terça-feira, 22 de junho de 2021

Mariana Campino: “Desde pequena que trocava as bonecas pelas bolas”

Mariana Campino pertence aos quadros do Famalicão
Desde tenra idade que trocou as bonecas pela bola, resistiu a quem lhe dizia que “o futebol não é para meninas” e hoje em dia não só pertence aos quadros do clube que surpreendeu tudo e todos na I Liga feminina em 2020-21, o Famalicão, como soma dezena e meia de internacionalizações pelas seleções jovens, quando ainda tem apenas 19 anos.
 
Em entrevista, Mariana Campino fala do clube que representa, conta como se apaixonou pelo futebol, das experiências de jogar em equipas mistas durante a formação e de ser treinada pelo pai e recorda as passagens por Ovarense, Valadares Gaia e Fiães.
 
RUI COELHO - A Mariana disputou um total de dez jogos e apontou um golo ao serviço do Famalicão na I Liga feminina em 2020-21. Que balanço faz desta temporada em termos individuais e coletivos?
MARIANA CAMPINO - Acho que foi uma temporada bastante positiva, tanto em termos individuais como coletivos. Foi o meu primeiro ano integrada num ambiente mais profissional em termos de clube. Apesar da minha entrada a meio da época, sinto que fui bastante bem-recebida e consegui dar uma ajuda positiva à equipa. Também foi um ano em que voltei à Seleção Nacional, o que fez do meu trajeto nesta temporada ainda mais positivo.
Em termos coletivos, como primeiro ano na I Liga, a nossa equipa conseguiu bater o pé a muitas equipas já com vários anos de I Liga e dignificámos o clube da forma como o Famalicão merece.
 
Foi orientada pelos técnicos João Marques e Tiago Pinto no decorrer da presente temporada. O que achou dos métodos e da personalidade de cada um deles?
Claro que cada treinador tem métodos e visões diferentes de ver o futebol, é normal. Sinto que evoluí bastante com ambos os treinadores e estou grata por terem acreditado em mim e terem-me ajudado a ser e querer ser cada vez melhor.
 
O Famalicão surpreendeu em 2020-21 pela forma como se bateu pelo título nacional feminino. O que tem achado do clube e o justifica este sucesso repentino?
O Famalicão é um clube em que a humildade, o trabalho e o esforço são palavras-chave. Desde que cheguei que me apaixonei pelo clube e, juntando esta paixão com todo o trabalho e esforço, jogando por amor ao clube, tudo se torna mais fácil para obtermos o sucesso. Acho que foi isso que aconteceu com a equipa para conseguirmos ter obtido bastante sucesso e surpreendido muita gente.
 
A Mariana é uma jogadora canhota, que tanto pode atuar a lateral como a extremo. Como se define enquanto futebolista?
Sou uma jogadora que se caracteriza principalmente pela raça. Digamos que nunca fui uma jogadora que se destacasse pela técnica, mas sim pela vontade e querer com que estou em campo. Quanto ao resto, tenho algumas características que me valorizam enquanto jogadora como as bolas paradas, o lançamento longo e o jogo aéreo.
 

“Diziam-me que o futebol não era para meninas”

Mariana Campino numa equipa mista na Ovarense
Voltando atrás no tempo, a Mariana nasceu em Ovar. Como é que foi a sua infância e como é que a bola entrou para a sua vida?
Desde pequena que trocava as bonecas pela bola. Sempre fui muito ligada a todos os desportos, inclusivamente cheguei a experimentar o basquetebol. E foi nessa altura, com os meus seis anos que, depois de o meu irmão entrar para o futebol, decidi experimentar.
Bastou um único treino para perceber que era o futebol que eu queria e não o basquetebol. Por isso, acho que o principal culpado foi o meu irmão, até porque, além dos treinos, ele era a minha companhia para dar uns toques na bola. Claro que os meus pais também foram a minha influência, até porque jogo por e para eles, pois apoiaram-me quando toda a gente me criticava, dizendo que o futebol não era para meninas.
 
