria presidente. Quero fazer a melhor equipa de sempre. E tu és o melhor do mundo. O Real Madrid precisa do Luís Figo para o seu projeto. És fundamental. Nada será igual se não fores nosso jogador. Prometo-te que farei a melhor equipa do planeta, com os melhores jogadores do mundo. Serás Bola de Ouro e ganharemos a Champions.”
 
Figo ouviu, mas manteve a posição. “Presidente, agradeço a honra do convite, mas não posso ir. Nunca esperei toda esta loucura. Isto atingiu níveis de verdadeira barbaridade e tenho muito medo pela minha família. Compreenda-me, presidente. Desculpe-me, mas não posso ir para o Real”, afirmou.
 
A reunião começou à 1 hora da manhã, mas pelas 6:00 o impasse continuava. Com o dia prestes a nascer, Florentino fez uma pergunta importante para desbloquear a situação, “O que queres para seres jogador do Real Madrid?”, questionou. Do outro lado, uma resposta um tanto ou quanto inesperada: “Quero o Sá Pinto.”
 
O recém-empossado presidente do Real Madrid, pouco conhecedor de jogadores de outras equipas, desconhecia quem era o avançado que na altura pertencia à Real Sociedad. “Quem é esse?”, perguntou. “Presidente, é um ciclista. O que importa?”, soltou Santos Marques. Depois de lhe ser explicado quem era Sá Pinto e a relação de amizade que o unia a Figo, Florentino acedeu, apesar de nunca ter conseguido concretizado a transferência, uma vez que o emblema basco pediu uma verba muitíssimo elevada.

 
Os contratos lá acabaram por ser assinados por volta das 7:30, depois de toda uma madrugada de reunião. Figo acabou por nunca precisar de Sá Pinto, tendo sido muito bem recebido pelo plantel do Real Madrid, e cumpriu a promessa de Florentino: ganhou a Bola de Ouro (2000) e venceu a Liga dos Campeões (2001-02). 







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