Fez-se internacional no Portimonense, foi diretor do Sporting e treinou em seis países. Quem se lembra de Norton de Matos?
Norton de Matos brilhou no Portimonense entre 1981 e 1984
Já fez de tudo no futebol: jogou,
treinou, dirigiu, formou e até comentou. Apesar da versatilidade, nunca terá
atingido noutra função o nível que alcançou enquanto futebolista, uma vez que chegou
a ser internacional A e foi um dos primeiros portugueses a ter sucesso no
estrangeiro.
Sobrinho-neto do general José Norton
de Matos, nasceu a 14 de dezembro de 1953 em Lisboa e começou a jogar futebol
nas camadas jovens do Estoril,
mas foi no Benfica
que concluiu a formação e se tornou internacional jovem por Portugal. Quando transitou para sénior,
inicialmente integrou a equipa de reservas dos encarnados,
mas em 1973-74 foi emprestado à Académica,
tendo aproveitado para frequentar o curso de Direito na Universidade de
Coimbra, seguindo assim uma tradição familiar. Contudo, o reitor era
salazarista e não guardava boas recordações do tio-avô de Luís Norton de Matos,
um dos principais opositores de António de Oliveira Salazar, o que obrigou o
então reforço da Briosa
a adiar os planos académicos. Curiosamente, foi precisamente durante essa
temporada que aconteceu a Revolução dos Cravos. Ainda sem espaço no plantel do Benfica
após a cedência, prosseguiu a carreira no Estoril
e posteriormente no Atlético,
clube no qual teve uma primeira experiência como treinador em 1976-77, ao integrar
uma comissão técnica formada com Franque, Mário Wilson (filho) e Nelo até à chegada
do novo timoneiro, o ex-defesa benfiquista Artur
Santos. Após a descida dos alcantarenses
à II Divisão aceitou o convite de António Medeiros, que já o havia orientado na
Amoreira, e transferiu-se para o Belenenses. Depois de um ano no Restelo, o avançado
transferiu-se para os belgas do Standard
Liège no verão de 1978 e, ao longo de três épocas, tornou-se um dos
primeiros portugueses a ter sucesso no estrangeiro, tendo vencido uma Taça da
Bélgica em 1980-81, ainda que não tivesse jogado na final, diante do Lokeren
(4-0).
Na Bélgica deu de caras, também,
com um… mundo novo: “Em Portugal só havia dois canais que acabavam a
programação à meia-noite com o hino nacional e eu tinha uma televisão a preto e
branco. Chego a Liège e deparo-me no quarto de hotel com uma televisão a cores,
com 16 canais. Eu passava horas à frente daquela caixa mágica. E quem me
visitava também! Aquilo era um mundo novo. E o vídeo? Comprei uma BetaCam, um
aparelho de vídeo que gravava. E eu gravava tudo. Imagine: futebol, música e
outros programas. Gastei muito dinheiro na compra de cassetes. Mais surpresas:
havia McDonald’s e Coca-Cola.” No que concerne ao futebol e a
toda a sua envolvente, também encontrou diferenças abismais. “Mal assinei pelo Standard,
recebi da Adidas três pares de chuteiras com pitons de alumínio, outras três
com pitons de borracha, fatos de treino, sapatilhas, tudo e mais alguma coisa.
O meu carro ficou cheio com aquela tralha toda. E eu só jogava com um par, o
outro estava religiosamente guardado lá em casa. Em Portugal, era preciso
juntar, juntar e juntar o dinheiro para comprarmos um par de Adidas. E isso
também vale para um par de calças da Levi’s, um casaco desta marca, uma blusa
da outra. A diferença entre Portugal e Bélgica era enorme. Repare: nós,
jogadores do Standard,
éramos requisitados uma vez por mês a ir a um centro comercial, tipo Colombo, e
passar lá duas horas a dar autógrafos. Eu, por exemplo, tinha casas de fãs
espalhadas por toda a Bélgica. Em Bruxelas, Antuérpia, Charleroi… clubes de
fãs. Com o consentimento do clube, eles iam buscar-me a Liège e levam-me a um
jantar promovido por eles. Lá, jantava ao lado deles. E discursava em francês.
