Carlitos ajudou Sp. Espinho a manter-se no Campeonato de Portugal |
Uma das principais figuras da
história recente do Sp. Espinho, fez toda a formação e está ininterruptamente no
clube pelo qual, garante, dava a vida. Aos 35 anos, não jogou tanto quanto
gostaria, mas continua a ser um elemento importante na transmissão da mística,
da exigência e dos valores dos tigres da Costa Verde.
Em entrevista, faz o balanço da
temporada 2020-21, fala no “duro” momento da demolição do Estádio Comendador
Manuel de Oliveira Violas, recorda as passagens por emblemas como Riachense e Oliveirense
e as épocas em que foi orientado por treinadores como Vítor Pereira, João
Henriques ou João de Deus.
RUI COELHO - Esta época tem sido algo atribulada, não só pela situação
da covid-19,
mas também pelas coisas não terem propriamente corrido de feição ao Sp.
Espinho, que sentiu bastantes dificuldades para assegurar a permanência no Campeonato
de Portugal. Que balanço faz de 2020-21 em termos individuais ou coletivos?
CARLITOS - Sim, foi uma época
dura. Claro que a situação da covid-19
veio complicar muito, tivemos que parar o trabalho a meio para ficarmos
fechados em casa durante 15 dias, mas não é desculpa para tudo. Devíamos ter
feito mais, foi para isso que assinámos pelo clube!
O balanço não foi positivo,
porque não cumprimos o objetivo que era lutar pelo 1. ° lugar. Chegámos a uma
fase da época em que vimos que estávamos numa situação muito má na tabela
classificativa e tínhamos só uma opção, salvar o clube da descida de divisão.
Graças a Deus conseguimos esse objetivo, pois era o mínimo que podíamos fazer.
Em termos individuais esperava muito mais. Sinto-me bem capaz de ajudar a
equipa, sei do que sou capaz, mas infelizmente as escolhas recaíram sempre por
outros colegas e eu como capitão tive de trabalhar e respeitar as opções.
Custou muito estar de fora e ver o meu clube a passar o que passou esta época.
O Carlitos esta temporada apenas atuou em pouco mais de 300 minutos em
todas as competições. É o peso da idade ou sente que é capaz de ajudar mais a
equipa?
Como disse na pergunta anterior,
sinto-me capaz de ajudar. Mostrava isso durante a semana! Quando vir que não
consigo ajudar, serei o primeiro a dizer.
Como tem sido trabalhar com o jovem técnico Bruno China?
O mister Bruno China veio para
ajudar a equipa. Estávamos mal quando cá chegou e o grupo precisava de alguém
que trouxesse compromisso e responsabilidade.
O Carlitos cresceu com o Sp. Espinho a competir nas ligas
profissionais, inclusivamente na I
Liga. E é o clube da sua terra. Qual é o significado de representar o
emblema alvinegro e o que este tem de especial?
O Sp. Espinho é um histórico do
futebol português. Lembro-me de ver o clube na I
Liga, com o Estádio Comendador completamente cheio. Cresci paredes-meias
com o estádio. Nem almoçava direito para ir ver o Sp. Espinho, fosse o jogo
onde fosse. É o meu clube e enquanto cá estiver irei dar a minha vida por ele.
Como já foi referido, o Carlitos é natural de Espinho. Como foi a sua
infância e como é que a bola entrou para a sua vida?
A minha infância foi a jogar à
bola contra a parede do antigo Estádio Comendador Manuel Oliveira Violas. O
campo de treinos para as camadas jovens eram no Vizelinha, um pequeno campo que
ficava atrás da baliza norte do estádio, e um dia pedi ao meu pai para me levar
lá para treinar e assim foi. Fiquei e fiz a minha formação no clube.
Fez toda a formação no Sp. Espinho. Que memórias tem desses tempos?
