quarta-feira, 16 de junho de 2021

Kadú. O campeão pelo FC Porto que foi chamado à seleção angolana quando menos esperava

Kadú foi campeão pelo FC Porto em 2011-12
Fez a estreia na equipa principal do FC Porto aos 16 anos, sagrou-se campeão nacional aos 17 e partilhou o balneário com craques como Lucho González, Hulk, Falcao, James Rodríguez ou Otamendi. No entanto, foi procurar o seu espaço nas divisões secundárias e em 2020-21 viveu uma temporada agridoce: somou as primeiras convocatórias para a seleção de Angola, mas perdeu a titularidade na baliza do Sp. Espinho, clube que vai deixar ao fim de duas épocas.
 
Em entrevista, o guarda-redes Kadú confessa que se mudou para os dragões ainda em tenra idade para estar no mesmo sítio que o ídolo Hélton, revela o nome do jogador que picou Vítor Pereira para o lançar na equipa principal dos azuis e brancos e passa em revista um percurso que teve como pontos de passagem Varzim, Trofense e Oliveirense.
 
RUI COELHO - O Kadú viveu uma época bastante atribulada, com altos e baixos, uma vez que começou como titular no Sp. Espinho, foi chamado à seleção principal de Angola, mas, entretanto, perdeu a titularidade e a equipa só assegurou a permanência no Campeonato de Portugal nas derradeiras jornadas. Que balanço faz desta temporada tanto em termos individuais como coletivos?
KADÚ – Sim, vivi uma época um bocado diferente porque comecei a época a titular, fui chamado à seleção de Angola, mas, entretanto, os resultados não surgiam e houve um jogo em que fui expulso em Anadia e a partir daí houve a troca de guarda-redes. O Bruno [Silva] entrou muito bem e depois começámos a ganhar, ele entrou na melhor fase da nossa equipa, tinha havido troca de treinador e terminou o campeonato e acho que também com mérito da parte dele, porque soube aproveitar a oportunidade. Só me restava continuar a trabalhar e estar à espera de uma próxima oportunidade, que acabou por não chegar, mas continuei a trabalhar de forma profissional.
 
O Sp. Espinho tinha expetativas altas para esta época, apresentando no plantel jogadores experientes nas ligas profissionais como o próprio Kadú, Betinho e Diogo Valente. O que se passou para a equipa ter ficado tão longe dos lugares de acesso à II Liga e à Liga 3?
Sim, tínhamos uma grande expectativa para esta época, que era claramente a subida de divisão, mas isto da pandemia afetou um bocado, pois um clube como o Sp. Espinho vive muito do 12.º jogador. Não tínhamos os nossos adeptos connosco, logo eles que nos davam sempre um apoio muito grande e acabavam também por deixarem instáveis as equipas que jogavam contra nós, seja em casa ou fora. Os adeptos eram incansáveis e a falta que os nossos adeptos nos fizeram acabou por se refletir.
 
Nesta temporada foi orientado por dois treinadores, João Ferreira e Bruno China. Quais as principais diferenças entre ambos?
são treinadores jovens e cada um com as suas valências, mas gostei de trabalhar com ambos. Acho que são treinadores que passam uma mensagem muito clara, em termos táticos têm diferentes formas de ver o jogo, mas ambas encaixavam nas principais características dos jogadores que tínhamos. Penso que são treinadores e homens de excelência.
 
O Sp. Espinho é um clube histórico, uma vez que já esteve na I Liga, e que tem uma grande mística. O que o clube tem tão de especial?
O Sp. Espinho é um clube que movimenta sempre gente, multidões. É um clube do povo, então eu acho que é isso o que tem de especial. Muita gente é adepta do clube da terra e de um clube grande, mas em Espinho as pessoas vivem o clube, por isso é uma coisa que não se explica. Como é possível manter a mística, mesmo nas divisões em que se encontra? As gentes de Espinho são mesmo assim, são pessoas que se sacrificam, com aquela raça e com o amor e apoio incondicional ao clube.
 

“Não continuarei no Sp. Espinho”

Kadú passou duas temporadas no Sp. Espinho
O Kadú já sabe se vai continuar no Sp. Espinho em 2021-22? Onde gostava de prosseguir a carreira?
Não, na próxima época não continuarei no Sp. Espinho, agora não sei que oportunidade poderá surgir e que portas se vão abrir para poder analisar. Mas para já é uma certeza que não vou ficar no Sp. Espinho.
 
