sábado, 7 de novembro de 2020

A crónica de uma refundação anunciada

Adeptos do Vitória de Setúbal vivem dias de sofrimento e revolta
Basta! Depois de cerca de década e meia preso por arames na I Liga, o Vitória Futebol Clube caiu administrativamente para o Campeonato de Portugal e acentuou a crise económica e de reputação em que tem estado mergulhado nas últimas décadas.
 
Se na I Liga o contrato de direitos televisivos e pouco mais dava para cobrir o orçamento da SAD e o ativo que é um plantel de futebol profissional dava alguma esperança em inverter uma realidade de muitos milhões (quantos serão afinal?) de passivo, no terceiro escalão do futebol português o único passo possível a dar – já dava para ver e a cada dia que passa se percebe melhor – é rumo ao precipício.
 
Não sou especialista em questões jurídicas e económicas, mas uma coisa me parece inevitável: a insolvência da SAD. Enquanto escrevo estas linhas, até temo que a insolvência surja mais rapidamente do que este artigo na Internet. Essa insolvência ditará o fim da linha da equipa que está a disputar o Campeonato de Portugal e, consequentemente, uma dura e longa sanção por parte da FIFA. Ou seja, se o Vitória Futebol Clube quiser voltar a estar representado nos campeonatos nacionais, terá de esperar uns bons anitos.
 
O problema é que o Vitória Futebol Clube, tal como a SAD à qual está ligado, também vive uma situação financeira bastante difícil de reverter. São demasiadas dívidas e demasiada incapacidade para responder a despesas correntes num contexto pandémico que ameaça durar demasiado tempo.
 
Esta é, por isso, a crónica de uma refundação anunciada. Os integrados que comecem a pensar no modus operandi, porque os apocalípticos mais cedo ou mais tarde terão de se render às evidências. O Vitória é um monstro, mas de há uns anos para cá que é um monstro a viver dentro de um colete de forças.
 
O único senão é a possibilidade de a Vitória SAD ganhar o recurso que a recoloque na I Liga. Mas será que vai haver uma decisão em tempo útil? Se a SAD for declarada insolvente antes, uma decisão favorável reverteria para quem? Ou melhor: se a SAD for declarada insolvente antes, o recurso cairá automaticamente?
 
Seja como for, convém arregaçar as mangas e arrepiar caminho, criando com a máxima urgência uma associação de vitorianos a pensar na possível – ou até mesmo provável – queda do clube. O Desportivo das Aves fez o mesmo para manter a secção de voleibol num nível elevado e contornar as sanções da FIFA no que concerne ao futebol, tendo em vista uma fusão entre o clube original e a nova associação a longo prazo.
 
Também em Portugal, existe a Associação Farense 1910, criada em 2016 para o que der e vier, mas que por enquanto tem funcionado como equipa satélite do Farense original. Mais perto de Setúbal, em Évora, o Lusitano local criou a Associação Lusitano de Évora 1911 devido ao litígio com a SAD, de forma a não impedir que a equipa da nova associação possa defrontar a da SAD caso venham a disputar a mesma competição. Se o Vitória seguir o mesmo caminho, poderá pelo menos manter a equipa de andebol na I Liga caso a SAD caia e o clube sobreviva durante mais uns anos.
 
A secção de futebol teria assim um caminho difícil e ainda longo pela frente, mas não impossível de percorrer. O Parma em Itália e o Rangers na Escócia foram obrigados a renascer das cinzas e estão agora nos principais campeonatos dos seus países, mas em Portugal também há exemplos animadores: o Arouca saiu dos distritais em 2007 e chegou à I Liga em 2013 (seis anos), o Tondela saiu dos distritais em 2005 e chegou à I Liga em 2015 (10 anos), o Famalicão caiu nos distritais em 2008 e voltou à I Liga em 2019 (11 anos) e o Farense recomeçou nos distritais em 2006 e atingiu a I Liga em 2020 (14 anos). O próprio Académico Viseu teve de renascer das cinzas em 2005, atingiu a II Liga em 2013 e esteve perto de subir ao primeiro escalão em 2018. E estamos a falar de clubes sem a massa adepta, a história e o potencial do Vitória.
 
Ainda assim, e porque este tipo de decisões também são tomadas com o coração, ficariam a faltar as respostas a um imenso mar de interrogações: quem definiria os estatutos do novo Vitória: a atual direção, o Conselho Vitoriano ou uma comissão de vitorianos? Conseguiria haver consenso num clube que tem estado tão dividido? Os sócios iriam aceitar o novo Vitória como o Vitória deles? A Câmara Municipal reconheceria a nova associação como o novo Vitória e continuaria a disponibilizar o Estádio do Bonfim? As empresas reconheceriam a nova associação como o novo Vitória no momento de avançar para um patrocínio?



















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