sábado, 1 de março de 2025

Carlos Queiroz, o professor que revolucionou o futebol português

Carlos Queiroz venceu os títulos mundiais de sub-20 em 1989 e 1991
Polémico, mas incontornável, o homem que encabeçou a revolução que permite a identificação de duas eras no que concerne ao sucesso das seleções portuguesas: antes e depois de Carlos (Queiroz).
 
Filho de um desenhador dos caminhos de ferro e ex-futebolista que chegou a jogar com Matateu e de uma mediadora de seguros, Carlos Manuel Brito Leal de Queiroz nasceu em Nampula, Moçambique, e foi guarda-redes dos juniores do Ferroviário local. Após o 25 de Abril mudou-se para Portugal, mais precisamente para Oeiras, e ingressou no Instituto Superior de Educação Física de Lisboa (ISEF), atual Faculdade de Motricidade Humana (FMH), e lá se licenciou em educação física e se tornou mestre em metodologia do treino desportivo.
 
Viria a continuar na academia, mas como professor, tendo lecionado no ensino secundário e como assistente da FMH. Paralelamente, iniciou a carreira de treinador, tendo comandado os infantis do SL Olivais e os iniciados do Belenenses antes de se tornar adjunto de Mário Wilson no Estoril Praia em 1983-84.
 
No emblema da Linha de Cascais conheceu José Augusto, que o levou para a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), onde implementou um trabalho rigoroso e com bases científicas, que mudou também a mentalidade dos jogadores. “Ele investiu de uma forma muito sistemática na observação das melhores práticas dos desportos mais desenvolvidos, o que o levou a criar uma metodologia de treino para preparar os jogadores para o futebol que se iria jogar de então a dez anos”, contou ao Maisfutebol o autor do livro Geração de Ouro e professor da Faculdade de Desporto da Universidade de Coimbra, Hugo Sarmento.
 
Na altura, Carlos Queiroz propôs: uma redução do número de equipas da I Divisão, o que não foi aceite; a criação de uma casa para as seleções, que só se tornou uma realidade recentemente, com a construção da Cidade do Futebol; a implementação do Torneio interassociações Lopes da Silva, destinado a jogadores sub-14, como porta de acesso ao talento jovem; o lançamento das bases do Desporto Escolar, que fez aumentar o número de praticantes; a renovação dos quadros competitivos do futebol jovem, com um modelo em que os grandes clubes passaram a defrontar-se mais frequentemente; e a promoção da formação de treinadores, através do ISEF e da Direção Geral dos Desportos.

 
Como selecionador nacional de juniores proporcionou o momento de viragem para as seleções portuguesas: as conquistas dos títulos mundiais de sub-20 em 1989 e 1991, secundadas pelo título europeu de sub-16 em 1989. Para essas façanhas contribuiu a chamada “geração de ouro” do futebol nacional, encabeçada por Luís Figo, Rui Costa, João Vieira Pinto, Paulo Sousa e Vítor Baía, entre outros.
 
 
Os efeitos desta revolução de métodos de trabalho e a aposta nesta fornada de talentosos futebolistas começou a surtir efeitos também na seleção principal, que até então só tinha estado nas fases finais dos Mundiais de 1966 e 1986 e do Euro 1984.
 
Queiroz tornou-se mesmo no selecionador da seleção A em 1991 e até nem teve grandes resultados, falhando os apuramentos para o Euro 1992 e para o Mundial 1994. Após não conseguir qualificar Portugal para o Campeonato do Mundo que teve lugar nos Estados Unidos, deu um murro na mesa, afirmando que era necessário “varrer a porcaria” que havia na FPF, e foi despedido. No entanto, já havia plantado a semente que veio a resultar nos sucessivos apuramentos para fases finais a partir do Euro 1996 – com exceção ao Mundial 1998.
 
Poucas semanas após ser demitido, foi contratado por Sousa Cintra para suceder a Bobby Robson como treinador do Sporting, reencontrando Figo, Paulo Torres, Nélson, Paulo Sousa, Filipe e Capucho, campeões mundiais de sub-20 em Riade (1989) ou Lisboa (1991).
 
 
Apesar de dispor de um belíssimo plantel, no qual constavam também nomes como Valckx, Cherbakov, Balakov, Pacheco, Cadete e Juskowiak, e de ter pegado na equipa em igualdade pontual com Benfica e FC Porto no primeiro lugar, falhou a conquista do título de 1993-94. Pior do que isso: foi o treinador dos leões nos célebres 3-6 com o Benfica em Alvalade, tendo tomado decisões técnicas e táticas que geraram muita contestação, nomeadamente a substituição de Paulo Torres por Pacheco.
 
