Desde os oito anos que me habituei
a ir ao futebol ao domingo à tarde, pela mão do meu pai. De agosto e a junho,
era sempre um dos momentos mais aguardados de cada semana. Residíamos no Barreiro,
mais propriamente na zona dos Casquilhos, e o destino era quase sempre o
Estádio Alfredo da Silva, onde jogava o Fabril,
clube no qual pratiquei ginástica e futebol durante a viragem do milénio.
Além dessa ligação ao emblema
fabrilista, do qual nos tornámos sócios em setembro de 2000, talvez a
presença de amigos do meu pai nas bancadas, o preço mais acessível dos bilhetes,
a facilidade em estacionar e a possibilidade de assistirmos aos jogos sentados
e à sombra nos tivesse atirado para lá e não para o Estádio Dom Manuel de
Mello, casa do Barreirense,
ou para o Campo da Quinta Pequena, do Luso.
Porém, quando o Fabril
jogava fora ou havia algum jogo de maior chamariz do Barreirense,
lá nos deslocávamos ao Dom Manuel de Mello. Naquela altura, eram afixados
cartazes com a informação dos jogos caseiros dos alvirrubros
em caixas de eletricidade, paredes e postes um pouco por toda a cidade. Era praticamente
impossível não saber se o Barreirense,
que na altura militava na II Divisão B – Zona Sul, jogava em casa e quais o
adversário e horário. Já aí começava o contraste: muitas vezes só quando chegávamos
ao Alfredo da Silva é que sabíamos quem era o adversário do Fabril,
nos distritais
da AF Setúbal ou na III Divisão – Série F, e de vez em quando era preciso
que um sócio bem informado nos comunicasse que um jogo tinha sido antecipado
para sábado ou que em determinado fim de semana não se jogaria para o
campeonato.
Chegando às imediações do Dom
Manuel de Mello, notava-se logo que o ambiente era abismalmente diferente do
que aquele que encontrava quinzenalmente no Alfredo da Silva. Junto ao topo
sul, havia uma loja de venda de produtos oficiais do Barreirense
- algo impensável, ainda hoje, no reduto fabrilista.
O exterior do recinto era praticamente forrado de anúncios publicitários de variadíssimas
empresas, lojas, restaurantes e cafés da cidade, numa autêntica demonstração de
simbiose entre Barreiro
e Futebol
Clube Barreirense – nas instalações do Fabril,
apenas lonas da Rádio Baía e do Restaurante O Estádio.
Entrando no estádio, as
diferenças ganhavam ainda maior dimensão. O Dom Manuel de Mello era
incomparavelmente inferior ao Alfredo da Silva, mas tinha bancadas íngremes, coladas
ao relvado e pintadas de vermelho e branco. A vedação que separava bancadas e
relvado dificultava a visão e o peão inutilizável proporcionava uma vista pouco
aprazível para as chaminés da Quimiparque, mas o estádio ganhava vida, cor,
alegria e sobretudo mística à medida que ia enchendo de adeptos fervorosos e vestidos
a rigor, com adereços do clube, encarnando um espírito bairrista que tem vindo
a desaparecer desde a demolição do campo, em 2007.
Falar em vida, cor, alegria e
mística no Dom Manuel de Mello por altura da viragem do milénio sem falar da
Brigada Relote seria um crime. Uma claque era algo que eu só estava habituado a
ver na televisão. No Alfredo da Silva nem do lado dos visitados nem dos
visitantes. Mas havia uma na minha cidade, composta maioritariamente por jovens
adultos que entravam pelo portão adjacente ao Jardim dos Franceses e se concentravam
habitualmente na curva nascente norte, com uma faixa vermelha a identifica-los e
uma camisola gigante do Barreirense
a dar mais colorido. Passavam os 90 minutos a cantar e arrepiava-me
particularmente quando entoavam o lema do clube: “Uma esperança que não finda/Uma fé que tudo vence/Um valor mais alto
ainda/Um só nome… Barreirense”.
Perante este cenário, dentro das
quatro linhas representavam os alvirrubros
um grupo de homens que transportavam essa arrogância positiva para o jogo
através de um futebol ambicioso e um espírito aguerrido. Não era fácil passar
no Dom Manuel de Mello e isso também se fazia sentir quando havia jogos
particulares com equipas de I Liga durante a pré-época. Lembro-me, por exemplo,
de um encontro com o Santa Clara no verão de 2001 que terminou empatado a zero
e de um jogo em que o então vice-campeão nacional Boavista teve de suar bastante
para ganhar no ano seguinte (1-2). Também recordo um empate com a Académica em
2002 e derrotas tangenciais ante Sporting e Benfica
em 2005, antes do regresso do Barreirense
à II Liga.
Ainda assim, o momento mais alto
que vivenciei no Dom Manuel de Mello foi numa partida diante dos modestos
açorianos do União Micaelense, a 28 de maio de 2005. O Barreirense
venceu por 2-1 e garantiu a subida à II Liga, depois de várias tentativas
falhadas em épocas anteriores. O estádio encheu e no final houve uma invasão de
campo festiva, daquelas em que os jogadores só não perdem a roupa interior.
Depois desse momento de festa
seguiu-se um ano difícil no segundo escalão, em que eram despromovidas seis
equipas. O Barreirense
não se bateu mal, mas desceu de divisão, encerrando o futebol profissional em
seguida. Depois o Dom Manuel de Mello foi demolido, mas o que se perspetivava
um negócio rentável atirou o clube para um poço de onde nunca chegou
verdadeiramente a sair. Que saudades
desses bons tempos!
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