Kadú foi campeão pelo FC Porto em 2011-12 |
Fez a estreia na equipa principal do FC
Porto aos 16 anos, sagrou-se campeão nacional aos 17 e partilhou o
balneário com craques como Lucho
González, Hulk, Falcao, James Rodríguez ou Otamendi. No entanto, foi
procurar o seu espaço nas divisões secundárias e em 2020-21 viveu uma temporada
agridoce: somou as primeiras convocatórias para a seleção
de Angola, mas perdeu a titularidade na baliza do Sp. Espinho, clube que
vai deixar ao fim de duas épocas.
Em entrevista, o guarda-redes Kadú confessa que se mudou para os dragões
ainda em tenra idade para estar no mesmo sítio que o ídolo Hélton, revela o
nome do jogador que picou Vítor Pereira para o lançar na equipa principal dos azuis
e brancos e passa em revista um percurso que teve como pontos de passagem
Varzim, Trofense
e Oliveirense.
RUI COELHO - O Kadú viveu uma
época bastante atribulada, com altos e baixos, uma vez que começou como titular
no Sp. Espinho, foi chamado à seleção
principal de Angola, mas, entretanto, perdeu a titularidade e a equipa só
assegurou a permanência no Campeonato
de Portugal nas derradeiras jornadas. Que balanço faz desta temporada tanto
em termos individuais como coletivos?
KADÚ – Sim, vivi uma época um
bocado diferente porque comecei a época a titular, fui chamado à seleção
de Angola, mas, entretanto, os resultados não surgiam e houve um jogo em
que fui expulso em Anadia e a partir daí houve a troca de guarda-redes. O Bruno
[Silva] entrou muito bem e depois começámos a ganhar, ele entrou na melhor fase
da nossa equipa, tinha havido troca de treinador e terminou o campeonato e acho
que também com mérito da parte dele, porque soube aproveitar a oportunidade. Só
me restava continuar a trabalhar e estar à espera de uma próxima oportunidade,
que acabou por não chegar, mas continuei a trabalhar de forma profissional.
O Sp. Espinho tinha
expetativas altas para esta época, apresentando no plantel jogadores
experientes nas ligas profissionais como o próprio Kadú, Betinho e Diogo
Valente. O que se passou para a equipa ter ficado tão longe dos lugares de
acesso à II
Liga e à Liga 3?
Sim, tínhamos uma grande
expectativa para esta época, que era claramente a subida de divisão, mas isto
da pandemia afetou um bocado, pois um clube como o Sp. Espinho vive muito do 12.º
jogador. Não tínhamos os nossos adeptos connosco, logo eles que nos davam
sempre um apoio muito grande e acabavam também por deixarem instáveis as
equipas que jogavam contra nós, seja em casa ou fora. Os adeptos eram
incansáveis e a falta que os nossos adeptos nos fizeram acabou por se refletir.
Nesta temporada foi orientado
por dois treinadores, João Ferreira e Bruno China. Quais as principais
diferenças entre ambos?
são treinadores jovens e cada um
com as suas valências, mas gostei de trabalhar com ambos. Acho que são
treinadores que passam uma mensagem muito clara, em termos táticos têm
diferentes formas de ver o jogo, mas ambas encaixavam nas principais
características dos jogadores que tínhamos. Penso que são treinadores e homens
de excelência.
O Sp. Espinho é um clube
histórico, uma vez que já esteve na I
Liga, e que tem uma grande mística. O que o clube tem tão de especial?
O Sp. Espinho é um clube que
movimenta sempre gente, multidões. É um clube do povo, então eu acho que é isso
o que tem de especial. Muita gente é adepta do clube da terra e de um clube
grande, mas em Espinho as pessoas vivem o clube, por isso é uma coisa que não
se explica. Como é possível manter a mística, mesmo nas divisões em que se
encontra? As gentes de Espinho são mesmo assim, são pessoas que se sacrificam,
com aquela raça e com o amor e apoio incondicional ao clube.
“Não continuarei no Sp. Espinho”
Kadú passou duas temporadas no Sp. Espinho |
O Kadú já sabe se vai
continuar no Sp. Espinho em 2021-22? Onde gostava de prosseguir a carreira?
Não, na próxima época não continuarei
no Sp. Espinho, agora não sei que oportunidade poderá surgir e que portas se
vão abrir para poder analisar. Mas para já é uma certeza que não vou ficar no Sp.
