sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Falta visão a longo prazo às seleções africanas

Seleção africanas nunca chegaram às meias-finais de um Mundial
As imagens da seleção francesa a festejar a conquista do Mundial 2018 ou até mesmo da seleção portuguesa a comemorar a vitória no Euro 2016 refletem uma tendência que ameaça perdurar na história do futebol: a preferência de jogadores africanos ou afrodescendentes pelas seleções dos países europeus que os acolhem, em detrimento dos africanas em que têm raízes.
 
Entre os campeões europeus de 2016 estavam dois jogadores que podiam jogar por Cabo Verde (Eliseu e Nani), dois por Angola (William Carvalho e João Mário), dois pela Guiné-Bissau (Danilo Pereira e Éder) e um por São Tomé e Príncipe (Renato Sanches). Ou seja, sete futebolistas.
 
E entre os campeões mundiais de 2018 estavam três que podiam jogar pela República Democrática do Congo (Mandanda, Kimpembe e Nzonzi), dois pelos Camarões (Umtiti e Mbappé), dois pelo Mali (Sidibé e Kanté), um por Marrocos (Rami), um pelo Senegal (Mendy), um pela Guiné-Conacri (Pogba), um pelo Togo (Tolisso), um por Angola (Matuidi), um pela Argélia (Fékir) e um pela Mauritânia (Dembélé.) Ou seja, 14 futebolistas (em 23 convocados).
 
Obviamente que a maior parte destes atletas passou pela formação de grandes clubes e representaram as seleções jovens dos países europeus em questão antes de escolher que seleção principal representar. Mas nem sempre é assim.
 
E por nem sempre ser assim, as seleções africanas, nomeadamente as que não participam tão regularmente em fases finais da Taças das Nações Africanas (CAN) ou de Mundial, têm de fazer um trabalho mais profundo na recolha de dados e no scouting e sobretudo pensar mais a longo prazo.
 
É urgente olhar mais para jovens talentos que estejam a jogar em contextos competitivos não tão elevados, chamá-los e, se necessário, sacrificar o apuramento para a fase final que se segue em prol de um futuro mais promissor.  Obviamente que isto não pode partir dos selecionadores, que estão pressionados para apresentar resultados imediatos, mas sim das Federações, que têm de olhar para lá do próximo CAN.
 
Recordo-me de a seleção da Guiné-Bissau ter convocado o médio Zezinho quando este ainda era júnior no Sporting. O jogador, que era uma grande promessa dos leões, chegou depois a atuar na equipa principal quando Jesualdo Ferreira. Pode não estar a fazer uma carreira de acordo com as expetativas, mas a seleção guineense reteve-o ainda em tenra idade.
  
Situação diferente aconteceu anos antes com Rolando, que em entrevista à Tribuna Expresso revelou que o selecionador de Cabo Verde não o considerou preparado quando ainda jogava no Belenenses. “Antes de ser chamado à seleção de Portugal, o selecionador de Cabo Verde veio falar com o Pelé, que lhe diz que tinha uns problemas familiares para resolver e não podia ir à seleção. O Pelé sugere-lhe que me leve, a mim, porque eu era um miúdo, iria ser o futuro da seleção de Cabo Verde. Ainda me lembro desse dia, estava ao lado dele. Mas o selecionador disse: ‘O miúdo até não é mau, mas não tem condições para jogar na seleção de Cabo Verde’. Foi um dia muito triste para mim que sonhava com a seleção de Cabo Verde, nem sonhava com a seleção portuguesa”, contou.
 
Olhando para os campeões europeus de 2016, reparamos que Eliseu teve uma fase de muita pouca utilização no Belenenses e que até chegou a estar emprestado ao Varzim. Onde estava a Federação de Cabo Verde nessa altura?
 
Éder andou pelo Adémia, pelo Oliveira do Hospital, pelo Tourizense e demorou algum tempo a conquistar o seu espaço na Académica. Onde estava a Federação de Guiné-Bissau nessa altura?
 
O mesmo se verifica quando olhamos para os campeões mundiais de 2018. N’Golo Kanté, hoje considerado um dos melhores médios do mundo, certamente que nem sonhava jogar por França quando passou por clubes como Suresnes, Boulogne e Caen. Onde estava a Federação do Mali nessa altura?
 
Adil Rami esteve no ES Fréjus, nas ligas não profissionais de França, só chegou ao Lille em 2006 e foi convocado pela seleção francesa em 2010. Onde esteve a Federação de Marrocos nessa altura?
 
As seleções africanas não se podem apenas queixar. Também têm de ter mais visão a longo prazo. O próximo Kanté pode estar ao virar da esquina.

















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