Como Futre ajudou Florentino Pérez a tornar-se presidente do Real Madrid e contratar Figo
Figo transferiu-se para o Real Madrid no verão de 2000
Nos meses que antecederam as
eleições para os órgãos sociais do Real
Madrid no verão de 2000, tudo apontava para a reeleição de Lorenzo Sanz,
até porque os merengues
tinham acabado de vencer a oitava Liga
dos Campeões, dois anos após conquistar a sétima, depois de um jejum de
quase 50 anos. Foi o próprio Sanz, que até tinha mais um ano de mandato, que
decidiu marcar eleições antecipadas para reforçar a sua posição dentro do
clube.
Mas essa decisão tornou-se num
improvável passo em falso. Apesar da pujança desportiva, havia um homem
altamente descontente com a gestão financeira de Sanz, que tinha arrastado o
clube para um passivo que ultrapassava os 300 milhões de euros. E esse homem
era Florentino Pérez, um desconhecido, mas muito bem-sucedido empresário do
ramo da construção, que era o presidente e o principal acionista do grupo ACS. Florentino, através do agente de
jogadores Santos Marques, que tinha a alcunha de “Gordo”, pediu ajuda a uma
lendária figura do Atlético
de Madrid, Paulo
Futre. Numa reunião a três, Santos Marques explicou: “Este homem só vai
para a frente com uma condição: este homem só pode ganhar as eleições se levar
o Luís Figo para o Real
Madrid. E tu és a única pessoa no mundo que pode conseguir isto. A única.” Na altura, Figo era um dos
melhores jogadores do mundo e capitão e grande símbolo do grande rival dos merengues,
o Barcelona.
A sua contratação seria uma estocada no coração dos adeptos catalães
e, consequentemente, a única possibilidade de os sócios do Real
Madrid mudarem a intenção do seu voto. Ainda por cima, durante o período
pré-eleitoral o número 7 da seleção
portuguesa estava a brilhar no Euro
2000.
Os argumentos eram bons, mas Futre
desconfiou. “Você acaba de me dizer que o Real
Madrid está com dificuldades económicas. Sendo assim, quem vai pagar ao Barcelona
a cláusula de rescisão do Figo no valor de 60 milhões de euros, a pronto, mais
IVA? Quem vai fazer isto de uma tirada?”, questionou. “Eu. E posso mostrar
todos os avales e garantias que tu e o Figo queiram ver”, respondeu Florentino. Futre,
compatriota e antigo companheiro de seleção de Figo, colocou o agente do então
capitão do Barcelona,
José Veiga, em campo. Telefonou-lhe, explicou-lhe tudo e terminou com a
seguinte frase: “Este homem só ganhará as eleições do Real
Madrid se tiver o Figo.” Veiga questionou a sanidade
mental de Futre
e desligou a chamada, mas o montijense
fingiu, perante Florentino e Santos Marques, que ainda estava em linha, simulando
uma discussão sobre a comissão da transferência. E foi pegando precisamente numa
eventual comissão avultada que Futre
voltou a abordar Veiga posteriormente, prometendo-lhe três milhões de euros. Veiga
lá aceitou reunir com Florentino e rapidamente houve química entre os dois, que
chegaram a acordo.
Faltava então convencer Figo, que
na altura até andava muito descontente com o presidente do Barcelona,
Joan Gaspar, uma vez que não estava entre os jogadores mais bem pagos do
plantel apesar do estatuto que tinha e de aguardar há muito uma revisão
salarial. Porém, seria tremendamente difícil convencê-lo a mudar-se para o Real
Madrid, tendo em conta que era uma decisão que colocava em perigo de vida o
próprio e a família. Mas Figo, convencido por Futre,
concordou: “Paulinho, vamos para a luta, meu amigo.” No dia seguinte a esta conversa
entre os internacionais portugueses, Veiga foi para Madrid para tratar da
formalização do contrato, tendo assinado como agente FIFA e representante do
jogador. Florentino assinou, mas o acordo só seria válido se ele ganhasse as
eleições, com o empresário a proteger-se numa das cláusulas: caso ganhasse e
Figo renunciasse à transferência, o Real
Madrid teria de receber 30 milhões de euros. Um dia depois, Florentino
apresentou a sua candidatura, mas sem mencionar Figo, não colhendo muito
interesse por parte da imprensa, à exceção do diário desportivo Marca. Essa
era uma bomba para largar mais perto do ato eleitoral. Até lá, Futre
e Santos Marques levaram a cabo uma manobra de distração, uma suposta tentativa
da contratação de Zidane
por parte do Real
Madrid, que na altura pertencia à Juventus. Entretanto, chegou o Dia D. Ou
melhor, o Dia F: de Florentino e Figo. O empresário convocou a conferência de
imprensa que haveria de mudar o rumo das eleições e o futuro do Real
Madrid: “Se ganhar as eleições, Luís Figo vai ser jogador do Real
Madrid. E se eu for presidente, e ele recusar, vai ter de pagar as quotas
de todos os sócios durante um ano.” Após esta frase, levantou o contrato e
mostrou a cláusula dos 30 milhões de euros.
