“Esta época as outras equipas vão ter de lutar pelo 2.º lugar”. Recorde as melhores pérolas de Joaquim Meirim
Joaquim Meirim orientou 16 equipas entre 1968 e 1997
Arrojado, polémico e inovador.
Joaquim Meirim foi uma espécie de primeira versão, a preto e branco, de José
Mourinho. E digo preto e branco porque não só surgiu quando ainda a
televisão e as fotografias não eram a cores como não conseguiu colorir o currículo
com títulos.
Nascido em Monção e filho de um
professor primário que ficou proibido pelo regime de Salazar de exercer a
profissão e que se radicou em Alcântara para trabalhar como sapateiro, praticou
natação no Sport Algés e Dafundo e futebol no Atlético
e correu mundo ao serviço da marinha mercante, tendo vivido em Buenos Aires e
Havana, o que certamente o influenciou a filiar-se no Partido
Comunista Português. Em 1962 tirou o curso de
treinador de futebol na Cruz Quebrada, com Fernando Vaz e José Maria Pedroto
como preletores, e surgiu pela primeira vez no comando técnico de uma equipa em
1967-68, na CUF,
quando tinha apenas 32 anos. Apanhou a equipa no fundo da tabela e guiou-a ao
9.º lugar. Na altura surpreendeu tudo e
todos pela forma como falava à imprensa e pelos métodos de treino e de
planeamento que utilizava. Foi dos primeiros a levar equipas a fazer a
pré-época no campo e na praia e a promover exercícios de aquecimento antes do
início de cada partida, resistindo às críticas de quem considerava que os
jogadores iriam começar os jogos já cansados. Após ter guiado o Varzim
ao sexto lugar na I
Divisão em 1969-70 – haveria de lançar na Póvoa a pérola “a derrota é a mãe
de todas as vitórias” –, assinou pelo Belenenses.
Durante a pré-época meteu os jogadores a correr na praia de São Pedro de Moel,
no concelho da Marinha Grande, a subir às árvores e a carregar troncos em matas
e a fazer competições de natação entre eles, promovendo o contacto com a
natureza. “Ser treinador é viver o padre, o psicólogo, o pedagogo, o político,
o preparador físico, o tático”, defendia.
Por outro lado, os atletas
ficaram proibidos de casar duranta a época. “Está também assente que não será
concedida a qualquer jogador autorização para contrair casamento no período
decorrido entre 27 de julho e 30 de maio salvo em caso de força maior que
espero não venha a registar-se. (…) Nesse período crucial para a realização dos
nossos objetivos os jogadores precisarão de toda a tranquilidade de espírito
pelo que terei pura e simplesmente que afastar todo e qualquer foco de
perturbação”, afirmou ao jornal A Bola na altura.
Convicto da sua metodologia, e
apesar de os azuis
do Restelo já não terminarem o campeonato no pódio desde 1959-60, assumiu a
candidatura ao título. Ou melhor: assumiu que ia ser campeão, até porque os
seus jogadores iriam “cuspir sangue em campo!”. “Esta época, as outras equipas
vão ter de lutar pelo segundo lugar”, atirou. Na mesma altura, vaticinou que um
dia iria treinar o Benfica.
“Muitas vezes, por causa da paz é preciso fazer a guerra. Daqui a três anos
todos irão perceber onde quero chegar. Isso é inevitável! Como ter sido
convidado para o Belenenses.
Sabia que esse momento iria chegar. Como sei que virei a ser convidado para
treinar o Benfica.
E esse momento não vai apanhar-me de surpresa”, atirou. Na primeira jornada do
campeonato, o Belenenses
bateu o Vitória
de Guimarães em casa por 3-1, o que fez aumentar a bazófia: “Escreveu-se a
primeira página da história do novo campeão”. Na semana seguinte, antes de
visitar o Estádio das Antas, soltou novo aviso arriscado: “Parabéns aos adeptos
do FC
Porto – vão ter o privilégio de ver ao vivo a melhor equipa de Portugal.” O problema foi que perdeu nas
Antas e uma semana depois perdeu em Faro, antes de somar três empates
consecutivos e mais uma derrota numa visita ao Leixões.
Despediu-se após a 18.ª jornada, tendo deixado o emblema
da cruz de Cristo na 11.ª posição, a dois pontos da zona de despromoção. Haveria de passar também por Boavista,
Leixões
– de onde foi despedido após apresentar a candidatura à presidência da Câmara Municipal
de Matosinhos, em 1976, em nome da então coligação Frente Eleitoral Povo Unido
(que incluía o PCP)
–, Beira-Mar,
Salgueiros,
Sanjoanense,
Sacavenense,
Desportivo
das Aves, Estrela
da Amadora, Samora Correia, Louletano,
Lusitano
de Évora, Vianense
e Desportivo
de Beja. Obcecado pelos pormenores, tentou
introduzir exercícios novos, mas insólitos, ao treino de guarda-redes. Chegou a
correr o boato de que largava galinhas aos guardiões em vez de chutar bolas à
baliza, porque a galinha teria um percurso mais incerto, mas Benje, seu antigo
guarda-redes no Varzim
e no Leixões,
desmentiu. Bem mais real era um exercício…
imaginário: simulava que rematava uma bola e o guarda-redes lançava-se para o
chão a imaginar que a defendia. Um dia, o guardião que tinha pela frente não se
mexeu. “Então, pá! O que é que aconteceu?!”, questionou. “Mister, essa passou
longe da baliza”, ripostou o guarda-redes. Infelizmente, durou pouco na
alta-roda do futebol. E também durou pouco neste mundo: morreu a 25 de maio de
2001, quando tinha apenas 65 anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário