segunda-feira, 13 de julho de 2020

Sintra + Estrela. Quando a fome se junta à vontade de comer

Presidentes Rui Silva e Dinis Delgado assinalam fusão entre clubes
Tem dado bastante que falar a fusão entre o Sintra Football e o Estrela da Amadora, aprovada este sábado em assembleia geral por 92% dos sócios. Embora a percentagem tenha sido esmagadora, não têm faltado críticos a acusar os responsáveis estrelistas de estarem a utilizar mecanismos legais para obterem com facilidade algo que poderia demorar bastante tempo a conseguir em campo: chegar ao Campeonato de Portugal e ficar mais perto das ligas profissionais.


Apesar de se compreender que os seguidores do futebol português estejam escaldados de manobras sujas e engenhosas por parte de dirigentes com sede de protagonismo, também já sabemos que reina a má-fé, a ignorância e a inveja nas caixas de comentários das redes sociais.

Se houvesse boa-fé de quem comenta este tipo de acontecimentos, talvez neste momento se estivesse a saudar o facto de em 2020, num tempo em que se assiste a tantas fraturas sociais (países vs. países, regiões vs. regiões, brancos vs. negros, clubes vs. clubes, ricos vs. pobres, novos vs. velhos, trabalhadores vs. patrões, direita vs. esquerda, etc.), dois clubes se terem fundido.

Basta recordar que não é algo novo e que, há várias décadas atrás, Sport Lisboa e Benfica (1908), Sp. Covilhã (1923), Ginásio de Alcobaça (1946), O Elvas (1947) e Fafe (1958), a título de exemplo, também nasceram de fusões. No caso de O Elvas, resultou da fusão do Sporting Clube Elvense com o Sport Lisboa e Elvas, que na altura competia na I Divisão, e por isso disputou o patamar maior do futebol português assim que foi fundado.  Ou seja, um processo semelhante ao do Club Football Estrela da Amadora, que vai entrar diretamente no Campeonato de Portugal em virtude de um dos clubes fundadores, o Sintra Football, competir nesse escalão.

Depois, há que ter em conta a proximidade geográfica. Para quem não tenha uma noção geográfica tão precisa, o concelho de Sintra e a freguesia de Queluz e Belas em particular – onde estava sediado o Sintra Football – vivem paredes-meias com o município da Amadora. Sem darmos muito por isso, sai-se da Amadora e entra-se em Queluz e vice-versa. Não é por acaso que um dos hospitais mais importantes da Área Metropolitana de Lisboa, o Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, também é designado por Hospital Amadora-Sintra. Quantos no país têm dois (ou mais) concelhos na designação?

Por fim, outro fator importante a ter em conta – o mais importante - é o contexto dos clubes. O Sintra Football era um clube recente, fundado em 2007, mas que vinha numa trajetória incrivelmente ascendente, ao ponto de em 2019-20 ter competido no Campeonato de Portugal e eliminado o Vitória de Guimarães da Taça de Portugal. Mais do que um clube, era uma equipa (sénior), sem camadas jovens nem campo próprio, e que tem andado com as casas às costas durante 13 anos – na época passada jogou fora do concelho de origem, em Oeiras. E apesar das subidas de divisão que levaram o Sintra aos campeonatos nacionais, a estrutura era bastante rudimentar e tinha no seu presidente, Dinis Delgado, um faz-tudo: presidente, diretor desportivo, speaker, rececionista, chefe de claque, responsável pela comunicação, etc. Ainda assim, teve o know-how suficiente para levar o clube que criou a um nível elevado na hierarquia do futebol português. Mas quanto mais tempo isso poderia durar e quanto mais poderia o Sintra crescer nessas condições?

Já o Clube Desportivo Estrela, uma espécie de sucessor do Estrela da Amadora que nos habituámos a ver na I Liga durante as décadas de 1990 e de 2000, tinha a base associativa, camadas jovens desde os traquinas aos juniores e o Estádio José Gomes – ainda que não fosse o proprietário – e herdou uma história riquíssima. Porém, tem faltado o know-how para projetar a equipa sénior de futebol um pouco mais além do que o meio da tabela da terceira e última divisão distrital da AF Lisboa - o que tendo em conta o nome do clube, até é embaraçoso.

É verdade que há um certo tacticismo com a fusão, até porque mete os nomes de Paulo Lopo e André Geraldes ao barulho, mas imagino que não tenha sido fácil para Dinis Delgado, que levou o nome e a marca do Sintra Football até aqui, ver o clube que criou a tornar-se repentinamente em apenas mais um capítulo da história do Estrela da Amadora. E também não terá sido com certeza de ânimo leve que os responsáveis e associados do Estrela, que vinham paulatinamente a ressuscitar um clube histórico e com muito significado para a Amadora, a alterarem o rumo de crescimento bastante sustentado que estavam a levar.  

Uma decisão rara, que junta a fome de uns à vontade de comer de outros, numa altura em que é bem mais fácil divergir do que convergir.  














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