Espinho.
Voltemos atrás no tempo. O
Kadú nasceu em Angola,
mas radicou-se em Portugal ainda em criança. Com quantos anos emigrou e que
memórias tem da sua infância em Angola?
Sim, cheguei a Portugal aos 13
anos. As lembranças que tenho é basicamente jogar futebol na rua com os meus
amigos do bairro, jogávamos principalmente nas férias, não tínhamos hora para
começar nem acabar, podíamos começar de manhã e terminar só no final do dia,
parávamos só para ir a casa comer [risos].
Forçado pelo professor de educação física a ir para a baliza
Como é que a bola entrou para
a sua vida e quando tomou a decisão de se tornar guarda-redes?
Acho que a bola entrou na minha
vida de uma forma natural, os meus tios e o meu avô materno jogavam futebol, a
minha mãe jogava futsal, desde que me conheço tive sempre uma bola em casa.
A decisão de me tornar
guarda-redes não foi uma escolha minha, porque até gostava de ser ponta de lança,
mas um dia houve um torneio na escola em que o treinador/professor de educação
física quis que jogasse como guarda-redes, porque era o mais alto. Na altura eu
não queria, mas ele disse que entre jogar a guarda-redes e não jogar era eu
quem escolhia. E pronto, fui para a baliza e tudo correu tão bem que as pessoas
lá na escola ficaram encantadas. Eu também gostei e foi assim até ao dia de
hoje, sempre na baliza.
“Fui para o FC Porto porque queria estar no mesmo sítio de Helton”
Kadú com o ídolo Hélton num treino do FC Porto |
Depois de uma passagem pelo Belenenses,
ingressou nas camadas jovens do FC
Porto em 2008-09. Como surgiu essa possibilidade e o que significou para si
e para a sua vida?
O convite para ir para o FC
Porto surgiu numa altura em que tive vários convites, mas como eu já seguia
o Helton e gostava muito dele aceitei o convite, é claro que queria estar no
mesmo sítio em que estava o Helton, é o meu ídolo de sempre. Tinha feito uma
boa época no Belenenses,
na altura e o FC
Porto já me andava a seguir há algum tempo, mas depois houve um jogo que
nós fomos fazer a Alcochete e por coincidência o FC
Porto também lá estava a jogar com o escalão de sub-17, salvo erro. Eu ainda
era iniciado e a partir daí as coisas começaram a ficar mais sérias.
“Estreia no FC Porto? Resultado estava dilatado e Rolando começou a picar o mister…”
Em 2011-12 estreou-se pela
equipa principal do FC
Porto quando ainda tinha 16 anos, pela mão de Vítor Pereira, num jogo
frente ao Pêro Pinheiro na Taça de Portugal. Que recordações tem desse dia?
Em primeiro lugar já estava
contente por ter sido convocado para um jogo da equipa principal, ainda que
para a Taça
de Portugal, mas o que é facto é que eu tinha 16 anos e esse era um sinal
de que o mister Vítor Pereira confiava em mim. Depois lembro-me de estar no
banco e o Rolando picar o mister, como resultado já estava dilatado, a dizer
agora que faltava o Kadú. Ele olhou para o banco, deu uma risada e passado
algum tempo mandou-me aquecer e meteu-me no jogo. Foi um dia muito especial,
que vou levar para a vida.
“Era impensável ser campeão pelo FC Porto com aquela idade”
Kadú em momento divertido com Lucho González |
Nessa mesma temporada foi
utilizado num jogo do campeonato frente ao Rio
Ave, o que lhe valeu a conquista do título nacional. O que significou esse
momento para si e onde guarda a medalha de campeão?
Acabei por ser utilizado nessa
época num jogo no estádio do Rio
Ave, fomos campeões e também foi um momento muito especial. Era impensável
para mim ser campeão pelo FC
Porto com aquela idade, lembro-me de o mister me mandar ir aquecer e a
caminho do aquecimento ter as minhas pernas bambas, porque não estava a
acreditar.
Na equipa principal do FC
Porto treinou e jogou ao lado de craques como Hulk, Falcão, James
Rodríguez, João
Moutinho, Mangala, Danilo, Alex Sandro e Lucho
González. Quem mais o impressionou como pessoa e futebolista?
No FC
Porto treinei com todos os jogadores que referiu, penso que todos me
impressionaram, mas o Falcao tinha uma coisa impressionante, que era estar
sempre no sitio certo. Atacava a bola no momento certo e era um jogador muito
difícil de marcar.
