Mariana Campino pertence aos quadros do Famalicão |
Desde tenra idade que trocou as
bonecas pela bola, resistiu a quem lhe dizia que “o futebol não é para meninas”
e hoje em dia não só pertence aos quadros do clube que surpreendeu tudo e todos
na I Liga feminina em 2020-21, o Famalicão,
como soma dezena e meia de internacionalizações pelas seleções jovens, quando ainda
tem apenas 19 anos.
Em entrevista, Mariana Campino fala
do clube que representa, conta como se apaixonou pelo futebol, das experiências
de jogar em equipas mistas durante a formação e de ser treinada pelo pai e
recorda as passagens por Ovarense,
Valadares Gaia e Fiães.
RUI COELHO - A Mariana disputou um total de dez jogos e apontou um golo
ao serviço do Famalicão
na I Liga feminina em 2020-21. Que balanço faz desta temporada em termos
individuais e coletivos?
MARIANA CAMPINO - Acho que foi
uma temporada bastante positiva, tanto em termos individuais como coletivos.
Foi o meu primeiro ano integrada num ambiente mais profissional em termos de
clube. Apesar da minha entrada a meio da época, sinto que fui bastante bem-recebida
e consegui dar uma ajuda positiva à equipa. Também foi um ano em que voltei à
Seleção Nacional, o que fez do meu trajeto nesta temporada ainda mais positivo.
Em termos coletivos, como primeiro
ano na I Liga, a nossa equipa conseguiu bater o pé a muitas equipas já com
vários anos de I Liga e dignificámos o clube da forma como o Famalicão
merece.
Foi orientada pelos técnicos João Marques e Tiago Pinto no decorrer da
presente temporada. O que achou dos métodos e da personalidade de cada um
deles?
Claro que cada treinador tem
métodos e visões diferentes de ver o futebol, é normal. Sinto que evoluí
bastante com ambos os treinadores e estou grata por terem acreditado em mim e
terem-me ajudado a ser e querer ser cada vez melhor.
O Famalicão
surpreendeu em 2020-21 pela forma como se bateu pelo título nacional feminino.
O que tem achado do clube e o justifica este sucesso repentino?
O Famalicão
é um clube em que a humildade, o trabalho e o esforço são palavras-chave. Desde
que cheguei que me apaixonei pelo clube e, juntando esta paixão com todo o
trabalho e esforço, jogando por amor ao clube, tudo se torna mais fácil para
obtermos o sucesso. Acho que foi isso que aconteceu com a equipa para
conseguirmos ter obtido bastante sucesso e surpreendido muita gente.
A Mariana é uma jogadora canhota, que tanto pode atuar a lateral como a
extremo. Como se define enquanto futebolista?
Sou uma jogadora que se
caracteriza principalmente pela raça. Digamos que nunca fui uma jogadora que se
destacasse pela técnica, mas sim pela vontade e querer com que estou em campo.
Quanto ao resto, tenho algumas características que me valorizam enquanto
jogadora como as bolas paradas, o lançamento longo e o jogo aéreo.
“Diziam-me que o futebol não era para meninas”
Mariana Campino numa equipa mista na Ovarense |
Voltando atrás no tempo, a Mariana nasceu em Ovar. Como é que foi a sua
infância e como é que a bola entrou para a sua vida?
Desde pequena que trocava as
bonecas pela bola. Sempre fui muito ligada a todos os desportos, inclusivamente
cheguei a experimentar o basquetebol. E foi nessa altura, com os meus seis anos
que, depois de o meu irmão entrar para o futebol, decidi experimentar.
Bastou um único treino para perceber que era o futebol que eu queria e não o
basquetebol. Por isso, acho que o principal culpado foi o meu irmão, até porque,
além dos treinos, ele era a minha companhia para dar uns toques na bola. Claro
que os meus pais também foram a minha influência, até porque jogo por e para
eles, pois apoiaram-me quando toda a gente me criticava, dizendo que o futebol
não era para meninas.
