sábado, 25 de abril de 2020

Formando muito com pouco #2 - A ascensão meteórica do RSD Guelson

RSD Guelson FC completou recentemente uma década de existência
Recreativo Social e Desportivo Guelson Futebol clube ou simplesmente RSD Guelson FC é um clube fundado a 10 de abril de 2010 por Pembele André Pedro, empresário angolano e ainda hoje presidente do clube. O RSD Guelson FC é um clube do município de Kilamba Kiaxi, no distrito urbano do Golfe. Em apenas uma década de existência, rapidamente se tornou num dos clubes mais competentes no que à formação de atletas diz respeito, tornando-se num pilar forte da formação no futebol angolano.


O RSD Guelson FC já lançou no mercado jogadores como Zito Luvumbo (1° de Agosto), Gladilson (Wiliete Sport clube de Benguela por empréstimo do Petro de Luanda) e Maestro (AFA), entre outros. O clube incorpora três modalidades: futebol, andebol e fisiculturismo, mas é na primeira que o RSD Guelson FC tem ganhado mais protagonismo.

Em entrevista, o presidente e fundador Pembele André Pedro, também conhecido por Ty Guelson, analisa o projeto do clube, revela as principais dificuldades e traça os objetivos para o futuro.


ROMILSON TEIXEIRA - Quem é Pembele André Pedro, onde nasceu, cresceu e como foi a sua Infância?
PEMBELE ANDRÉ PEDRO - Tenho 33 anos, sou filho de Sivudiano Pedro Filho e de Mafuta Sidamie, nasci em Luanda, no município de Kilamba Kiaxi. Sou o segundo filho da minha querida mãe, estudante do terceiro ano de gestão empresarial na Universidade Técnica de Angola. Ty Guelson é uma pessoa cristã, muito humilde, simples por natureza, teimosa, firme, persistente, objetiva, sincera, orgulhosa, espontânea, explosiva quando necessário, generosa, empática, que adora ajudar os outros e tem muito amor ao próximo.