O anúncio fez eco em todo o
planeta, numa altura em que Figo passava férias com a família no Algarve, o que
levou meios de comunicação social de todo o mundo a enviar jornalistas para o
sul de Portugal. O craque da seleção
nacional e (ainda) do Barcelona
começou a ficar inquieto e nervoso, não só pelas ameaças de morte que tinha
começado a receber, mas também pelo receio de entrar no balneário do Real
Madrid, onde estavam seus adversários de inúmeras batalhas. Ainda por cima,
Figo havia protagonizado um momento polémico dois anos antes, ao entoar o
cântico “Brancos,
chorões, felicitem os campeões” durante os festejos da conquista do título
espanhol por parte do Barça,
em 1997-98, na câmara municipal de Barcelona.
Nos dias que se seguiram, Figo
mostrou sinais de arrependimento. O Sport publicou uma entrevista onde o
jogador aparece de camisola do Barcelona
com a seguinte frase: “Nunca vestirei a camisola do Real
Madrid.” Esta declaração causou alvoroço entre Florentino, Veiga, Santos
Marques e Futre,
com o antigo craque do Atlético
Madrid a sugerir uma declaração de Figo ao diretor da Marca para a manchete
do dia seguinte: “Se Florentino Pérez ganhar as eleições, nunca se sabe.” Dito
e feito. E as eleições voltaram a ficar equilibradas. Porém, Figo voltou a recuar,
conforme Veiga informou Futre
dias depois: “Paulinho, recebi agora uma chamada do Figo e ele diz que nunca
vestirá a camisola do Real
Madrid.” A partir dessa altura, Figo deixou de atender o telefone a Futre. Entretanto, Florentino Pérez
ganhou as eleições do Real
Madrid, a 16 de julho de 2000, mas o cenário parecia mais inclinar-se mais
para o pagamento da cláusula dos 30 milhões do que para a concretização da transferência.
E José Veiga, que tinha assinado o contrato enquanto agente FIFA, era o que
estava mais em apuros. Veiga e Futre
viajaram até à Sardenha, onde Figo passava férias, e em lágrimas, depois de
muita insistência, convenceram o número 7 da seleção
nacional a ir até Lisboa reunir com Florentino Pérez. O recém-empossado presidente do Real
Madrid, apesar dos muitos compromissos e de estar salvaguardado com a
cláusula dos 30 milhões, compreendeu a angústia de Figo e também acedeu a
reunir com ele na capital portuguesa, a pedido de Futre.
Em pleno escritório de José
Veiga, Florentino apresentou-se pessoalmente ao jogador e falou-lhe do projeto:
“Luís, em primeiro lugar quero agradecer-te por tudo. Sem ti, eu não seria
presidente. Quero fazer a melhor equipa de sempre. E tu és o melhor do mundo. O
Real
Madrid precisa do Luís Figo para o seu projeto. És fundamental. Nada será
igual se não fores nosso jogador. Prometo-te que farei a melhor equipa do
planeta, com os melhores jogadores do mundo. Serás Bola de Ouro e ganharemos a Champions.” Figo ouviu, mas manteve a
posição. “Presidente, agradeço a honra do convite, mas não posso ir. Nunca esperei
toda esta loucura. Isto atingiu níveis de verdadeira barbaridade e tenho muito
medo pela minha família. Compreenda-me, presidente. Desculpe-me, mas não posso
ir para o Real”, afirmou. A reunião começou à 1 hora da
manhã, mas pelas 6:00 o impasse continuava. Com o dia prestes a nascer, Florentino
fez uma pergunta importante para desbloquear a situação, “O que queres para seres
jogador do Real
Madrid?”, questionou. Do outro lado, uma resposta um tanto ou quanto
inesperada: “Quero o Sá
Pinto.” O recém-empossado presidente do Real
Madrid, pouco conhecedor de jogadores de outras equipas, desconhecia quem
era o avançado que na altura pertencia à Real
Sociedad. “Quem é esse?”, perguntou. “Presidente, é um ciclista. O que
importa?”, soltou Santos Marques. Depois de lhe ser explicado quem era Sá
Pinto e a relação de amizade que o unia a Figo, Florentino acedeu, apesar
de nunca ter conseguido concretizado a transferência, uma vez que o emblema
basco pediu uma verba muitíssimo elevada.
Os contratos lá acabaram por ser
assinados por volta das 7:30, depois de toda uma madrugada de reunião. Figo
acabou por nunca precisar de Sá
Pinto, tendo sido muito bem recebido pelo plantel do Real
Madrid, e cumpriu a promessa de Florentino: ganhou a Bola de Ouro (2000) e
venceu a Liga
dos Campeões (2001-02).
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