Não tem sido fácil o trajeto
futebolístico do médio luso-angolano
Bruno Santos. Devido a problemas com documentação, ficou privado de jogar pelo
1º de Maio Sarilhense enquanto infantil e pelo Pinhalnovense
enquanto juvenil. Mas foi a tempo de se sagrar campeão distrital de juniores
pela equipa de Pinhal
Novo.
Desde 2016-17 ao serviço do clube
da vila onde reside, o Moitense,
o centrocampista viu a vida profissional retirar-lhe a possibilidade de jogar
tanto quanto desejava ao fim de semana, mas renovou contrato e promete aparecer
forte na próxima temporada, até porque, aos 23 anos, ainda sonha tornar-se
futebolista profissional.
Em entrevista, Bruno Santos fala
da sua ligação ao clube, recorda o seu trajeto atribulado no futebol, aponta os
favoritos ao título distrital e aborda o sensível tema do racismo.
Recentemente o Moitense
anunciou que o Bruno Santos renovou contrato até ao final da próxima época. O
que o levou a manter-se no Juncal?
O que me levou a ficar no Moitense
foi o facto de já estar muito ambientado ao clube e à terra onde vivo. O
balneário também, somos como uma família, já criamos laços muito fortes e é uma
honra ficar mais uma época.
Com que objetivos individuais e coletivos vai entrar na próxima época?
Como qualquer jogador jovem,
tenho ambições também de chegar a um nível mais alto, mas penso mais no
coletivo que no individual. O individual só corre bem se o coletivo estiver bem.
Como equipa de meio da tabela, ambicionamos ficar entre os dez primeiros
classificados, pensar jogo a jogo e depois fazer as contas no fim, mas como
sempre com muita sede e ambição para mais.
Do que conhece e vai vendo neste mercado de transferências, quais são
os clubes favoritos à conquista do título da I
Distrital da AF Setúbal em 2020-21?
Do que tenho visto, penso que o Barreirense
e o União
de Santiago do Cacém estão a reforçar-se bem, com jogadores de nível alto,
experientes e que conhecem bem o campeonato, mas não estou muito atento aos
outros clubes, só penso no meu.
Na época passada não foi além de seis jogos oficiais, um registo
inferior aos das temporadas anteriores. O que se passou para não ser tão
utilizado?
Infelizmente joguei pouco por
motivos profissionais, era difícil conciliar trabalho e futebol. Foi um bocado
difícil a nível pessoal, fiquei impedido de fazer o que mais gosto e de não poder
ajudar os meus colegas, mas esta época de certeza que será diferente. Se Deus
quiser tudo vai correr como o clube quer.
“Dificilmente jogaria noutro clube”
Bruno Santos espera jogar mais do que na temporada transata |
Em cinco anos no futebol sénior, jogou sempre no Moitense.
O que o clube tem de especial e o que significa para si?
Como habitante da Moita
desde criança, jogar no Moitense
é simplesmente fantástico. Andar na rua e seres reconhecido pelas pessoas daqui
é muito gratificante, não há dinheiro que compre isso. Adoro jogar no Moitense,
muito dificilmente jogaria noutro clube. Sinto-me em casa e, mais importante,
sinto-me respeitado.
No Moitense
há vários jogadores com ligações a Angola,
nomeadamente Helmut Ari, Jorge Costa e João Santos, além do treinador David
Nogueira. Falam muito sobre as vossas raízes?
[Risos] Sim, falamos, é impossível
não falar da nossa terra mãe. Apesar de ter nascido em Portugal e nunca ter
visitado Angola,
parte do meu coração esta lá. Por vezes os costumes e a educação que tens em
casa é como se tivesses nascido lá. O Ari, com quem costumo brincar muito, conta-me
histórias fantásticas de lá, até porque ele que jogou em Angola.
Espero em breve poder visitar Angola,
é um dos meus grandes objetivos
“Estreia no futebol federado foi como vencer a Champions”
Começou a jogar futebol no 1º de Maio Sarilhense. Que memórias guarda
desses tempos?
Sim, a primeira vez que joguei
futebol federado foi no 1º de Maio Sarilhense, na altura como iniciado.
Infelizmente só consegui jogar futebol 11 federado devido a problemas com a
minha nacionalidade. Lembro-me como se fosse ontem, o meu treinador na altura,
José Viegas – a quem aproveito para mandar um abraço -, lançou-me na segunda
parte. Foi uma alegria tão grande como se tivesse vencido a Liga
dos Campeões [risos], foi mesmo uma alegria enorme. Desde criança que
sonhava com esse momento, era muito duro quando era de escalões inferiores
treinar e não podia jogar, enquanto via todos os meus colegas jogarem menos eu,
mas graças a Deus tudo correu bem e anos mais tarde pude jogar.
O que o 1° de Maio Sarilhense tem de especial para e que significado
tem para si e para sua carreira?
O 1º de Maio terá sempre um lugar
especial para mim, foi o clube que me deu a oportunidade de jogar federado a
primeira vez na vida. Foram anos fantásticos num clube de pessoas humildes,
trabalhadoras, da terra, que sempre me trataram bem, me respeitaram e
valorizaram. Só guardo boas memórias.
Dois anos fantásticos com direito a título distrital no Pinhalnovense
Bruno Santos em ação pela equipa júnior do Pinhalnovense |
Seguiu-se o Pinhalnovense,
clube pelo qual se sagrou campeão distrital em 2014-15. Quais são as principais
recordações das épocas que passou em Pinhal
Novo?
