“Guerra é guerra”. A epopeia do Benfica nas Antas em 1991 contada por Eriksson
César Brito decidiu clássico que encaminhou título de 1990-91
Treinador cada vez mais
conceituado depois cinco anos em Itália ao leme de AS
Roma (1984 a 1987) e Fiorentina
(1987 a 1989), Sven-Göran
Eriksson não hesitou quando recebeu um convite para voltar ao Benfica.
“É possível avançar dando um passo atrás? Foi a questão que me coloquei quando
o Benfica
me contactou, na primavera de 1989, propondo-me o regresso a Portugal”, começou
por contar o técnico
sueco no livro autobiográfico Sven – A Minha História,
publicado em 2013.
“Não queria deixar Itália, mas
senti que se continuasse na Fiorentina
não ia andar nem para trás, nem para a frente. Ficaria exatamente onde estava,
no meio. A Fiorentina
era uma equipa do meio da tabela [7.ª classificada em 1988-89 na Serie
A] e sem grandes investimentos, lá ficaria. Tinha maiores ambições do que as
de lutar por lugares na Taça
UEFA. Já tinha ganho a Taça
UEFA [pelo Gotemburgo, em 1981-82]. Já tinha sido campeão de Portugal por
duas vezes [1982-83 e 1983-84]. Mas o Benfica
ia jogar na Taça
dos Campeões [Europeus]. Eu queria o cargo”, prosseguiu. Mas “havia um problema”. O
braço-direito de Eriksson
durante a sua primeira passagem pelo comando técnico dos encarnados, Toni,
era agora o treinador principal. “Mal me convidaram, liguei-lhe. Se a minha ida
para Lisboa significasse a saída de Toni,
eu recusava. Mas ele disse-me que o iam despedir de qualquer maneira. Então
impus uma condição – que Toni
fosse meu adjunto. Ele não queria deixar o Benfica.
Tinha o nome do clube gravado na testa”, salientou o nórdico,
que encontrou um futebol português diferente daquele que havia deixado em 1984. “Na minha ausência, os ‘três
grandes’ de Portugal transformaram-se nos ‘dois grandes’. Agora era tudo entre Benfica
e FC
Porto. O Sporting
ficara para trás”, escreveu Eriksson
num capítulo que intitulou de “Guerra é guerra”. Mas a perda de força do Sporting
não foi a única diferença que o sueco
notou. “Durante a minha ausência de cinco anos de Portugal, o futebol tornou-se
mais sujo, mais corrupto. Havia muitos escândalos e muitas conversas sobre
árbitros. O FC
Porto crescera e tornara-se poderoso. Depois de perdermos a final da Taça
dos Campeões [de 1989-90], foi como o Benfica
se tivesse esvaziado. Como não ganhámos o campeonato, tivemos de nos contentar
com a Taça
UEFA. Fomos eliminados logo na primeira eliminatória, pela AS
Roma”, contou o treinador, referindo-se já à temporada 1990-91.
Em termos domésticos, a luta pelo
título foi uma vez mais entre Benfica
e FC
Porto. “Quando nos defrontámos na segunda volta, perto do final da época,
liderávamos com um ponto à maior. Quem vencesse o encontro seria certamente
campeão”, lembra Eriksson,
sobre o contexto do jogo disputado a 28 de abril de 1991 nas Antas, a contar
para a 34.ª de 38 jornadas. “Quando chegámos ao estádio do
Porto, hora e meia antes do jogo, havia tanta gente na rua que o autocarro
ficou parado. Uma pedra foi atirada contra uma das janelas, que felizmente não
se partiu. Os jogadores atiraram-se para o chão e fecharam as cortinas, mas
toda a gente sabia que a equipa do Benfica
ia lá dentro. Embora parecesse que havia cada vez mais gente, não houve outro
remédio senão sair do autocarro, apanhar os nossos sacos e ir a pé até aos
balneários. E assim fizemos, rodeados por adeptos do FC
Porto aos gritos. Foi um episódio tenso e assustador. Quando chegámos à
cabina, estava fechada. Pedi aos seguranças que abrissem a porta, mas
ignoraram-me por completo. Pinto
da Costa, o presidente do FC
Porto e o homem mais poderoso do futebol português, apareceu avisando que,
segundo os regulamentos, só eram obrigados a abrir os balneários uma hora antes
do jogo. ‘Respeito-o muito sr. Eriksson’,
disse-me, ‘mas guerra é guerra’”, recordou o treinador
sueco na autobiografia. “Quando abriram a cabina,
descobrimos que tinha sido pulverizada com qualquer espécie de químico que não
nos deixava respirar. Os nossos jogadores tiveram de se equipar nos corredores.
Perguntei a um dirigente do FC
Porto se, pelo menos, iríamos ter acesso ao relvado, mas as ordens de Pinto
da Costa eram para que a equipa visitante só subisse ao campo meia hora
antes do apito inicial e não antes. No momento de pisar a relva, percebemos que
estava tão encharcada que mal era possível fazer um passe, e as linhas tinham
sido redesenhadas para fazer com que a superfície ficasse mais pequena. O nosso
banco de suplentes foi colocado quase junto da grande área e fizeram questão de
se assegurarem que não se moveria”, continuou.
Esse ambiente de guerra foi transportado
para dentro das quatro linhas. “Sem surpresa, o jogo tornou-se hostil e houve
muitos cartões amarelos, mas nada de golos. Aos 80 minutos fiz entrar o ponta
de lança César
Brito e, um minuto depois, fez golo. Quatro minutos mais tarde fez o
segundo. Pouco depois, o árbitro apitou e nós ganhámos 2-0. Enraivecidos, os
adeptos do FC
Porto iniciaram um tumulto que se prolongou pela noite dentro. Mas, no Benfica,
Brito,
um jogador periférico do qual nunca mais ouvi falar, tinha inscrito o seu nome
nos livros da História. Nesse dia, ele foi rei. O Benfica
conquistava o seu 29.º título de campeão, o meu terceiro com o clube, e
qualificara-se para a Taça
dos Campeões. Devia ter ido embora nessa altura, quando estava no topo”, concluiu
Eriksson,
que foi convencido pelo diretor desportivo das águias, Gaspar Ramos, a ficar
mais um ano na Luz.
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