Voltemos atrás no tempo. O Kadú nasceu em Angola, mas radicou-se em Portugal ainda em criança. Com quantos anos emigrou e que memórias tem da sua infância em Angola?
Sim, cheguei a Portugal aos 13 anos. As lembranças que tenho é basicamente jogar futebol na rua com os meus amigos do bairro, jogávamos principalmente nas férias, não tínhamos hora para começar nem acabar, podíamos começar de manhã e terminar só no final do dia, parávamos só para ir a casa comer [risos].
 

Forçado pelo professor de educação física a ir para a baliza

Como é que a bola entrou para a sua vida e quando tomou a decisão de se tornar guarda-redes?
Acho que a bola entrou na minha vida de uma forma natural, os meus tios e o meu avô materno jogavam futebol, a minha mãe jogava futsal, desde que me conheço tive sempre uma bola em casa.
A decisão de me tornar guarda-redes não foi uma escolha minha, porque até gostava de ser ponta de lança, mas um dia houve um torneio na escola em que o treinador/professor de educação física quis que jogasse como guarda-redes, porque era o mais alto. Na altura eu não queria, mas ele disse que entre jogar a guarda-redes e não jogar era eu quem escolhia. E pronto, fui para a baliza e tudo correu tão bem que as pessoas lá na escola ficaram encantadas. Eu também gostei e foi assim até ao dia de hoje, sempre na baliza.
 

“Fui para o FC Porto porque queria estar no mesmo sítio de Helton”

Kadú com o ídolo Hélton num treino do FC Porto
Depois de uma passagem pelo Belenenses, ingressou nas camadas jovens do FC Porto em 2008-09. Como surgiu essa possibilidade e o que significou para si e para a sua vida?
O convite para ir para o FC Porto surgiu numa altura em que tive vários convites, mas como eu já seguia o Helton e gostava muito dele aceitei o convite, é claro que queria estar no mesmo sítio em que estava o Helton, é o meu ídolo de sempre. Tinha feito uma boa época no Belenenses, na altura e o FC Porto já me andava a seguir há algum tempo, mas depois houve um jogo que nós fomos fazer a Alcochete e por coincidência o FC Porto também lá estava a jogar com o escalão de sub-17, salvo erro. Eu ainda era iniciado e a partir daí as coisas começaram a ficar mais sérias.
 

“Estreia no FC Porto? Resultado estava dilatado e Rolando começou a picar o mister…”

Em 2011-12 estreou-se pela equipa principal do FC Porto quando ainda tinha 16 anos, pela mão de Vítor Pereira, num jogo frente ao Pêro Pinheiro na Taça de Portugal. Que recordações tem desse dia?
Em primeiro lugar já estava contente por ter sido convocado para um jogo da equipa principal, ainda que para a Taça de Portugal, mas o que é facto é que eu tinha 16 anos e esse era um sinal de que o mister Vítor Pereira confiava em mim. Depois lembro-me de estar no banco e o Rolando picar o mister, como resultado já estava dilatado, a dizer agora que faltava o Kadú. Ele olhou para o banco, deu uma risada e passado algum tempo mandou-me aquecer e meteu-me no jogo. Foi um dia muito especial, que vou levar para a vida.
 

“Era impensável ser campeão pelo FC Porto com aquela idade”

Kadú em momento divertido com Lucho González
Nessa mesma temporada foi utilizado num jogo do campeonato frente ao Rio Ave, o que lhe valeu a conquista do título nacional. O que significou esse momento para si e onde guarda a medalha de campeão?
Acabei por ser utilizado nessa época num jogo no estádio do Rio Ave, fomos campeões e também foi um momento muito especial. Era impensável para mim ser campeão pelo FC Porto com aquela idade, lembro-me de o mister me mandar ir aquecer e a caminho do aquecimento ter as minhas pernas bambas, porque não estava a acreditar.
 
Na equipa principal do FC Porto treinou e jogou ao lado de craques como Hulk, Falcão, James Rodríguez, João Moutinho, Mangala, Danilo, Alex Sandro e Lucho González. Quem mais o impressionou como pessoa e futebolista?
No FC Porto treinei com todos os jogadores que referiu, penso que todos me impressionaram, mas o Falcao tinha uma coisa impressionante, que era estar sempre no sitio certo. Atacava a bola no momento certo e era um jogador muito difícil de marcar.
O Hulk pela sua potência, o James pela qualidade naquele pé esquerdo, mas ressaltava aqui o Lucho González, não só pela sua qualidade, mas também pela liderança, era o nosso comandante.
 