Os seus primeiros passos no futebol foram dados precisamente no clube da sua terra, a Ovarense. Quais são as melhores recordações que guarda desses tempos?
Guardo boas recordações dos 10/11 anos que estive lá. Foi na Ovarense que consegui as minhas primeiras conquistas tanto a nível pessoal, como coletivo.
 
Como foi jogar, durante grande parte da sua formação, em equipas maioritariamente masculinas?
Era um pouco difícil estar ali no meio dos meninos todos. Era também complicado para me entrosar na equipa devido a não poder estar sempre com eles no balneário, o que para mim sempre foi um elemento forte para o sucesso da equipa.
Tirando isto, que eram as partes mais negativas, sinto que ter feito a minha formação juntamente com os rapazes deu-me bastantes atributos e ajudou-me a ser a jogadora que sou agora. Não estou em nada arrependida.
 

“A Ovarense foi o clube em que me formei e obtive as minhas primeiras conquistas”

Mariana Campino é internacional jovem
De que forma a Ovarense foi importante para a sua vida pessoal e para a sua formação enquanto atleta?
A Ovarense foi o clube em que me formei e em que obtive as minhas primeiras conquistas tanto coletivas como individuais. Foi ainda quando estava a formar-me com rapazes que fui chamada à Seleção Distrital de Aveiro Sub-16, com 12 anos.  Depois quando comecei a jogar no feminino, com 14, fui chamada à Seleção Nacional Sub-16. Ainda pela Ovarense, conseguimos subir ao escalão máximo do futebol feminino. Ao longo dos anos fomos também conquistando vários títulos no escalão júnior. Posto isto, sim, a Ovarense fez parte de grande parte da minha carreira futebolística e de vários títulos até então conquistados.
 
Desde muito cedo que começou a ser convocada para as seleções jovens de Portugal. Qual é o sentimento de representar a equipa das quinas?
É um tremendo orgulho representar o nosso país. Da mesma forma que é uma enorme responsabilidade.
 
O ano de 2016 foi extremamente positivo para a Mariana, pois conquistou o Torneio de Desenvolvimento UEFA Sub-16 Feminino e também fez a estreia pela equipa sénior da Ovarense aos 15 anos. Como carateriza essa época e como foi defrontar atletas com o dobro da sua idade?
Nunca liguei às idades. Dentro de campo somos todas iguais e dentro de campo nem há tempo para reparar nisso. Mas sim, jogar pelas seniores era algo que eu ambicionava há muito tempo, mas que infelizmente a idade não permitia. Foi uma época ótima para mim. A conquista do Torneio de Desenvolvimento UEFA Sub-16 foi também muito positivo. Não estávamos à espera e até nós nos surpreendemos, por conseguimos ganhar a grandes seleções como a Espanha. Aí começámos a acreditar na palavra “superação” que tanto nos falam.
 
Em 2017-18 conquistou o título da II Divisão Nacional ao serviço da equipa vareira. Qual foi a sensação?
Foi algo inexplicável. Ainda hoje em dia me arrepio. Foi o meu primeiro título pelo clube a nível nacional. Sem dúvida que foi a recompensa de muito trabalho e não há melhor sensação que isso, o reconhecimento do nosso esforço e dedicação. Éramos um grupo muito jovem que conseguiu conquistar algo em que ninguém acreditava.
 

“Experiência no Valadares Gaia correu bastante bem”

No início de 2019 trocou a Ovarense pelo Valadares Gaia. O que a fez mudar de ares?
Uma série de obstáculos apareceram durante essa época. Desistir de jogar era opção. Contudo, apareceu a oportunidade do Valadares, uma oportunidade que me permitia sair um pouco da minha zona de conforto. Entretanto fui e correu bastante bem. Conseguimos ir à final da Taça de Portugal e ficámos bem classificadas no campeonato.
 