O Hulk pela sua potência, o James
pela qualidade naquele pé esquerdo, mas ressaltava aqui o Lucho
González, não só pela sua qualidade, mas também pela liderança, era o nosso
comandante.
“Como jogador e como pessoa, Hulk foi dos melhores que apanhei no futebol”
Fale-nos um pouco de Hulk, que
chegou a ser falado para o FC
Porto no mercado de inverno, mas que acabou por assinar pelo Atlético
Mineiro. Vítor Pereira dizia que ele tinha dificuldades em certos
exercícios no treino, mas que era impensável abdicar da potência e de outras
qualidades do jogador brasileiro…
O Hulk foi um dos jogadores que
mais me surpreendeu pela positiva. Além do seu talento e da sua qualidade como
futebolista, como ser humano tem um coração enorme, ajudava muito na integração
dos jogadores que chegavam da formação para treinar com a equipa principal. É
uma pessoa dedicada, era um bom colega também fazia parte do grupo dos capitães,
era um bom capitão também e pronto, como jogador e como pessoa foi dos melhores
que apanhei no futebol certamente.
“Esperava que Bruno Silva tivesse uma carreira melhor. Tinha uma liderança que impressionava”
Por outro lado, quem foi o
jogador com que jogou na formação do FC
Porto do qual esperava que tivesse uma carreira melhor?
O jogador com quem joguei na
formação do FC
Porto que esperava que tivesse melhor carreira era o central Bruno Silva
[atualmente no Grijó]. Também estivemos juntos no Padroense, era capitão da
seleção na altura de sub-16 e sub-17, salvo erro. Tinha uma liderança que
impressionava, tínhamos todos 15 anos, mas ele era um líder, a par do Gonçalo
Paciência. estavam muito à frente de todos os outros.
“No Varzim as coisas não correram assim tão bem”
A minha saída do FC
Porto aconteceu, porque havia necessidade mesmo de sair, já tinha atingido
tudo que tinha para atingir dentro do FC
Porto e precisava de outros ambientes para crescer.
No Varzim as coisas não correram
assim tão bem, tive um início muito bom, mas depois houve ali uma fase em que
tive problemas físicos e depois não consegui acompanhar o barco. No ano
seguinte vou para o Trofense,
já no meio da época praticamente, e acabei por fazer ainda alguns jogos.
“Oliveirense é um clube de uma terra de gente humilde e gostei muito de o representar”
Kadú esteve na Oliveirense entre 2017 e 2019 |
Entre 2017 e 2019 representou
a Oliveirense,
numa altura em que o clube
de Oliveira de Azeméis jogava no Estádio Municipal de Aveiro. Que balanço
faz dessa aventura e com que impressão ficou do clube?
Fiquei com uma impressão muito
boa do clube, é uma terra de gente humilde, um clube que gostei muito
representar, sempre cumpriram tudo o quanto nos prometeram, embora numa altura
em que não podíamos jogar no nosso estádio, porque estava a ser remodelado,
tivemos que jogar no Municipal de Aveiro.
As pessoas no clube eram muito
boas, acho que não nos deixaram faltar com nada, foram sempre cumpridores,
senti-me bem acolhido, tudo muito tranquilo e certinho, tenho boas recordações
de lá. Chegámos a atingir a final four
da Taça
da Liga e isso diz muito da organização e do ambiente que lá existia.
Tendo em conta que aos 16 anos
se estreou na equipa principal do FC
Porto, sente-se uma espécie de promessa adiada?
Estreei-me com 16 anos, é
verdade, não sei se é bem esse termo a usar, mas realmente em algumas escolhas
devia ter pensado melhor, mas nem sempre temos o controlo das coisas, mas é
assim a vida, enquanto estamos aqui, há que lutar e eu ainda não desisti de
lutar, continuo com forças. É certo que depende muito das oportunidades que
vamos tendo, infelizmente em Portugal chegamos a uma fase em que as pessoas veem
os patamares em que estás e acabam por te rotular como um jogador só para esses
patamares, mas penso que se continuar a trabalhar ainda posso voltar aos
patamares onde já estive.
“Fiquei surpreendido com a chamada à seleção de Angola”
Kadú não chegou a estrear-se pela seleção angolana |
O Kadú foi chamado por Pedro
Gonçalves para o duplo confronto diante da RD Congo em novembro do ano
passado, na altura a contar para o apuramento ao CAN 2021, isto depois já ter
sido chamado para o jogo particular frente a Moçambique. O que sentiu quando
recebeu a notícia da convocatória?
