Edgar Almeida envergava a braçadeira de capitão |
De saída dos aurinegros, o
jogador passa em revista uma carreira que teve passagens por Bustelo, Cesarense
e pelo futebol
francês e mostra ambições de se reerguer no futebol.
RUI COELHO - O Edgar disputou um total de 18 jogos pelo Beira-Mar, que
acabou por descer ao Distritais da AF Aveiro. Que balanço faz da temporada
2020-21 em termos individuais e coletivos?
EDGAR ALMEIDA - A temporada que
passou foi uma temporada atípica, em que fica um sentimento de tristeza profunda,
mas ao mesmo tempo de orgulho no meu carácter e na minha forma de estar no
futebol e na vida.
Os meus princípios sempre
estiveram à frente de qualquer meta e jamais abandonaria este grupo de
guerreiros por quem tanto lutei e defendi. Passámos uma primeira volta sempre
perto dos primeiros lugares, com um futebol atrativo, de qualidade, e fizemos
um brilharete na Taça
de Portugal, ombreando com o Santa
Clara até ao último minuto. Mas a partir de dezembro foi um descalabro
total a todos os níveis, com situações graves que não são de todo a imagem
deste clube e das suas gentes que tanto prezam o labor e o seu emblemático e
enorme Beira-Mar.
Pus, ponho e voltaria a colocar o
pescoço por todos os atletas que trabalharam dentro daquele clube, pois foram
gigantes na entrega e na dedicação.
Como tem estado a digerir a despromoção?
É uma tristeza inigualável. Foi
uma das minhas maiores lutas enquanto lá estive, a perseverança, não deixar
ninguém desligar, a cobrança a todos os níveis, fazer com que meus colegas
estivessem sempre ligados ao objetivo e concentrados em elevar o nome deste
histórico mesmo com todas as dificuldades que atravessámos.
Infelizmente, não o conseguimos,
e foi sem dúvida um dos momentos mais difíceis da minha carreira, pois afastarem-me
de lutar de mão dada com os meus colegas por um objetivo que tanto queria e
tanto lutei são sem dúvida momentos que não quero recordar.
Edgar Almeida representou o Beira-Mar entre 2019 e 2021 |
Qual foi o sentimento ao representar o clube aurinegro, o mais
conceituado da região de Aveiro?
Foram dois anos de um orgulho
gigante, em que conheci pessoas fantásticas. É um clube com uma massa adepta
muito ligada, exigente, mas de um amor ao clube sem igual. Fico com uma ligação
enorme aos aurinegros e a forma como 90% dos adeptos me trataram mesmo sabendo
pouco sobre a minha saída (pois nunca quis abordar o tema por respeito a todos
intervenientes) é digno do clube que é. É certamente uma ligação que fica para
a vida. Um obrigado é pouco por todo o carinho destas gentes e deste povo.
O que falta ao Beira-Mar para chegar novamente às ligas profissionais?
Sem dúvida, uma estrutura
profissional. Não se podem valer da história se não se estruturarem de forma
profissional em todos os setores. Quando assim for não tenham qualquer dúvida
que o Beira-Mar voltará a estar entre os melhores no panorama do futebol
nacional e europeu.
“Ricardo Sousa? Mafra é apenas uma passagem para o catapultar para outros patamares”
Desde 2019 que era orientado pelo técnico Ricardo Sousa. O que achou
dos seus métodos de trabalho? Acha que se vai afirmar nas ligas profissionais?
O Ricardo é um treinador de
excelência que peca por ter entrado tardiamente nas ligas profissionais. Valoriza
o jogo, o jogador, seja qual for o adversário e não abdica nunca do seu estilo
de jogo, e isso faz com que o jogador que seja escolhido por ele tenha que ter
a capacidade de assumir em qualquer circunstância. Acredito que o Mafra
seja só uma passagem para o catapultar para outros patamares.
Já sabe onde vai jogar na próxima temporada?
Tenho tido algumas propostas,
graças a Deus, mas ainda nada está definido. Deixo tudo na mão do empresário,
pois esse sabe certamente qual será o melhor futuro para mim.
Recuando no tempo, o Edgar nasceu em São João da Madeira. Como é que
foi a sua infância e como é que a bola entrou para a sua vida?
A bola surgiu de forma natural,
ainda com quatro aninhos. Sempre acompanhei os treinos do meu irmão mais velho,
que sempre foi meu maior ídolo. Ia sempre de mão dada com ele vê-lo treinar,
levava uma bola debaixo do braço e pedia ao treinador (Zequinha) para me
arranjar um cantinho onde pudesse dar uns chutos na bola. Quando dei por mim
estavam-me a pedir para treinar com os “grandes”. Que saudades...
“Tudo o que tenho e sou devo à Sanjoanense”
Edgar Almeida fez toda a formação na Sanjoanense |
Os seus primeiros passos no futebol foram dados precisamente no clube
da sua terra, a Sanjoanense.