“Gostei imenso do Fiães”

Mariana Campino com a camisola do FIães
Seguiu-se o Fiães. O que achou do clube?
Gostei imenso. Foi um clube que começou do zero, em que a aposta foi feita mediante a confiança das jogadoras no projeto e correu bastante bem. No primeiro ano conseguimos fazer uma excelente época e subimos ao escalão máximo do futebol feminino sem qualquer derrota no campeonato. Já o segundo ano não correu tão bem, pois éramos poucas com experiência na I Liga, e também devido a termos praticamente em todos os jogos baixas por causa da situação atual da pandemia. Custou-me abraçar um projeto novo a meio da época, mas era algo impossível de recusa. Contudo, fiz várias amizades e sempre que posso vou ver os jogos delas ou ver algum treino para matar saudades daquele ambiente incrível.
 

“Ser treinada pelo pai? Tem os seus prós e os seus contras…”

No Fiães foi orientada pelo seu pai, Paulo Campino. Como foi trabalhar com ele?
Já tinha trabalhado com ele no ano em que subimos à I Liga pela Ovarense.
Tal como tudo na vida, esta situação tem os seus prós e os seus contras. Posso dizer que somos os maiores críticos construtivos um do outro. Quando algo está mal com a equipa, sou a primeira a levar na cabeça e a ser chamada à razão, tal como sou a primeira a dizer-lhe quando erra. Mas também tenho alguém que me aconselha sempre para obter sucesso, tal como tento fazer o mesmo com ele.
 
É inevitável não falar da família Campino e da ligação que tem ao futebol. Como é vivida a modalidade no seio familiar?
É vivida de uma forma normal. Tanto eu, como o meu pai e o meu irmão estamos ligados diretamente ao futebol. Já a minha mãe e os meus primos torcem pelo nosso sucesso e tentam acompanhar-nos ao máximo.
 
Quais são os seus sonhos no mundo do futebol?
O meu principal objetivo é ser feliz no que faço e sair de todos os jogos com o pensamento de que dei tudo. Claro que é o sonho de todas as atletas chegar à seleção principal e tenho a certeza que trabalharei para evoluir ao máximo e, se possível, chegar lá. Mas não jogo com esse principal objetivo. Os meus principais objetivos são coletivos e, se possível, um dia ser campeã nacional.
 
Além do futebol, tem algum outro tipo de atividade?
Sim, sou estudante universitária. Estou no segundo ano da Licenciatura de Contabilidade na Universidade de Aveiro.
 
Mariana Campino num jogo frente à seleção francesa
Como tem visto a evolução do futebol feminino em Portugal e o que julga que falta para que a seleção nacional se torne presença regular nos Campeonatos da Europa e do Mundo?
O futebol feminino talvez seja das modalidades que mais tem evoluído nos últimos tempos. Acho que tem faltado a aposta profissional de clubes portugueses na jogadora portuguesa, mas isso tem vindo a melhorar. Esta aposta por parte dos clubes também ajuda a termos seleções nacionais melhores, o que cada vez mais se impõe.
 
Que opinião tem acerca da questão da equidade de género no futebol. As mulheres devem receber salário semelhantes aos dos homens ou futebol masculino e futebol feminino são ainda indústrias bem distintas?
Não tenho grande meio de comparação, pois não tenho muita experiência no escalão máximo. No entanto, sinto grandes diferenças na forma como os clubes estão a abordar da melhor forma o futebol feminino, proporcionando-nos melhores condições e apostando um pouco mais nas atletas. Mas o futebol feminino ainda está longe, em termos comparativos, do futebol masculino, não só ao nível dos valores monetários envolvidos, como das condições proporcionadas. Sinto uma enorme dificuldade em compreender como o futebol feminino ainda é tratado de forma diferente pelas instituições e acaba por ficar de certa forma para trás. Ainda recentemente, devido à situação do covid-19, aquando o fecho dos concelhos ao fim de semana, os jogos da I Liga foram interrompidos, enquanto que a I e II Ligas masculinas não sofreram qualquer paragem, e a Taça de Portugal Feminina foi cancelada, ao contrário da masculina.
 
Entrevista realizada por Rui Coelho








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