Bons tempos! Amizades que ainda
hoje se conservam. Tudo era diferente dos tempos de agora. Os campos eram todos
pelados, não havia um jogo que não acabasse com sangue nas pernas... Agora
existem muito mais condições. Talvez por isso é que acho que temos uma próxima
geração de jogadores fenomenais para a nossa seleção. Tenho saudades dos tempos
de miúdo nas camadas jovens.
O Carlitos entrou para a formação do Sp. Espinho na década de 1990,
representou a equipa principal em 2005-06 e 2010-11 e regressou aos Tigres da
Costa Verde no início de 2016, tendo assistido à transformação do clube. O que
mudou no emblema espinhense ao longo destes anos?
A palavra! Esta direção está no
clube por amor, não por dinheiro. Existe confiança e isso é muito importante
para um grupo de trabalho.
Apesar de todos os anos de casa, quando subiu à categoria de seniores
não encontrou espaço na equipa principal. Como digeriu essa situação?
Gostava muito de ter ficado, mas
no primeiro treino o mister Francisco Barão disse-me logo que não ia ficar, que
podia ficar a treinar até arranjar clube, mas que não ia ficar. Podia ter
desistido logo aí, mas fui à luta e foi o próprio Francisco Barão que me
arranjou uma equipa para ir jogar. O Sp. Espinho nesse ano tinha uma equipa
muito forte, com bons jogadores. Sabia e tinha a consciência que não teria
hipótese nenhuma de jogar.
“Demolição do estádio? Foi duro”
Carlitos fez toda a formação no Sp. Espinho |
No ano de 2019 o mítico Estádio Comendador Manuel de Oliveira Violas
foi demolido. Um momento certamente muito triste, não só para si, mas para
todos os espinhenses. Como lidou com este acontecimento?
Foi duro! Nunca imaginei que isso
pudesse acontecer. Nem nos meus maiores pesadelos. Era a nossa fortaleza! Mesmo
já para o fim, não tendo muitas condições, era a nossa casinha. Grandes e
grandes momentos vivi ali. Os adeptos não mereciam ficar sem o seu estádio.
Ao longo de todos estes anos de casa, quais foram os melhores momentos
que viveu?
A subida ao Campeonato
de Portugal [em 2017], sem dúvida!
O Carlitos é avançado. Como se descreve enquanto jogador?
Sou um jogador de equipa. Dou
tudo de mim em campo e graças a Deus fiz sempre golos por onde passei, deixando
uma boa recordação. Tenho o dom de marcar. Estou muitas vezes no sitio certo!
“Riachense é um grande clube, humilde e com pessoas amáveis”
Na primeira época de sénior, assinou pelo Riachense. Como é que foi
parar ao Ribatejo?
O mister Francisco Barão conhecia
um empresário e ajudou-me a ir para lá. É um grande clube, humilde e com
pessoas amáveis. Ainda hoje, passados 15 anos ou mais, recebo mensagens e
telefonemas das pessoas de lá, para ir almoçar ou jantar ou passar uns dias por
lá. Fiz muitos amigos mesmo.
No Riachense foi orientado por João Henriques, ex-treinador de Paços
de Ferreira, Santa
Clara e Vitória
de Guimarães. Como era ele na altura? Alguma vez pensou que o mister
atingisse um nível tão alto?
É verdade. Ainda hoje mantenho
contacto com o mister João Henriques. Ele era na altura muito jovem, mas tinha
sonhos, era ambicioso e tinha muito prazer no que fazia. Chegou onde chegou
através da sua humildade e do seu trabalho.
“Trabalhar com Vítor Pereira? Evoluías só de treinar, mesmo se não jogasses”
Carlitos voltou ao Sp. Espinho para ficar em 2015-16 |
Curiosamente, na temporada seguinte voltou ao Sp. Espinho e foi
orientado por um treinador que atingiu um nível elevadíssimo, Vítor Pereira,
que viria a sagrar-se bicampeão português pelo FC
Porto e campeão chinês pelo Shangai SIPG. Fazemos as mesmas perguntas: como
era ele na altura? Alguma vez pensou que o mister atingisse um nível tão alto?