“Como jogador e como pessoa, Hulk foi dos melhores que apanhei no futebol”

Fale-nos um pouco de Hulk, que chegou a ser falado para o FC Porto no mercado de inverno, mas que acabou por assinar pelo Atlético Mineiro. Vítor Pereira dizia que ele tinha dificuldades em certos exercícios no treino, mas que era impensável abdicar da potência e de outras qualidades do jogador brasileiro…
O Hulk foi um dos jogadores que mais me surpreendeu pela positiva. Além do seu talento e da sua qualidade como futebolista, como ser humano tem um coração enorme, ajudava muito na integração dos jogadores que chegavam da formação para treinar com a equipa principal. É uma pessoa dedicada, era um bom colega também fazia parte do grupo dos capitães, era um bom capitão também e pronto, como jogador e como pessoa foi dos melhores que apanhei no futebol certamente.
 

“Esperava que Bruno Silva tivesse uma carreira melhor. Tinha uma liderança que impressionava”

Por outro lado, quem foi o jogador com que jogou na formação do FC Porto do qual esperava que tivesse uma carreira melhor?
O jogador com quem joguei na formação do FC Porto que esperava que tivesse melhor carreira era o central Bruno Silva [atualmente no Grijó]. Também estivemos juntos no Padroense, era capitão da seleção na altura de sub-16 e sub-17, salvo erro. Tinha uma liderança que impressionava, tínhamos todos 15 anos, mas ele era um líder, a par do Gonçalo Paciência. estavam muito à frente de todos os outros.
 

“No Varzim as coisas não correram assim tão bem”

Kadú defendeu a baliza do Varzim em 2015-16
Após vários anos no FC Porto, seguiram-se passagens por Varzim e Trofense. Como correram essas experiências?
A minha saída do FC Porto aconteceu, porque havia necessidade mesmo de sair, já tinha atingido tudo que tinha para atingir dentro do FC Porto e precisava de outros ambientes para crescer.
No Varzim as coisas não correram assim tão bem, tive um início muito bom, mas depois houve ali uma fase em que tive problemas físicos e depois não consegui acompanhar o barco. No ano seguinte vou para o Trofense, já no meio da época praticamente, e acabei por fazer ainda alguns jogos.
 

Oliveirense é um clube de uma terra de gente humilde e gostei muito de o representar”

Kadú esteve na Oliveirense entre 2017 e 2019
Entre 2017 e 2019 representou a Oliveirense, numa altura em que o clube de Oliveira de Azeméis jogava no Estádio Municipal de Aveiro. Que balanço faz dessa aventura e com que impressão ficou do clube?
Fiquei com uma impressão muito boa do clube, é uma terra de gente humilde, um clube que gostei muito representar, sempre cumpriram tudo o quanto nos prometeram, embora numa altura em que não podíamos jogar no nosso estádio, porque estava a ser remodelado, tivemos que jogar no Municipal de Aveiro.
As pessoas no clube eram muito boas, acho que não nos deixaram faltar com nada, foram sempre cumpridores, senti-me bem acolhido, tudo muito tranquilo e certinho, tenho boas recordações de lá. Chegámos a atingir a final four da Taça da Liga e isso diz muito da organização e do ambiente que lá existia.
 
Tendo em conta que aos 16 anos se estreou na equipa principal do FC Porto, sente-se uma espécie de promessa adiada?
Estreei-me com 16 anos, é verdade, não sei se é bem esse termo a usar, mas realmente em algumas escolhas devia ter pensado melhor, mas nem sempre temos o controlo das coisas, mas é assim a vida, enquanto estamos aqui, há que lutar e eu ainda não desisti de lutar, continuo com forças. É certo que depende muito das oportunidades que vamos tendo, infelizmente em Portugal chegamos a uma fase em que as pessoas veem os patamares em que estás e acabam por te rotular como um jogador só para esses patamares, mas penso que se continuar a trabalhar ainda posso voltar aos patamares onde já estive.
 