Quando recebi a chamada para ir à
seleção
de Angola fiquei surpreendido porque era uma coisa que estava à espera há
algum tempo e até posso confessar que já não seguia tanto as convocatórias,
porque já tinha estado à espera demasiado tempo e na altura até foi uma
surpresa muito grande, mesmo para os meus familiares. Ficámos surpreendidos,
mas fiquei feliz, naturalmente, e gostei de ter sido convocado. Desfrutei dos
estágios, desfrutei de tudo, acho que pude mostrar o que ainda posso dar
enquanto jogador.
Estando a jogar numa equipa
que lutava pela permanência no Campeonato
de Portugal, o Sp. Espinho, esperava ser chamado à seleção?
O Sp. Espinho não é uma equipa
que luta para permanecer no Campeonato
de Portugal. Foi uma situação pontual e atípica, face também à pandemia em
que vivemos.
Mas sim, estando no Campeonato
de Portugal e ser chamado à seleção
de Angola é algo especial. É sinal de que as pessoas confiam nas tuas
qualidades, independentemente do campeonato em que te encontras, as pessoas
reconheceram alguma qualidade para estar entre os eleitos de uma seleção
nacional como a de Angola.
Senti-me satisfeito, valorizado e que as pessoas afinal não acham que o Kadú
está acabado. Agora estou na minha fase de maturação como guarda-redes, posso
dizer que me sinto muito melhor agora do que me sentia há alguns anos,
obviamente, mas também me tenho preparado para isso e agora espero pelas
próximas oportunidades para conseguir agarrá-las de forma diferente.
Estando há tanto tempo em
Portugal, alguma vez foi abordado para representar as seleções jovens
portuguesas?
Sim, na minha fase do FC
Porto fui muitas vezes abordado para representar as seleções jovens de
Portugal, mas nunca se concretizou e ficou só por aí.
“A minha mãe sempre me quis chamar Kadú, mas os registos não aceitavam…”
Kadú na baliza do FC Porto B em 2014-15 |
Tendo em conta que se chama
Aldo Geraldo Manuel Monteiro, qual a origem da alcunha Kadú?
Kadú é o nome que a minha mãe
sempre me quis chamar, mas na altura nos registos não aceitavam esse nome e
então ela teve que alterar o nome próprio para Aldo, mas toda a gente sempre me
tratou e conhece por Kadú. Aldo é só mesmo o nome do BI, se perguntarem pelo
Aldo a alguns dos meus familiares, eles não sabem quem é (risos).
Propomos-lhe um desafio.
Elabora um onze ideal de jogadores com quem tenha jogado.
Posso não estar a ser justo com
alguns jogadores, mas pronto o meu onze é:
Guarda-redes - Helton
Lateral direito - Sapunaru
Defesa central - Rolando e
Otamendi
Lateral esquerdo - Alex Sandro
Extremos - James Rodriguez e Hulk
Ponta de lança - Jackson Martinez
Conseguiria fazer mais uns dez
onzes sem problemas nenhuns, porque joguei com muitos jogadores de qualidade e
posso não estar a lembrar o nome de algum.
E que treinadores mais o
marcaram e porquê?
Os que mais me marcaram foram obviamente
os treinadores de guarda-redes no meu tempo de formação no FC
Porto, porque aquilo que sou hoje como guarda-redes devo a eles.
Posso destacar também no FC
Porto o Daniel Correia e o Wil Coort como treinadores de guarda-redes e o
mister Vítor Pereira porque foi quem me lançou na equipa principal.
No Trofense
tive o Daniel Araújo, na Oliveirense
tive o treinador de guarda-redes Bairrada, que me ajudou a evoluir imenso.
Tive também o Anselmo no Sp. Espinho
que ajudou muito nestas duas últimas épocas, um abraço especial para ele e um
agradecimento também para o mister João Ferreira, este sim, quando cheguei ao
Espinho abriu-me as portas e deu-me a oportunidade de voltar a sentir-me feliz,
irei ter sempre um carinho especial por ele.
Espero não estar a ser injusto
com ninguém, mas basicamente são estes os treinadores que mais me marcaram e
peço desculpa se me estou a esquecer de alguém.
Entrevista realizada por Rui Coelho
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