Entretanto nas épocas que se
seguiram de juvenis não consegui jogar de novo, outra vez devido a problemas de
documentação, mas já andava a treinar no Pinhalnovense,
passaram-se dois anos e na minha primeira época de júnior tudo se resolveu e
fui inscrito pelo clube. Desse ano só guardo memórias fantásticas, fomos
campeões com larga vantagem sobre o segundo classificado, com a melhor defesa e
o melhor ataque. Jogávamos de olhos fechados. O mister Jaime
Margarido, a quem aproveito também para mandar um abraço, montou um grupo
muito forte. Tínhamos um grupo tão forte que se perguntassem a algum jogador
qual era o onze titular, respondia com dificuldade. Foi um ano fantástico! Não
jogava há dois anos e regressar e ser campeão foi como a cereja no topo do bolo.
O que faltou para subir aos seniores do Pinhalnovense?
Penso que, como em outros clubes,
faltou a oportunidade de se apostar em jovens jogadores, porque qualidade
estava lá. Infelizmente não quiseram apostar em jovens jogadores, mas tínhamos
uma base muito forte e creio que alguns jogadores tinham qualidade para
integrar o plantel sénior.
Como descreve a sua passagem pelo clube de Pinhal
Novo?
Foram dois anos fantásticos. No
primeiro ano fomos campeões, no segundo quase que fomos à fase de subida, tendo
falhado por dois pontos, salvo erro. Conseguimos encher o estádio sábado após sábado
e dar às pessoas o prazer de assistir a bom futebol. Foi muito marcante a nível
pessoal, até hoje mantenho contacto com alguns jogadores. Tal como no Moitense,
tínhamos um grupo forte, como uma família.
Quais são as suas raízes em Angola?
Meus pais são angolanos.
O meu pai é da cidade de M'Banza Kongo, perto da fronteira com a República Democrática
do Congo. A minha mãe e da província do Uíge.
Onde nasceu e cresceu? Como foi a sua infância?
Nasci em Lisboa, na Maternidade
Alfredo da Costa, e até aos quatro anos vivi em Santo António dos Cavaleiros
[concelho de Loures]. Mais tarde vim para a margem sul, mais precisamente para
a Moita,
onde tenho vivido até hoje. A minha infância foi sempre passada com o meu irmão
mais velho, na rua, a jogar à bola e a fazer trafulhices. Sempre fui muito
chegado a ele, onde ele fosse eu também ia [risos], era como se fosse um modelo
a seguir. Jogávamos de dia e de noite, até costumo dizer que a minha grande escola
no futebol foi o futebol de rua.
“Girabola é um campeonato muito interessante, com muito diamante por lapidar”
Bruno Santos em ação num encontro diante do Sesimbra |
Para ser sincero não acompanho
muito o futebol
angolano. Dos jogos que vi, o Girabola
é um campeonato interessante, onde há muito diamante por lapidar, jogadores virtuosos,
futebol direto, mas que taticamente ainda precisa de ser mais trabalhado. Os
jogadores de referência que tenho é sem dúvida Mantorras e Akwá, foram os
grandes jogadores da história do futebol
angolano. Recentemente gosto muito do Fabio Abreu do Moreirense e do Gelson
Dala, penso que podem dar o salto.
Sempre quis ser futebolista ou tinha outros sonhos em mente? O que faz
além do futebol?
Sim, desde criança que sempre
sonhei tornar-me profissional de futebol. Costumo dizer que Deus me deu o dom
errado. A concorrência é muito forte, não é toda a gente que chega ao topo, mas
mesmo assim nunca sonhei com outra profissão. Hoje já tenho alternativas, mas
quando era criança não. Neste momento trabalho na loja da Nike no centro
comercial Freeport [Alcochete]. É uma loja de desporto, logo identifico-me,
porque sempre fui um rapaz ligado ao desporto.
Quais são as suas maiores referências?
O meu pai, sem dúvida, é o meu
maior orgulho e referência na vida, por tudo que passou, porque chegar a Portugal
sem saber dizer uma única palavra de português não é fácil. Se hoje estou bem
de saúde e com uma vida estável é muito graças a ele, é uma grande referência
para mim.
Quais são os seus maiores sonhos no futebol e na vida?
No futebol o meu sonho é tornar-me
jogador profissional, ser reconhecido pela minha família e amigos, pisar
grandes palcos do futebol. Na vida é ser um bom pai, ter uma família bem de
saúde e estável.
Já alguma vez se sentiu vítima de racismo? O que é para si o racismo?
Graças a Deus nunca me senti
verdadeiramente vítima de racismo. Houve alguns episódios, mas tudo se resolveu
no momento, como qualquer ser humano como deve de ser. Penso que o racismo é
uma coisa estúpida, sem sentido nem qualquer nexo, porque somos todos iguais
neste mundo, pois todos choramos, rimos… não é por sermos de países diferentes
e de cor de pele diferente que somos especiais. Todos nós vivemos no mesmo
mundo, mas infelizmente há uma minoria no mundo que não entende isso, é algo
que até custa falar e pensar, é mesmo triste, mas gosto de pensar positivo e
pensar que daqui a uns anos esse pensamento estúpido vai acabar.
Entrevista realizada por Romilson Teixeira
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