“Fiquei surpreendido com a chamada à seleção de Angola

Kadú não chegou a estrear-se pela seleção angolana
O Kadú foi chamado por Pedro Gonçalves para o duplo confronto diante da RD Congo em novembro do ano passado, na altura a contar para o apuramento ao CAN 2021, isto depois já ter sido chamado para o jogo particular frente a Moçambique. O que sentiu quando recebeu a notícia da convocatória?
Quando recebi a chamada para ir à seleção de Angola fiquei surpreendido porque era uma coisa que estava à espera há algum tempo e até posso confessar que já não seguia tanto as convocatórias, porque já tinha estado à espera demasiado tempo e na altura até foi uma surpresa muito grande, mesmo para os meus familiares. Ficámos surpreendidos, mas fiquei feliz, naturalmente, e gostei de ter sido convocado. Desfrutei dos estágios, desfrutei de tudo, acho que pude mostrar o que ainda posso dar enquanto jogador.
 
Estando a jogar numa equipa que lutava pela permanência no Campeonato de Portugal, o Sp. Espinho, esperava ser chamado à seleção?
O Sp. Espinho não é uma equipa que luta para permanecer no Campeonato de Portugal. Foi uma situação pontual e atípica, face também à pandemia em que vivemos.
Mas sim, estando no Campeonato de Portugal e ser chamado à seleção de Angola é algo especial. É sinal de que as pessoas confiam nas tuas qualidades, independentemente do campeonato em que te encontras, as pessoas reconheceram alguma qualidade para estar entre os eleitos de uma seleção nacional como a de Angola. Senti-me satisfeito, valorizado e que as pessoas afinal não acham que o Kadú está acabado. Agora estou na minha fase de maturação como guarda-redes, posso dizer que me sinto muito melhor agora do que me sentia há alguns anos, obviamente, mas também me tenho preparado para isso e agora espero pelas próximas oportunidades para conseguir agarrá-las de forma diferente.
 
Estando há tanto tempo em Portugal, alguma vez foi abordado para representar as seleções jovens portuguesas?
Sim, na minha fase do FC Porto fui muitas vezes abordado para representar as seleções jovens de Portugal, mas nunca se concretizou e ficou só por aí.
 

“A minha mãe sempre me quis chamar Kadú, mas os registos não aceitavam…”

Kadú na baliza do FC Porto B em 2014-15
Tendo em conta que se chama Aldo Geraldo Manuel Monteiro, qual a origem da alcunha Kadú?
Kadú é o nome que a minha mãe sempre me quis chamar, mas na altura nos registos não aceitavam esse nome e então ela teve que alterar o nome próprio para Aldo, mas toda a gente sempre me tratou e conhece por Kadú. Aldo é só mesmo o nome do BI, se perguntarem pelo Aldo a alguns dos meus familiares, eles não sabem quem é (risos).
 
Propomos-lhe um desafio. Elabora um onze ideal de jogadores com quem tenha jogado.
Posso não estar a ser justo com alguns jogadores, mas pronto o meu onze é:
Guarda-redes - Helton
Lateral direito - Sapunaru
Defesa central - Rolando e Otamendi
Lateral esquerdo - Alex Sandro
Médio - Leandro Silva (Arouca), João Moutinho e Paraíba (ex-Oliveirense)
Extremos - James Rodriguez e Hulk
Ponta de lança - Jackson Martinez
Conseguiria fazer mais uns dez onzes sem problemas nenhuns, porque joguei com muitos jogadores de qualidade e posso não estar a lembrar o nome de algum.
 
E que treinadores mais o marcaram e porquê?
Os que mais me marcaram foram obviamente os treinadores de guarda-redes no meu tempo de formação no FC Porto, porque aquilo que sou hoje como guarda-redes devo a eles.
Posso destacar também no FC Porto o Daniel Correia e o Wil Coort como treinadores de guarda-redes e o mister Vítor Pereira porque foi quem me lançou na equipa principal.
No Trofense tive o Daniel Araújo, na Oliveirense tive o treinador de guarda-redes Bairrada, que me ajudou a evoluir imenso.
Tive também o Anselmo no Sp. Espinho que ajudou muito nestas duas últimas épocas, um abraço especial para ele e um agradecimento também para o mister João Ferreira, este sim, quando cheguei ao Espinho abriu-me as portas e deu-me a oportunidade de voltar a sentir-me feliz, irei ter sempre um carinho especial por ele.
Espero não estar a ser injusto com ninguém, mas basicamente são estes os treinadores que mais me marcaram e peço desculpa se me estou a esquecer de alguém.
 
Entrevista realizada por Rui Coelho





 





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