Objetivo inicial era desviar jovens do mundo do crime


Como e quando entra para o dirigismo desportivo?
Não sou ex-praticante, nunca treinei alguma modalidade, não conhecia nenhum campo de futebol de formação e nem imaginava que existia campeonato de formação. Só conhecia o Estádio da Cidadela. Posso dizer que sou um paraquedista que caiu sei lá de onde e hoje é fundador e presidente de um clube de formação.
Mas entrei no futebol da seguinte maneira: na rua onde vivo, anteriormente havia muita delinquência, rapazes maioritariamente entre os 15 e os 25 anos acabavam por se inclinar para um mundo de confusões e roubos. Comecei a trabalhar muito cedo porque a minha mãe sempre me disse: “Enquanto estou em vida tens de saber o preço da kikuanga.” Isso significa que tinha que saber fazer alguma coisa e formar-me enquanto ela era viva. E assim o fiz desde pequeno. 
Pembele André Pedro, presidente e fundador do RSD Guelson FC
Na altura eu estava a conquistar uma miúda muito linda e ela respondeu-me o seguinte: “Eu até gostei de ti e só não te aceito porque todos os jovens que vivem na tua rua são gatunos, inclusivamente você.” 
Nesse momento eu parei e perguntei-me o que devia fazer para mudar a má fama que a rua tem. Pensei logo em ocupar os mesmos jovens que eram os tais gatunos e a única ideia que veio à minha mente foi criar uma equipa de futebol, então comprei uma bola e passámos a jogar numa rua, quatro contra quatro, e passámos a jogar todos os dias. 
O número de jogadores foi aumentando e passado algo tempo comprei mais bolas e equipamento, houve a necessidade de começarmos a sair e fazer jogos fora, para ocupa-los mais, e comecei a marcar jogo de futebol 11 aos sábados em diversos campos distantes e fazia aluguer de pequenos autocarros, e ao domingo jogávamos futebol salão na rua onde começámos. Batia janela a janela e porta a porta para eles virem jogar das 7.00 até as 14.00. Durante algum tempo o que passou a acontecer aos gatunos foi que eu comprava gasosa para os gasoseiros e cerveja para os cervejeiros quando praticavam futebol, então quando iam para casa após comerem e tomarem banhos, estavam sempre cansados e acabavam por dormir durante muito tempo e esqueciam que tinham planos para irem roubar. 
O índice de criminalidade foi diminuindo e transformei gatunos em praticantes de futebol. Para poder dar maior consistência ao programa da equipa que havia criado, que se chamava Amigos Reais, e de modo a dar maior responsabilidade aos jovens, em 2010 passei a organizar torneios de futebol salão no Largo do Kissema, no Kilamba Kiaxi, e acredito ter sido um dos primeiros organizadores destes torneios, em que os Amigos Reais participavam a custo zero e eram tratados como atletas profissionais e agitavam o bairro, que nem tinha cultura de prática desportiva. 
No decorrer deste processo as crianças e irmãos dos tais gatunos, com idades entre os 6 e 14 anos e que acompanhavam os jogos e treinos, pediram uma reunião comigo e disseram que também queriam fazer parte da brincadeira e pediram para eu criar também uma equipa para a idade deles. Nesse instante percebi que a minha luta pelo resgate do bom nome da minha rua e a ação da criação da equipa estava sendo transversal e entendido pelas pessoas ao redor, como pais e crianças. Então aceitei o desafio e peguei um dos antigos gatunos, fiz dele um monitor/treinador das crianças, passámos a treinar na mesma rua, comprei mais bolas e equipamentos desportivos e passámos a ir competir em torneios infantojuvenis na zona e realizar jogos amigáveis.
Em 2012, enquanto passava no Campo Municipal do Kilamba Kiaxi, vi muitas crianças equipadas, tudo muito bonito. Estava no táxi e acabei por descer para ir saber o que estava a acontecer e se ainda era possível inscrever as minhas crianças naquela festa infantil. Soube então que era a abertura do Torneio Caçulinhas do Gira-Bairro organizado pelo movimento nacional espontâneo, mas não soube onde obter mais informações.
Meses depois alguém me disse que a sede do Gira-Bairro ficava no São Paulo, então fui logo ao São Paulo, no Sambizanga. Andei muito, perguntei tanto e ninguém conhecia a tal sede, até que um jovem disse que não era no São Paulo (Bairro do distrito urbano do Sambizanga) mas sim campo São Paulo por trás do mercado dos congolenses. Já estava cansado, mas fui mesmo assim, e lá disseram que não podíamos inscrever equipa porque já tinham muitas jornadas realizadas e só seria possível na próxima edição. Então passei a realizar apenas os meus torneios de futebol salão e jogos/torneios para os putos. Na ânsia de participar no torneio, em janeiro de 2013 fui fazer a inscrição e fomos os primeiros. Diziam que o campeonato devia começar em abril, mas não começou e davam-me muitas desculpas. Na sequência de muita espera e ansiedade tive de passar por uma situação triste, em que fui detido.

Zito Luvumbo, do 1º de Agosto, passou pelo RSD Guelson FC
Como surgiu a ideia de passar de uma equipa espontânea para um clube de futebol?
Foi devido às exigências do momento, porque queria voar mais alto e para isso era necessário legalizar a instituição, para poder participar nos campeonatos provinciais. Numa primeira fase registei o clube como Escola de Formação de Futebol Guelson, no dia 29 de janeiro de 2017 realizámos eleições para constituir os órgãos sociais do RSD Guelson FC e agora no dia 8 de fevereiro deste ano fomos o primeiro clube nacional a realizar o ato de renovação de mandatos em cumprimento da lei e da circular do Ministério da Juventude e Desporto.

O RSD Guelson conta atualmente com quantos atletas e quais são os escalões que comporta?
O RSD Guelson FC tem três modalidades desportivas: futebol, andebol e Fisiculturismo. O clube tem hoje cerca de mil atletas espalhados por Luanda (Kilamba Kiaxi, Cazenga, Zango, Calemba 2) e na província do Uíge, no município do Negage. Temos os escalões de infantis (Caçulinhas), iniciados, juvenis e juniores.