Quais são as melhores recordações que guarda desses tempos?
Na Sanjoanense
tive uma formação recheada de êxitos. Subimos em quase todos os escalões,
sempre com rivalidades gigantescas com Oliveirense
e Feirense.
O momento alto da minha formação foi certamente o último ano de júnior, quando
conseguimos colocar a equipa na I Divisão Nacional, um feito único na história
desta instituição pela qual tanto carinho tenho.
De que forma a Sanjoanense
foi importante para a sua vida pessoal e para a sua formação enquanto atleta?
Tudo o que tenho e sou, devo à Associação
Desportiva Sanjoanense. Saía de casa às 9 horas da manhã de sábado e via
todos os escalões até ao domingo à tarde, fui apanha-bolas dos seniores, e era
uma alegria imensa poder estar perto de jogadores que para mim eram
referências. A minha educação e personalidade foram formadas por todas aquelas
pessoas que me acompanharam desde a mais tenra idade. A todos esses o meu muito
obrigado.
Em 2011, surgiu a oportunidade de se estrear pela equipa principal da Sanjoanense.
Ainda se recorda desse dia? Qual foi a sensação?
Um misto de emoções, lembro-me
como se fosse hoje. Estreei-me nos seniores contra o Oliveira do Douro na III Divisão
Nacional, ainda era júnior e foi-me dada essa oportunidade. Foi sem dúvida um
sonho realizado jogar num relvado onde tantos craques passaram e onde tanto
sonhei um dia poder jogar.
“Pepa é um treinador de excelência. É obcecado pelo jogo e consegue pôr as cabeças todas a pensar da mesma forma”
Edgar Almeida é central e tem 28 anos |
Na temporada 2013-14 foi orientado pelo mister Pepa. O que achou dos
seus métodos de trabalho e como tem assistido à sua progressão na carreira?
Acredita que é o homem certo para recolocar o Vitória
de Guimarães na rota dos êxitos?
O Pepa é um treinador diferente, pelo
discurso e pela forma como trabalha e conduz os jogadores. Nunca vi igual. Teve
a humildade de começar pelos patamares mais baixos e crescer a pulso. Poucos
são aqueles que não se servem do seu nome ou da sua carreira e começam logo
pelas ligas profissionais.
Um treinador de excelência, que
na minha opinião está mais do que preparado para encarar um desafio num grande
em Portugal e triunfar. Gostava de o ver campeão nacional e acredito que dentro
de poucos anos iremos vê-lo dessa forma. É obcecado pelo jogo e consegue pôr as
cabeças todas a pensar da mesma forma, os que jogam e os que não jogam. É
fantástico.
Qual foi a sensação de conquistar o título distrital da AF Aveiro e a
consequente subida ao Campeonato
de Portugal ao serviço da Sanjoanense
em 2014?
O meu primeiro título enquanto
jogador de futebol sénior, ninguém dava nada pelo nosso plantel, éramos
apelidados de jogadores do café e o Pepa conseguiu que esses mesmos
acreditassem que fosse possível. Que ano incrível e que memória boa. Ainda hoje
juntamo-nos uma vez por ano para o recordar e o Pepa faz sempre questão de
estar presente. Nunca esqueceu as suas origens.
Como tem visto o crescimento da Sanjoanense
desde que deixou o clube?
A Sanjoanense
hoje, graças a Deus, está bem mais estabilizada, com pessoas à frente do clube
que conseguem garantir organização e um crescimento sustentado. Com pouco
conseguem fazer muito e é notório o crescimento e organização que o clube mantém.
Hoje sei e sinto que quem está à frente do clube percebe e sente a
responsabilidade do que é representar a Sanjoanense
e passaram a sentir o clube de forma diferente.
O “enorme respeito” pelo Bustelo e os “momentos de dificuldade” no Cesarense
Foi fantástico, passei lá apenas
três meses, mas que me fizeram crescer de uma forma gigantesca. Um clube que me
acolheu numa fase difícil da minha carreira e pelo qual guardo enorme respeito.
Seguiram-se três anos no Cesarense, todos no Campeonato
de Portugal. Como correram?
No Cesarense, infelizmente não
conseguimos o objetivo que era a subida de divisão. Passámos por alguns
momentos de dificuldade, mas foi um clube que me abraçou e que tive o prazer de
capitanear numa fase complicada da minha carreira. Guardo recordações
fantásticas e grupos do melhor que tive no futebol.
Durante o tempo em Cesar, foi orientado por dois técnicos sanjoanenses
de gema, Carlos Secretário e Flávio das Neves. O que mais destaca na forma de
trabalhar de cada um deles?
O Flávio ensinou-me muito nos
anos em que trabalhámos juntos. Sempre foi direto e sincero, algo que admiro
num treinador, a juntar a toda a sua experiência. Foi um treinador que me
marcou imenso.