Depois, dava-se início à soirée com música, danças e conversa”, contou. De regresso a Portugal, lançou a
revista Foot nas bancas lusas, inspirada na Foot belga, e assinou
pelo Portimonense.
Em 1981-82 viveu mesmo, às ordens de Manuel Oliveira e depois Artur
Jorge, a melhor temporada da carreira, tendo apontado 12 golos. Os bons desempenhos valeram-lhe
chamadas à seleção
nacional A, tendo somado cinco internacionalizações entre janeiro e
setembro de 1982. Num desses jogos, em Hannover diante da Alemanha
de Harald Schumacher, Pierre Littbarski, Paul
Breitner e Karl-Heinz Rummenigge, marcou o golo solitário na derrota da equipa
das quinas então comandada por Juca (1-3).
Após três anos em Portimão,
regressou ao Belenenses
no verão de 1984 para mais um par de épocas no Restelo, despedindo-se dos azuis
com uma derrota na final da Taça
de Portugal diante do Benfica
a 27 de abril de 1986 (0-2), jogo no qual partiu a cana do nariz num lance com
o Veloso, quando estava pré-convocado para o Mundial
do México.
Em 1986-87 despediu-se da
carreira de futebolista, aos 33 anos, com a camisola do Estrela
da Amadora, então na II Divisão Nacional. Depois abraçou a carreira de
treinador, começando por orientar o Atlético
em 1988-89 e passando depois pela seleção
nacional de sub-21, pelo Barreirense
e pelo Sp.
Espinho. Em 1996 fez uma pausa no percurso
como técnico para abraçar a função de diretor desportivo no Sporting,
tendo sido o principal responsável pela contratação de dois treinadores (Robert
Waseige e Mirko
Jozic) e 36 jogadores (Acosta, Afonso
Martins, Assis,
Balajic, Bino,
Carlos Miguel, César Ramirez, De Wilde, Delfim,
Dominguez, Duscher, Gil Baiano, Gimenez, Hadji, Heinze,
Kmet, Krpan, Lang, Leandro
Machado, Luís Miguel, Marcos, Mauro Soares, Misse Misse, Nélson, Nené,
Ouattara, Paulo
Alves, Pedro Barbosa, Pedro
Martins, Quim
Berto, Quiroga, Saber, Skuhravy,
Tiago,
Vidigal e Vinícius).
Alguns foram ótimos negócios, uns assim-assim e outros ruinosos.
Entretanto aventurou-se como
comentador da RTP antes de voltar aos bancos para comandar Sp.
Espinho e Salgueiros
na II
Liga. Em 2005-06 estreou-se como treinador
na I
Liga ao leme de um Vitória
de Setúbal que tinha acabado de vencer a Taça
de Portugal, mas que vivia uma grave crise financeira, com salários em
atraso. Norton de Matos recrutou vários jogadores no mercado francês, que
conhecia amplamente, entre os quais os médios Siramana Dembélé e Grégory
Lacombe e o atacante Oumar Tchomogo. Só dirigiu a equipa até meio de dezembro, saindo
em litígio com a direção de Chumbita Nunes, mas venceu 10 dos 19 jogos oficiais
que disputou, deixando os sadinos
em 3.º lugar no campeonato e ainda em prova na Taça.
Depois comandou Vitória
de Guimarães, Benfica
B e Desp.
Chaves na II
Liga, os senegaleses do Étoile Lusitana e a seleção
da Guiné-Bissau antes de voltar à I
Liga pela porta da União
da Madeira, não conseguindo evitar a descida de divisão. Posteriormente orientou a seleção
de sub-17 da Índia, tendo competido no Campeonato do Mundo da categoria, os
indianos do Indian Arrows e as equipas B de Antuérpia, Lille
e Seraing. Em Portugal, nos últimos anos treinou o Avanca nos distritais da AF
Aveiro em 2021-22 e o Tirsense
no Campeonato
de Portugal em 2024-25.
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