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Numa sessão com o tema “Arbitragem no
feminino”, Sílvia Domingos, árbitra internacional de futebol feminino, começou
por se apresentar. Tem 30 anos, é natural de Faro, pertence à AF Algarve, é
gestora de loja e está em atividade desde 1999.
Como surgiu a paixão pela arbitragem?
Desde pequena que gostava de desporto e de futebol em particular. Ía ver os
jogos do Farense com o pai, e as suas brincadeiras não era com bonecas, como na
generalidade das raparigas, mas sim com a bola. Um dia um professor propôs-lhe
tirar um curso de árbitro, algo que ainda de forma algo reticente, acabaria por
aceitar.
Nessa altura, quando recebeu uma carta com
a nomeação para o seu primeiro jogo (Farense – Esperança de Lagos, em
Infantis), nunca pensou chegar onde chegou. Sem as condições que hoje existem,
foi a sua mãe que lhe fez uns cartões em cartolina, arranjou um apito de metal
e os seus equipamentos, emprestados, eram demasiado grandes.
Uma mulher a arbitrar foi uma autêntica
novidade para as crianças. Aos 18 anos arbitrou o primeiro jogo de séniores, e aí
tinha como objetivo ser a primeira mulher a chegar à categoria de III Divisão
Nacional.
Embora quisesse fazer o seu percurso no
futebol masculino, e não no feminino, acabou por ter um trajeto paralelo nos
dois, até que em 2012, tornou-se internacional.
Acreditou sempre em si e sempre ouviu os
mais velhos, foi esta a explicação para o seu sucesso. Apelidou a arbitragem
como uma “droga”, um autêntico vício ao qual pretende dar continuidade quando
deixar os relvados. Quer ser observadora ou dirigente.
Embora seja internacional, assume que
comete erros, e que as críticas devem ser aceites, porque elas são feitas para
construir, e não para destruir. Focando-se em algumas árbitras do NCAFB
presentes na plateia, aconselhou-as a nunca desistirem.
Contou ainda algumas histórias engraçadas.
Um dia, um adepto menos feliz com a sua
prestação, chamou-lhe filha da p*** num encontro em que a sua mãe estava presente,
tendo acabado esse episódio numa confrontação entre a progenitora e o
espetador.
Frequentemente, é vítima de insultos
machistas, dos quais falou com um sorriso na cara, admitindo que já respondeu por
diversas vezes à letra. Uma vez expulsou um treinador, e ele recusou-se a sair do
banco de suplentes, pois supostamente nenhuma mulher teria autoridade para o fazer.
A situação terminou com delegados e capitães a terem de acompanhar o técnico aos
balneários.
Assumindo como alguém que ferve em pouca água,
confessou já ter tido problemas com outras mulheres, no futebol feminino. Numa situação
a quente, apontou o dedo de forma efusiva à treinadora do Boavista. No final do
encontro, ouviu uma reprimenda de Nuno Castro, dirigente da FPF. Por isso, aconselhou
todos os jovens a manter a calma no exercício da arbitragem, e nunca se rebaixarem
a atitudes do mesmo nível que alguns elementos oficiais pertencentes às equipas.
Num percurso que começou em 1999, contou como
conquistou o respeito dos jogadores. Numa ocasião, depois de mostrar o cartão amarelo
a um jogador, perguntou-lhe o número e este respondeu-lhe começando a dizer o seu
número de telemóvel. Atualmente já não é assim, agora é levada a sério, contou.
Na AF Algarve, trabalhou e competiu sempre
com homens, nunca com mulheres. Acreditou que podia ser tão boa ou melhor que eles,
e por isso nunca se inferiorizou, fazendo até mesmo as mesmas provas físicas que
eles. Foi preciso coragem.
Foi a primeira mulher a dirigir uma meia-final
da Taça AF Algarve. Foi um Esperança de Lagos – Quarteira, um encontro que teve
prolongamento e uma série interminável de pontapés da marca de grande penalidade.
Foi também a primeira senhora a arbitrar jogos da 1ª Divisão distrital da AF Algarve.
Na atualidade, trabalha com os árbitros da
AF Setúbal, dos quais não tem nenhuma razão de queixa. Tal como os da AF Algarve,
que sempre a respeitaram.
Na temporada transacta, ficou em 1º no quadro
feminino, tendo chorado quando soube da notícia. Contou que teve essa mete sempre
como objetivo, mas que em Novembro fraturou o pulso, e que só voltou à ação em Fevereiro.
Pelo meio, foi treinando às escondidas com um grupo de atletas veteranos. Quando
regressou, em Março, fez uma rotura e foi “enganando” os observadores até final
da época. No seu distrito, ficou em 3º na categoria de elite. No final da época,
soube da boca de Vítor Pereira que se tinha tornado internacional.
Explicou ainda como a arbitragem condiciona
a sua vida. Não terminou a licenciatura em direito, não o sai à noite, dificilmente
está com os amigos e contou como para os pais é um orgulho o seu trajeto na atividade.
É uma das 28 mulheres no quadro feminino nacional, todas elas avaliadas em cinco
jogos ao longo da temporada por observadores da I Liga.
Na fase final da sessão, debruçou-se no concretizar
do seu sonho, o de se ter tornado árbitra internacional. Esse foi, para si, o resultado
do seu acreditar, do trabalho em equipa e da motivação.
O seu primeiro jogo internacional foi a 10
de Setembro de 2012, na Irlanda do Norte. Foi uma partida de apuramento para o EURO
Sub-17 de futebol feminino, no qual a Itália goleou Israel por 5-0.
Mas para aí chegar, teve de fazer as provas
físicas da UEFA, na Suíça, com 38ºC de febre de depois de uma noite de vómitos.
Os médicos aconselharam-na a não as fazer, mas apesar desse handicap, conseguiu fazê-las e ser aprovada.
Aí cruzou-se com Pierluigi Collina, que apelidou de expoente máximo da arbitragem
mundial.
Falou como foi a preparação para o tal torneio
de Sub-17, em Setembro de 2012. Fez o scouting
das equipas, pesquisou sobre quem seriam as jogadoras mais faltosas e sobre a experiência
dos treinadores. João Ferreira foi fundamental ao ajudá-la nesta sua primeira aventura
internacional. Contou ainda como era arrepiante ter o símbolo da FIFA ao peito e
ouvir os hinos antes dos jogos.
Para finalizar, e antes de receber das mãos
de Nuno Roque uma lembrança do NCAFB, pediu apoio aos árbitros mais velhos para
as jovens que se estão a iniciar na atividade.
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