quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

E porque não dirigentes e juízes estrangeiros?

Vieira pediu árbitros estrangeiros após jogo da I Liga com o FC Porto
Quando, no dia a seguir ao clássico, o Benfica publicou uma nota a pedir árbitros estrangeiros para os seus jogos e para os do FC Porto, os responsáveis encarnados tinham dois propósitos e nenhum deles a importação de árbitros: obrigar a comunicação social a, na pior das hipóteses, dividir o tempo de antena e o espaço nas páginas de jornais entre o escrutínio à exibição das águias no Dragão, retirando o foco dos desempenhos individuais e situações coletivas menos conseguidas; e procurar condicionar futuras decisões do Conselho de Arbitragem e dos próprios árbitros.


A primeira parte do plano, como se tem visto, tem sido conseguida. Em vez de procurarem explicações junto de ex-jogadores, treinadores e demais especialistas, os jornalistas viram-se obrigados a tentarem recolher depoimentos do presidente da APAF (Luciano Gonçalves), do Conselho de Arbitragem da FPF (Fontelas Gomes) e até do presidente da AF Porto (Lourenço Pinto), entre outros. Relativamente ao segundo objetivo, lá mais para a frente se verá se foi ou não conhecido, mas conhecendo a forma como o soft power se mexe em Portugal e como tão bem se aplica a tese “quem não chora, não mama” neste país, tudo indica que também serão colhidos frutos. Mas importa esclarecer que este modus operandi não é exclusivo do Benfica, basta recordar os serões de Francisco J. Marques no Porto Canal a divulgar emails do rival ou os constantes comunicados de Nuno Saraiva quando era diretor de comunicação do Sporting.

Quem mais sofre com isto, além dos próprios árbitros, são os clubes que não lutam pela hegemonia do futebol português mas pela sobrevivência garantida quase exclusivamente pelo dinheiro dos direitos televisivos. E se não sabemos o que pode acontecer à pastelaria de Artur Soares Dias ou ao talho de Manuel Mota quando apitam os grandes, certo é que o leiriense Fábio Veríssimo, o algarvio Nuno Almeida ou o albicastrense Carlos Xistra não têm de temer pelos seus eventuais estabelecimentos nem com possíveis colocações na jarra depois de arbitrarem Vitória de Setúbal, Tondela, Marítimo, Santa Clara ou Belenenses SAD.

No entanto, a ideia de importar algo mais do que futebolistas e treinadores até poderá fazer algum sentido. No caso dos árbitros, mais do que qualidade, seriam importadas entre quatro a seis (contabilizando assistentes, 4.º árbitro, VAR e AVAR) cabeças limpas e sem qualquer tipo de peso no subconsciente para as tomadas de decisão. E uma vez que falamos em tomadas de decisão, cabeças limpas também seriam bem-vindas à justiça desportiva e aos corpos sociais das mais altas instâncias do futebol português, que pendem sempre para o lado dos do costume.
Arbitragem de Artur Soares Dias no clássico sob contestação

Há muitas mais importações que seriam benéficas. Porque não trazer de Itália a justiça desportiva que teve a coragem de punir a Juventus com a descida de divisão em 2006? Ou de França os tribunais que condenaram o Marselha à despromoção em 1994?

Porque não trazer da Escócia a idoneidade das instituições que não perdoaram dívidas ao Rangers e obrigaram o clube a declarar insolvência e a começar do zero nas divisões inferiores em 2012?

Porque não trazer de Inglaterra um pouco da cultura que inibe comentários sobre arbitragem e o modo de atuar de um Conselho de Disciplina extremamente eficaz na aplicação de castigos e multas a quem fala sobre arbitragens ou aos jogadores que simulam faltas?   

Porque não trazer de Espanha o pulso firme do Conselho de Disciplina que em 2009 não olhou a nomes para suspender por dez jogos um jogador do Real Madrid, no caso Pepe, quando tal se justificou?

Porque não trazer de Inglaterra o dirigismo e o esforço concertado das várias instâncias no combate ao hooliganismo?

Porque não trazer dos principais europeus o dirigismo que se preocupa com a competitividade das competições, que dialoga e que se organizou para centralizar os direitos televisivos?

Porque não trazer da Alemanha um dirigismo como o do presidente do Bayern Munique, Karl-Heinz Rummenigge, que, quando questionado sobre a possibilidade de acionar a opção de compra sobre James Rodríguez para depois o revender, disse que os bávaros não fazem “tráfico de seres humanos”?

Porque não trazer de Espanha ou da Alemanha o dirigismo que proibiu (ou pelo menos inibiu) a realização de jogos do campeonato às segundas-feiras?

Porque não trazer da tão heterogénea e politicamente e socialmente complexa Espanha os dirigentes que se relacionam cordialmente e almoçam juntos antes dos jogos, como os dos rivais (à escala planetária) Real Madrid e Barcelona?

Porque não trazer da grande maioria dos clubes dos principais campeonatos europeus o dirigismo que permite a abertura dos protagonistas ao jornalismo independente?  











3 comentários:

  1. "Porque não trazer de Espanha o pulso firme do Conselho de Disciplina que em 2009 não olhou a nomes para suspender por dez jogos um jogador do Real Madrid, no caso Pepe, quando tal se justificou?"

    Pulso firme? 10 jogos para um crime que deveria ser punido com irradiação?
    Só pode estar a brincar senhor David Pereira. Jogasse o Pepe noutro clube que não o Real Madrid e no sábado passado não teríamos assistido a mais uma agressão cobarde a um colega de profissão. Que passou impune, como sempre.

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    1. É um ponto de vista, mas por princípio sou um defensor de segundas oportunidades e contra "penas de morte"

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  2. Participar e competir no desporto organizado, é um privilégio, não é um direito absoluto. Implica uma série de obrigações e responsabilidades.

    Ter respeito pelos adversários, não manipular resultados, não fazer batota (usando, por ex., doping), são das primeiras e principais obrigações.

    Quem não cumpre essas obrigações básicas, não pode ter o privilégio de pertencer e participar.

    Não há muito tempo a FIFA baniu jogadores da Serra Leoa, Benim, Malawi, Cuba e Afeganistão. A Coreia do Sul baniu 10 jogadores por acusações de manipulação de resultados.

    Mas é claro que é muito mais fácil (e barato) irradir um jogador do Benim ou da Serra Leoa do que um jogador do Real Madrid ou do Barcelona.

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