"Prémios de arbitragens são uma grande roubalheira na formação"


O clube certamente não dá oportunidades apenas para jogadores e treinadores. Quantos funcionários de apoio tem em média e qual é a principal fonte de rendimento? Existe algum patrocinador?
O clube realmente não tem um patrocinador oficial, mas tem um fundador e presidente dedicado que faz das tripas coração para nunca faltar o necessário para o clube poder funcionar. Existe dentro do clube a PAPG - Prestação de Serviços (SU), empresa fundada pelo presidente do clube com ajuda do microcrédito do Banco Sol, empresa esta que se dedica a mototáxi e assim vai sustentando o clube. Temos também a Farmácia Mafuta Sidamie, em que o presidente é sócio juntamente com a falecida mãe. E o salário do próprio presidente, que garante o básico para o funcionamento do clube. Desde sempre que tenho feito da seguinte maneira: faço um orçamento semanal que ronda os 100 mil kwanzas e durante a semana faço os possíveis para conseguir juntar estes valores para que no final de semana consiga realizar todas atividades desportivas do clube, que passam pelo aluguer do táxi, alimentação e prémios de arbitragens, que também são uma grande roubalheira no nosso campeonato de formação.
Felizmente temos conseguido realizar todas as nossas atividades desportivas sem choramingar, porque cansei-me de pedir e nunca recebemos algum apoio durante estes dez anos. Temos de agradecer sempre o apoio institucional que temos recebido da administração municipal do Kilamba Kiaxi e da Manura - Prestação de Serviços, que também deu sempre a sua contribuição com os seus serviços. Agora fechamos uma parceria com a GIANT Seguros, que passará a dar um pouco no âmbito da sua responsabilidade social. Estamos a organizar-nos também com a ajuda da Gest4sport no sentido de conseguirmos encontrar patrocinadores.
Temos um total de 26 treinadores e 20 membros dos órgãos sociais que ocupam também cargos administrativos.

Uma jovem equipa do RSD Guelson FC, de Kilamba Kiaxi
Como olha para o estado atual do nosso futebol? O que tem de ser mudado urgentemente?
O estado do nosso futebol não é dos melhores, tudo porque na categoria sénior já não somos amadores, enquanto na formação somos amadores. Primeiramente é necessário definirmos qual o nosso objetivo e foco para o futebol nacional, estabelecer regulamentos e adequar aos modelos mais desenvolvidos, como os europeus, desde os infantis aos seniores, criarmos uma política de atração ao investimento empresarial de modo a atingirmos a ligas e competições mais visíveis e competitivas, onde participam clubes legais e não como temos vistos. É importante também para ser possível primeiramente formar os verdadeiros dirigentes desportivos comprometidos com o desenvolvimento do futebol.

Quais são as maiores dificuldades que um clube talhado para a formação enfrenta no nosso futebol?
São muitas, desde a falta de transporte, taxas de arbitragem altas, pagamentos de campos, alimentação digna dos atletas e materiais desportivos. Para fazeres desporto em Angola tens de ter coração.

Sempre que há uma convocatória para as seleções jovens de Angola há polémicas, reivindica-se muito a convocatória de atletas de outras províncias que não Luanda. Acha que tem havido uma certa indiferença para com os atletas jovens que representam os clubes de outras províncias do país? Há favorecimentos nesse aspeto?
Não acredito existir favorecimentos, mas sim desorganização, porque a Federação Angolana de Futebol (FAF) alega falta de condições para alojar os atletas que vêm das províncias e falta de condições técnicas e financeiras para o pessoal do departamento das seleções poderem ir acompanhar os campeonatos e visitar todos os clubes legais que participam nos campeonatos de formação. Então buscam sempre os mais próximos para facilitar os custos. A verdade é que se não houver uma organização profunda na FAF estamos a mentir a nós mesmos e o tempo vai passando e acabamos por não fazer nada para o desenvolvimento do futebol. Nas outras províncias há muitos talentos.

Qual é o conselho que deixa a todos os jovens que sonham ser jogadores profissionais?
Primeiramente para se consciencializarem que nada cai do céu, tudo nesta vida requer sacrifícios. Têm de acreditar no seu potencial, capacidades, habilidades e sobretudo colocarem Deus em todas as suas ações, trabalharem arduamente com bastante responsabilidade, compromisso, dedicação, amor pela ação e nunca aceitarem que lhes digam que são fracos ou incapazes. Têm de acreditar neles mesmos, o mundo é de todos e cada um tem de saber ir atrás das suas oportunidades e segurá-las. Jovens, deixem de ser preguiçosos e vão à conquista dos vossos objetivos e façam sempre o vosso melhor para juntos e unidos vencermos, porque Deus está no comando.




Entrevista realizada por Romilson Teixeira























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