domingo, 24 de março de 2024

“Esta época as outras equipas vão ter de lutar pelo 2.º lugar”. Recorde as melhores pérolas de Joaquim Meirim

Joaquim Meirim orientou 16 equipas entre 1968 e 1997
Arrojado, polémico e inovador. Joaquim Meirim foi uma espécie de primeira versão, a preto e branco, de José Mourinho. E digo preto e branco porque não só surgiu quando ainda a televisão e as fotografias não eram a cores como não conseguiu colorir o currículo com títulos.

Nascido em Monção e filho de um professor primário que ficou proibido pelo regime de Salazar de exercer a profissão e que se radicou em Alcântara para trabalhar como sapateiro, praticou natação no Sport Algés e Dafundo e futebol no Atlético e correu mundo ao serviço da marinha mercante, tendo vivido em Buenos Aires e Havana, o que certamente o influenciou a filiar-se no Partido Comunista Português.
 
Em 1962 tirou o curso de treinador de futebol na Cruz Quebrada, com Fernando Vaz e José Maria Pedroto como preletores, e surgiu pela primeira vez no comando técnico de uma equipa em 1967-68, na CUF, quando tinha apenas 32 anos. Apanhou a equipa no fundo da tabela e guiou-a ao 9.º lugar.
 
Na altura surpreendeu tudo e todos pela forma como falava à imprensa e pelos métodos de treino e de planeamento que utilizava. Foi dos primeiros a levar equipas a fazer a pré-época no campo e na praia e a promover exercícios de aquecimento antes do início de cada partida, resistindo às críticas de quem considerava que os jogadores iriam começar os jogos já cansados.
 
Após ter guiado o Varzim ao sexto lugar na I Divisão em 1969-70 – haveria de lançar na Póvoa a pérola “a derrota é a mãe de todas as vitórias” –, assinou pelo Belenenses. Durante a pré-época meteu os jogadores a correr na praia de São Pedro de Moel, no concelho da Marinha Grande, a subir às árvores e a carregar troncos em matas e a fazer competições de natação entre eles, promovendo o contacto com a natureza. “Ser treinador é viver o padre, o psicólogo, o pedagogo, o político, o preparador físico, o tático”, defendia.

Por outro lado, os atletas ficaram proibidos de casar duranta a época. “Está também assente que não será concedida a qualquer jogador autorização para contrair casamento no período decorrido entre 27 de julho e 30 de maio salvo em caso de força maior que espero não venha a registar-se. (…) Nesse período crucial para a realização dos nossos objetivos os jogadores precisarão de toda a tranquilidade de espírito pelo que terei pura e simplesmente que afastar todo e qualquer foco de perturbação”, afirmou ao jornal A Bola na altura.

 
Convicto da sua metodologia, e apesar de os azuis do Restelo já não terminarem o campeonato no pódio desde 1959-60, assumiu a candidatura ao título. Ou melhor: assumiu que ia ser campeão, até porque os seus jogadores iriam “cuspir sangue em campo!”. “Esta época, as outras equipas vão ter de lutar pelo segundo lugar”, atirou.
 
Na mesma altura, vaticinou que um dia iria treinar o Benfica. “Muitas vezes, por causa da paz é preciso fazer a guerra. Daqui a três anos todos irão perceber onde quero chegar. Isso é inevitável! Como ter sido convidado para o Belenenses. Sabia que esse momento iria chegar. Como sei que virei a ser convidado para treinar o Benfica. E esse momento não vai apanhar-me de surpresa”, atirou.
 
Na primeira jornada do campeonato, o Belenenses bateu o Vitória de Guimarães em casa por 3-1, o que fez aumentar a bazófia: “Escreveu-se a primeira página da história do novo campeão”.
 
Na semana seguinte, antes de visitar o Estádio das Antas, soltou novo aviso arriscado: “Parabéns aos adeptos do FC Porto – vão ter o privilégio de ver ao vivo a melhor equipa de Portugal.”
 
O problema foi que perdeu nas Antas e uma semana depois perdeu em Faro, antes de somar três empates consecutivos e mais uma derrota numa visita ao Leixões. Despediu-se após a 18.ª jornada, tendo deixado o emblema da cruz de Cristo na 11.ª posição, a dois pontos da zona de despromoção.
 
Haveria de passar também por Boavista, Leixões – de onde foi despedido após apresentar a candidatura à presidência da Câmara Municipal de Matosinhos, em 1976, em nome da então coligação Frente Eleitoral Povo Unido (que incluía o PCP) –, Beira-Mar, Salgueiros, Sanjoanense, Sacavenense, Desportivo das Aves, Estrela da Amadora, Samora Correia, Louletano, Lusitano de Évora, Vianense e Desportivo de Beja.
 
Obcecado pelos pormenores, tentou introduzir exercícios novos, mas insólitos, ao treino de guarda-redes. Chegou a correr o boato de que largava galinhas aos guardiões em vez de chutar bolas à baliza, porque a galinha teria um percurso mais incerto, mas Benje, seu antigo guarda-redes no Varzim e no Leixões, desmentiu.
 
Bem mais real era um exercício… imaginário: simulava que rematava uma bola e o guarda-redes lançava-se para o chão a imaginar que a defendia. Um dia, o guardião que tinha pela frente não se mexeu. “Então, pá! O que é que aconteceu?!”, questionou. “Mister, essa passou longe da baliza”, ripostou o guarda-redes.
 
Infelizmente, durou pouco na alta-roda do futebol. E também durou pouco neste mundo: morreu a 25 de maio de 2001, quando tinha apenas 65 anos.



 
 




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