Os seus primeiros passos no futebol foram dados precisamente no clube
da sua terra, a Ovarense.
Quais são as melhores recordações que guarda desses tempos?
Guardo boas recordações dos 10/11
anos que estive lá. Foi na Ovarense
que consegui as minhas primeiras conquistas tanto a nível pessoal, como
coletivo.
Como foi jogar, durante grande parte da sua formação, em equipas
maioritariamente masculinas?
Era um pouco difícil estar ali no
meio dos meninos todos. Era também complicado para me entrosar na equipa devido
a não poder estar sempre com eles no balneário, o que para mim sempre foi um
elemento forte para o sucesso da equipa.
Tirando isto, que eram as partes
mais negativas, sinto que ter feito a minha formação juntamente com os rapazes
deu-me bastantes atributos e ajudou-me a ser a jogadora que sou agora. Não
estou em nada arrependida.
“A Ovarense foi o clube em que me formei e obtive as minhas primeiras conquistas”
Mariana Campino é internacional jovem |
De que forma a Ovarense
foi importante para a sua vida pessoal e para a sua formação enquanto atleta?
A Ovarense foi o clube em que me formei e em que obtive as minhas primeiras conquistas
tanto coletivas como individuais. Foi ainda quando estava a formar-me com
rapazes que fui chamada à Seleção Distrital de Aveiro Sub-16, com 12 anos. Depois quando comecei a jogar no feminino,
com 14, fui chamada à Seleção Nacional Sub-16. Ainda pela Ovarense,
conseguimos subir ao escalão máximo do futebol feminino. Ao longo dos anos
fomos também conquistando vários títulos no escalão júnior. Posto isto, sim, a Ovarense
fez parte de grande parte da minha carreira futebolística e de vários títulos
até então conquistados.
Desde muito cedo que começou a ser convocada para as seleções jovens de
Portugal. Qual é o sentimento de representar a equipa das quinas?
É um tremendo orgulho representar
o nosso país. Da mesma forma que é uma enorme responsabilidade.
O ano de 2016 foi extremamente positivo para a Mariana, pois conquistou
o Torneio de Desenvolvimento UEFA Sub-16 Feminino e também fez a estreia pela
equipa sénior da Ovarense
aos 15 anos. Como carateriza essa época e como foi defrontar atletas com o
dobro da sua idade?
Nunca liguei às idades. Dentro de
campo somos todas iguais e dentro de campo nem há tempo para reparar nisso. Mas
sim, jogar pelas seniores era algo que eu ambicionava há muito tempo, mas que
infelizmente a idade não permitia. Foi uma época ótima para mim. A conquista do
Torneio de Desenvolvimento UEFA Sub-16 foi também muito positivo. Não estávamos
à espera e até nós nos surpreendemos, por conseguimos ganhar a grandes seleções
como a Espanha. Aí começámos a acreditar na palavra “superação” que tanto nos
falam.
Em 2017-18 conquistou o título da II Divisão Nacional ao serviço da equipa
vareira. Qual foi a sensação?
Foi algo inexplicável. Ainda hoje
em dia me arrepio. Foi o meu primeiro título pelo clube a nível nacional. Sem
dúvida que foi a recompensa de muito trabalho e não há melhor sensação que
isso, o reconhecimento do nosso esforço e dedicação. Éramos um grupo muito
jovem que conseguiu conquistar algo em que ninguém acreditava.
“Experiência no Valadares Gaia correu bastante bem”
No início de 2019 trocou a Ovarense
pelo Valadares Gaia. O que a fez mudar de ares?
Uma série de obstáculos apareceram durante essa época. Desistir de jogar
era opção. Contudo, apareceu a oportunidade do Valadares, uma oportunidade que
me permitia sair um pouco da minha zona de conforto. Entretanto fui e correu
bastante bem. Conseguimos ir à final da Taça de Portugal e ficámos bem
classificadas no campeonato.
“Gostei imenso do Fiães”
Gostei imenso. Foi um clube que
começou do zero, em que a aposta foi feita mediante a confiança das jogadoras
no projeto e correu bastante bem. No primeiro ano conseguimos fazer uma
excelente época e subimos ao escalão máximo do futebol feminino sem qualquer
derrota no campeonato. Já o segundo ano não correu tão bem, pois éramos poucas
com experiência na I Liga, e também devido a termos praticamente em todos os
jogos baixas por causa da situação atual da pandemia. Custou-me abraçar um
projeto novo a meio da época, mas era algo impossível de recusa. Contudo, fiz
várias amizades e sempre que posso vou ver os jogos delas ou ver algum treino
para matar saudades daquele ambiente incrível.
“Ser treinada pelo pai? Tem os seus prós e os seus contras…”
No Fiães foi orientada pelo seu pai, Paulo Campino. Como foi trabalhar
com ele?
Já tinha trabalhado com ele no ano em que subimos à I Liga pela Ovarense.
Tal como tudo na vida, esta situação tem os seus prós e os seus contras. Posso
dizer que somos os maiores críticos construtivos um do outro. Quando algo está
mal com a equipa, sou a primeira a levar na cabeça e a ser chamada à razão, tal
como sou a primeira a dizer-lhe quando erra. Mas também tenho alguém que me
aconselha sempre para obter sucesso, tal como tento fazer o mesmo com ele.
É inevitável não falar da família Campino e da ligação que tem ao
futebol. Como é vivida a modalidade no seio familiar?
É vivida de uma forma normal.
Tanto eu, como o meu pai e o meu irmão estamos ligados diretamente ao futebol.
Já a minha mãe e os meus primos torcem pelo nosso sucesso e tentam
acompanhar-nos ao máximo.
Quais são os seus sonhos no mundo do futebol?
O meu principal objetivo é ser
feliz no que faço e sair de todos os jogos com o pensamento de que dei tudo.
Claro que é o sonho de todas as atletas chegar à seleção principal e tenho a
certeza que trabalharei para evoluir ao máximo e, se possível, chegar lá. Mas
não jogo com esse principal objetivo. Os meus principais objetivos são
coletivos e, se possível, um dia ser campeã nacional.
Além do futebol, tem algum outro tipo de atividade?
Sim, sou estudante universitária.
Estou no segundo ano da Licenciatura de Contabilidade na Universidade de
Aveiro.
Mariana Campino num jogo frente à seleção francesa |
Como tem visto a evolução do futebol feminino em Portugal e o que julga
que falta para que a seleção nacional se torne presença regular nos Campeonatos
da Europa e do Mundo?
O futebol feminino talvez seja
das modalidades que mais tem evoluído nos últimos tempos. Acho que tem faltado
a aposta profissional de clubes portugueses na jogadora portuguesa, mas isso
tem vindo a melhorar. Esta aposta por parte dos clubes também ajuda a termos seleções
nacionais melhores, o que cada vez mais se impõe.
Que opinião tem acerca da questão da equidade de género no futebol. As
mulheres devem receber salário semelhantes aos dos homens ou futebol masculino
e futebol feminino são ainda indústrias bem distintas?
Não tenho grande meio de
comparação, pois não tenho muita experiência no escalão máximo. No entanto,
sinto grandes diferenças na forma como os clubes estão a abordar da melhor
forma o futebol feminino, proporcionando-nos melhores condições e apostando um
pouco mais nas atletas. Mas o futebol feminino ainda está longe, em termos
comparativos, do futebol masculino, não só ao nível dos valores monetários
envolvidos, como das condições proporcionadas. Sinto uma enorme dificuldade em
compreender como o futebol feminino ainda é tratado de forma diferente pelas
instituições e acaba por ficar de certa forma para trás. Ainda recentemente,
devido à situação do covid-19, aquando o fecho dos concelhos ao fim de semana,
os jogos da I Liga foram interrompidos, enquanto que a I e II Ligas masculinas
não sofreram qualquer paragem, e a Taça de Portugal Feminina foi cancelada, ao
contrário da masculina.
Entrevista realizada por Rui Coelho
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