O mister Vítor Pereira era
fantástico. Adorei trabalhar com ele, apesar de ter sido só até janeiro. Fez-me
bastantes elogios e tinha métodos de treino muito bons. Evoluías só de treinar,
mesmo que ao domingo não jogasses.
Entretanto jogou por Fornos de Algodres, Arouca
e Macedo de Cavaleiros, voltou ao Riachense e passou duas vezes por Monsanto e
Cesarense. Como correram essas experiências?
Todas elas estão no meu coração.
Fui tão bem-recebido, correu tudo tão bem por onde passei que só tenho de dar
graças a Deus por me ter proporcionado jogar nestes clubes.
Em 2009-10, ao serviço do Monsanto, defrontou o Benfica
do primeiro ano de Jorge
Jesus. Que recordações tem desse jogo?
Fantástico! Memorável! Mal treinámos
nessa semana! Eram as televisões, os jornais, as rádios, todos os dias lá
estavam para falar com o grupo de trabalho. Pena ter sido só uma semana!
“Vivi na Oliveirense momentos que nunca irei esquecer”
Carlitos representou Oliveirense entre 2012 e 2016 |
Entre 2012 e 2016 representou a Oliveirense
na II
Liga. Que balanço faz desses quase quatro anos e com que opinião ficou do
clube?
Foram anos muito bons! Cumpri o objetivo
de ser profissional. Vivi no clube momentos que nunca irei esquecer. Os adeptos
tinham carinho por mim e isso ajudou bastante! Só tenho de agradecer os anos que
lá passei.
No seu primeiro ano na Oliveirense,
foi orientado pelo técnico João de Deus, atual treinador adjunto de Jorge
Jesus no Benfica.
O que achou dos métodos do mister?
Tive a sorte de ter sido treinado
por bons treinadores. O João de Deus foi o treinador que mais sonhava alto,
dizia que ia conseguir chegar à I
Liga e conseguiu. Depois conseguiu muito mais do que isso. Ele tinha algo
que todos os treinadores deviam ter e que acho fundamental para terem o grupo
todo a remar para o mesmo lado, que era a relação treinador/jogador. Ele falava
muito com quem não jogava, dava uma palavra, não deixava cair ninguém. Merece
tudo o que está a passar.
Propomos-lhe um desafio: elabore um onze ideal de jogadores com os
quais jogou.
Isso não se faz! Iria deixar
tanta qualidade de fora! Dou muito valor a um grupo, todos ajudam, tanto o que
tem dois minutos como o que tem mil minutos. Por isso o melhor onze com quem já
joguei foram todos os que privaram comigo na minha carreira. Agradeço de
coração a cada um por me ter mostrado um pouco de si e ter levado um pouco de
mim! O futebol é isto! Relações! Costuma-se dizer que no futebol é difícil fazeres
quatro ou cinco amigos na tua carreira, mas eu posso dizer que fiz mais.
Foi orientado por João Henriques, Vítor Pereira, João de Deus e Rui
Quinta, entre outros. Que treinadores mais o marcaram? Tem algumas histórias
com cada um deles que nos possa contar?
Tenho enorme respeito por todos
eles. Todos eles me ensinaram alguma coisa que levo para a vida. Tentei
aprender ao máximo com eles. Como disse anteriormente, agradeço por ter tido a
sorte de ser treinado por bons treinadores.
Aos 35 anos, tem ainda algum sonho para cumprir no futebol?
Gostava de terminar a carreira
com o Sp. Espinho nos campeonatos profissionais.
Além do futebol, tem alguma outra ocupação? Já vai pensando no que vai
fazer quando pendurar as botas?
Trabalho em part-time num café em
Espinho.
Entrevista realizada por Rui Coelho
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