Recordar o primeiro jogo entre
Portugal e França de que tenho memória é como lembrar o primeiro grande desgosto
que o futebol me deu, a 28 de junho de 2000. Naquela altura, eu estava
finalmente a apaixonar-me por futebol, aos oito anos, numa altura em que se
disputava o Campeonato da Europa. Ouvia falar muito de Luís Figo, que era um
dos melhores do mundo, e não fazia ideia que a equipa das quinas não estava
habituada a fases finais de grandes competições, nem tampouco que os gauleses
eram campeões mundiais. E também não tinha noção de quem eram e onde jogavam
grande parte dos jogadores das outras seleções.
O que eu sabia era que tinha uma
fé inabalável na seleção nacional, que na minha ingenuidade aparentava ter uma
aura de invencibilidade. Compreendam: na fase de grupos Portugal esteve a
perder por dois golos com Inglaterra, mas ganhou por 3-2; bateu a Roménia com um
golo de Costinha nos instantes finais; e vulgarizou a Alemanha com recurso aos
suplentes, entre os quais Sérgio
Conceição, que apontou um hat trick.
E nos quartos de final venceu a Turquia com um cómodo 2-0.
Quando nas meias-finais Nuno
Gomes colocou Portugal em vantagem sobre França com um grande golo logo aos 19
minutos, para mim era mais do mesmo. Sabia lá quem eram Barthez, Thuram, Blanc,
Desailly, Lizarazu, Vieira, Deschamps, Petit, Zidane, Anelka e Henry. O que eu
sabia era que Nuno Gomes estava a marcar golos com a mesma facilidade com que
ajeitava o cabelo, que Vítor Baía se tinha tornado o primeiro guarda-redes que idolatrei,
que Figo era o dono da bola e que Sérgio
Conceição tinha conquistado a minha eterna admiração após ter marcado
aquele hat trick. Naquela altura, os
outros eram mais discretos aos meus olhos, mas para estarem ali era sinal de
que eram bons jogadores, como Abel Xavier, a quem a minha mãe chamava de diabo devido
a um visual arrojado que misturava pele negra e cabelo loiro.
A seleção então comandada por
Humberto Coelho foi para intervalo a vencer, mas logo no início da segunda
parte sofreu o empate, através de um remate à meia volta de Thierry Henry (51’),
um avançado que mais tarde passei a admirar imenso por ter a fisionomia e a
passada larga de um extremo, a classe de um n.º 10 e o killer instinct de um ponta de lança. Para mim, Portugal sofrer um
golo era uma novidade, até porque comecei a acompanhar o Euro 2000 a meio do jogo
com Inglaterra, numa altura em que a seleção portuguesa perdia por 2-1. Nunca
tinha visto em direto Vítor Baía buscar a bola ao fundo das redes.
Portugal - França (Euro 2000) |
Até ao final dos 90 minutos, recordo-me
de terem existido ocasiões de golos para as duas seleções. Porém, a ausência de
mais remates certeiros levou o encontro para um prolongamento especial que se
praticava na altura, com a regra do golo de ouro: quem marcava, ganhava. Tão
simples como isto.
Não houve golos na primeira parte
do prolongamento. E tudo levava a crer que também não ia haver na segunda na
meia-final de Bruxelas. No entanto, a polémica rebentou quando já se pensava no
desempate por grandes penalidades. Numa jogada de ataque dos franceses, um
remate forte de Sylvain Wiltord foi travado pela mão de Abel Xavier. Na altura,
a regra de mão na bola era bastante menos rigorosa do que é hoje e por isso os
jogadores portugueses alegaram que o toque do defesa com a mão foi
involuntário. Hoje em dia era penálti claríssimo, mas em 2000, e perante o clima
de frustração de se estar a poucos minutos do fim do prolongamento de um jogo
que decidia o acesso à final, deu bastante que falar. Quem não se importou com
isso foi Zidane, que bateu Vítor Baía na conversão clássica de uma grande
penalidade: bola para um lado, guarda-redes para o outro.
O jornalista do Maisfutebol,
Nuno Madureira, sintetizou o sentimento nacional no primeiro parágrafo da sua crónica:
“Uma despedida amarga e dolorosa marca o fim da campanha portuguesa neste
Euro-2000. Uma despedida marcada pela revolta, um estado de espírito
diametralmente oposto ao futebol sorridente e sedutor que Portugal apresentou
em todos os outros jogos da competição.”
“Do ponto de vista do espetáculo,
as expectativas para este jogo eram altas. Demasiado altas, talvez. Apesar do
futebol atrativo e tecnicista que as duas equipas mostraram desde o início da
competição, o rótulo meia-final pesou demasiado para que a festa anunciada
tivesse lugar. Em seu lugar, surgiu um jogo fechado, intenso até ao limite, e
marcado por um rigor tático, que na maior parte do tempo tomou o lugar do
talento em estado puro. Mas o futebol também pode ser grandioso dessa forma. E
o jogo do Heysel foi de uma grandiosa competitividade”, acrescentou o repórter,
que salientou o respeito que ambas as seleções tiveram uma pela outra em termos
táticos.
Após esse encontro, Humberto
Coelho deixou o comando da seleção nacional e Abel Xavier, Nuno Gomes e Paulo
Bento foram suspensos pela UEFA devido a incidentes que se verificaram depois dessa
meia-final com a França. De acordo com a entidade que tutela o futebol europeu,
“quase todos os jogadores portugueses correram em direção ao árbitro
assistente, que foi empurrado e insultado”. “Nuno Gomes deu ao árbitro um
violento empurrão no peito e Abel Xavier agarrou-lhe o braço. O árbitro mostrou
então o cartão vermelho a Nuno Gomes e Paulo Bento tentou tirar-lhe o cartão,
segurando-lhe o braço. Nuno Gomes despiu então a camisola e mandou-a ao árbitro
assistente”, referia o comunicado.
No ano seguinte as duas seleções
voltaram a defrontar-se, desta vez num jogo de caráter particular em Paris, a 25
de abril de 2001. Se os gauleses já me causavam um nó na garganta devido à
meia-final do Euro 2000, ganhei-lhes definitivamente aversão, pois golearam Portugal
por 4-0, com remates certeiros de Sylvain Wiltord (16’), Mikaël Silvestre (32’),
Thierry Henry (34’) e Youri Djorkaeff (80’).
E para o caro leitor, qual é o primeiro jogo entre Portugal e França de que tem memória? E quais foram as melhores e mais marcantes jogos de sempre entre as duas seleções?
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