O Secretário é sem dúvida alguma
dos treinadores com mais potencial com que trabalhei, pois fez um trabalho sem
igual em França,
subindo duas vezes, uma no Lusitanos e outra no Créteil, estabilizando o clube
no campeonato nacional, sempre nos cinco primeiros lugares. A prova maior da
sua qualidade enquanto treinador é que assim que saiu do clube, o Créteil caiu,
estando hoje em lugar de descida à espera de uma decisão federativa,
infelizmente. Quanto a mim, mais um dos treinadores que dentro em breve estará
no mais alto patamar nacional, pois consegue aliar a sua experiência à
qualidade de treino e de trabalho. Esperemos que todo o trabalho que fez em França
colha frutos cá em Portugal e que pegue num projeto condizente com a sua
qualidade.
“Época no Créteil-Lusitanos foi a melhor da minha carreira”
Foi a melhor época da minha vida,
fui bem-recebido por todos, desde direção, equipa técnica (que já conhecia),
jogadores aos adeptos. Tive três distinções como jogador do mês, foi sem dúvida
uma época em cheio.
Ainda hoje guardo recordações de
coração e falo com pessoas ligadas ao clube, que sempre me deixaram com portas
abertas para voltar caso quisesse. É gratificante ver o nosso trabalho ser
valorizado, ainda para mais num país vizinho.
Como o próprio nome indica, o Créteil-Lusitanos é um emblema com fortes
ligações à comunidade portuguesa em França.
Como é o clube e qual a sua relação com a comunidade portuguesa? Qual foi o
sentimento de jogar por um clube francês que, de certa forma, representa
Portugal?
Sim sem dúvida que é um clube
português, o Presidente era português (Armando Lopes), do melhor que apanhei
enquanto pessoa e homem, pessoa de valores éticos e morais que tudo fez para
que o meu vínculo se prolongasse por mais alguns anos junto deles, o Sr. Rui
Pataca (diretor desportivo), a raça e organização do povo português estavam
estampados no rosto do emblema do Créteil. Conseguimos um feito fantástico e
fomos sempre muito bem tratados por todos. Um ano memorável, sem dúvida.
Quais foram as principais dificuldades sentidas na adaptação ao futebol
e à vida em França?
As maiores dificuldades foram sem
dúvida estar longe da família que tanto amo e de todos os hábitos e costumes.
Lá vivem para o trabalho, não convivem, não têm momentos de descontração, é
trabalho-casa e casa-trabalho. Com o decorrer do tempo fui-me adaptando e tive
a ajuda do meu grande amigo Fábio Pereira (craque!) e da sua mulher Liliana,
que sempre me fizeram sentir em casa e me acolheram como se de um filho deles se
tratasse. A minha gratidão não tem preço para com eles os dois e para com o mister
Secretário. Foram pessoas que sempre me marcaram por tudo o que representam.
O Edgar é um defesa central que também pode atuar como médio defensivo.
Como se define enquanto jogador?
Médio defensivo fui só na
formação. Desde que me iniciei como sénior que sempre atuei como defesa central
e é onde me sinto realmente completo. Defino-me como um jogador que gosta de
ter bola, um líder, alguém exigente que odeia perder e que não lida bem com a
derrota, com qualidade de passe e no posicionamento e que é agressivo nos
duelos.
Aos 28 anos, tem algum sonho no futebol que gostasse de cumprir ou
algum clube que gostasse de representar?
Os sonhos vão-se mantendo, luto
muito e trabalho muito para chegar ao futebol profissional cá em Portugal. Farei
de tudo para o atingir. Se irei chegar não sei, mas farei de tudo para o
conseguir.
Propomos-lhe um desafio. Elabore um onze ideal de jogadores com os
quais tenha jogado?
Guarda-Redes: Diogo
Almeida (Sanjoanense);
Defesa direito: Pardal (Créteil-Lusitanos);
Defesas centrais: eu [risos]
e o João Miguel (Mafra);
Defesa esquerdo: Mário
Mendonça (Beira-Mar);
Extremos: Rúben Alves (Salgueiros)
e Ângelo Oliveira (Gondomar);
Avançado: Ronan David (Rio
Ave).
E quem foram os treinadores que mais o marcaram e porquê?
Todos eles me marcaram, tive
muita sorte nos treinadores que apanhei, pois não é qualquer jogador que se
pode gabar de ter sido treinado por Carlos Secretário, Pepa, Ricardo Sousa,
Cândido Costa e Flávio das Neves. Aprendi muito com todos eles e com todos os
que se cruzaram comigo na minha carreira, desde o Bustelo ao Créteil-Lusitanos.
E melhor que tudo isso é manter boa relação com todos eles e conseguir criar
laços fortes de amizade. Um bem-haja a todos eles.
Além do futebol, tem algum outro tipo de atividade?
Sim, trabalho numas bombas Galp
em São João da Madeira, trabalho que consigo conciliar com o futebol de forma
profissional, tendo liberdade de horário de forma a nunca falhar com os meus
compromissos, nem de um lado nem de outro.
Entrevista realizada por Rui Coelho
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