Ainda assim, continuou no cargo na época seguinte, tendo vencido a Taça de Portugal, que o Sporting já não erguia há 13 anos. Foi também o primeiro troféu do clube desde a Supertaça de 1987.
 
 
Apesar de já ter comunicado a saída do Sporting após a vitória no Jamor, o então novo presidente Pedro Santana Lopes anunciou a renovação de contrato. Contudo, os dois nunca estiveram em sintonia, o que resultou no despedimento de Queiroz em fevereiro de 1996.
 
A carreira do treinador viria a prosseguir no estrangeiro, em países muito diferentes como Estados Unidos, Japão, Emirados Árabes Unidos e África do Sul. Elaborou um plano detalhado destinado a profissionalizar o desenvolvimento de futebolistas nos Estados Unidos, denominado de Q-Report ou Project 2010; e apurou a seleção sul-africana para o Mundial 2002, mas não ficou para a fase final devido a divergências com os dirigentes.
 
No início da temporada 2002-03 assinou pelo Manchester United para assumir a função de adjunto de Alex Ferguson, que lhe delegava a orientação dos treinos.
 
 
Na época seguinte, porém, recebeu um chamamento galáctico e foi contratado para orientar o Real Madrid de Zidane, Figo, Ronaldo, Raúl, Beckham e Roberto Carlos. Até começou bem, ao erguer Supertaça de Espanha, mas falhou a conquista do título espanhol. Liderava o campeonato após a 31.ª jornada, com um ponto de avanço sobre o Valencia, mas seis derrotas nas últimas sete jornadas atiraram os merengues para um impensável quarto lugar.
 
Em 2004-05 retomou o ciclo iniciado no Manchester United, tendo sido importante para o desenvolvimento de Cristiano Ronaldo e para a construção de uma equipa que venceu inúmeros títulos, entre os quais a Liga dos Campeões de 2007-08.
 
Após a conquista dessa Champions regressou à seleção portuguesa, conseguindo um apuramento sofrido para o Mundial 2010. No torneio disputado na África do Sul, a equipa das quinas foi eliminada pela seleção que viria a sagrar-se campeã, Espanha, nos oitavos de final. Porém, um episódio polémico, no qual insultou Luís Horta, então responsável pela Autoridade Antidopagem de Portugal, por ter acordado os jogadores às seis da manhã para um controlo anti-doping, valeu-lhe a suspensão e o posterior despedimento.
 
O processo da dispensa, contudo, jamais poderá ser desassociado do futebol fraco praticado por Portugal, a exclusão de João Moutinho da convocatória, a dispensa algo forçada de Nani e a contestação pública de Cristiano Ronaldo após a derrota com a seleção espanhola. “Fale com o Carlos Queiroz”, afirmou CR7 quando lhe pediram explicações pela eliminação.
 
 
Queiroz deixou a seleção portuguesa, mas não o futebol de seleções. Em abril de 2011 assumiu o comando da seleção do Irão e tornou-se no terceiro treinador a apurar três seleções diferentes para o Campeonato do Mundo, quando guiou os iranianos ao Mundial 2014. Apesar da eliminação na fase de grupos, renovou por mais quatro anos e conseguiu o apuramento para o Mundial seguinte, o de 2018, voltando a não passar da fase de grupos.
 
 
Em fevereiro de 2019 assumiu o cargo de selecionador da Colômbia e guiou a seleção cafetera até aos quartos de final da Copa América desse ano, mas acabou por deixar o cargo em novembro do ano seguinte após um mau arranque da fase de qualificação para o Mundial 2022.
 
 
Em setembro de 2021 tornou-se selecionador do Egito e guiou os faraós à final da Taça das Nações Africanas desse ano (mas disputada no início de 2022), tendo perdido com o Senegal no desempate por penáltis. Meses depois, voltou a perder com a seleção senegalesa na decisão por grandes penalidades no apuramento para o Mundial 2022, o que lhe valeu a rescisão de contrato por mútuo acordo.
 
No entanto, em setembro de 2022 foi recontratado pela Federação do Irão e dirigiu a seleção no Mundial desse ano, voltando a não passar da fase de grupos.
 
A última seleção que dirigiu foi o Qatar, entre fevereiro e dezembro de 2023. Havia assinado contrato até ao Mundial 2026, mas os maus resultados anteciparam o divórcio.






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