quinta-feira, 10 de abril de 2025

“Guerra é guerra”. A epopeia do Benfica nas Antas em 1991 contada por Eriksson

César Brito decidiu clássico que encaminhou título de 1990-91
Treinador cada vez mais conceituado depois cinco anos em Itália ao leme de AS Roma (1984 a 1987) e Fiorentina (1987 a 1989), Sven-Göran Eriksson não hesitou quando recebeu um convite para voltar ao Benfica. “É possível avançar dando um passo atrás? Foi a questão que me coloquei quando o Benfica me contactou, na primavera de 1989, propondo-me o regresso a Portugal”, começou por contar o técnico sueco no livro autobiográfico Sven – A Minha História, publicado em 2013.
 
“Não queria deixar Itália, mas senti que se continuasse na Fiorentina não ia andar nem para trás, nem para a frente. Ficaria exatamente onde estava, no meio. A Fiorentina era uma equipa do meio da tabela [7.ª classificada em 1988-89 na Serie A] e sem grandes investimentos, lá ficaria. Tinha maiores ambições do que as de lutar por lugares na Taça UEFA. Já tinha ganho a Taça UEFA [pelo Gotemburgo, em 1981-82]. Já tinha sido campeão de Portugal por duas vezes [1982-83 e 1983-84]. Mas o Benfica ia jogar na Taça dos Campeões [Europeus]. Eu queria o cargo”, prosseguiu.
 
Mas “havia um problema”. O braço-direito de Eriksson durante a sua primeira passagem pelo comando técnico dos encarnados, Toni, era agora o treinador principal. “Mal me convidaram, liguei-lhe. Se a minha ida para Lisboa significasse a saída de Toni, eu recusava. Mas ele disse-me que o iam despedir de qualquer maneira. Então impus uma condição – que Toni fosse meu adjunto. Ele não queria deixar o Benfica. Tinha o nome do clube gravado na testa”, salientou o nórdico, que encontrou um futebol português diferente daquele que havia deixado em 1984.
 
“Na minha ausência, os ‘três grandes’ de Portugal transformaram-se nos ‘dois grandes’. Agora era tudo entre Benfica e FC Porto. O Sporting ficara para trás”, escreveu Eriksson num capítulo que intitulou de “Guerra é guerra”.
 
Mas a perda de força do Sporting não foi a única diferença que o sueco notou. “Durante a minha ausência de cinco anos de Portugal, o futebol tornou-se mais sujo, mais corrupto. Havia muitos escândalos e muitas conversas sobre árbitros. O FC Porto crescera e tornara-se poderoso. Depois de perdermos a final da Taça dos Campeões [de 1989-90], foi como o Benfica se tivesse esvaziado. Como não ganhámos o campeonato, tivemos de nos contentar com a Taça UEFA. Fomos eliminados logo na primeira eliminatória, pela AS Roma”, contou o treinador, referindo-se já à temporada 1990-91.
 
 
Em termos domésticos, a luta pelo título foi uma vez mais entre Benfica e FC Porto. “Quando nos defrontámos na segunda volta, perto do final da época, liderávamos com um ponto à maior. Quem vencesse o encontro seria certamente campeão”, lembra Eriksson, sobre o contexto do jogo disputado a 28 de abril de 1991 nas Antas, a contar para a 34.ª de 38 jornadas.
 
“Quando chegámos ao estádio do Porto, hora e meia antes do jogo, havia tanta gente na rua que o autocarro ficou parado. Uma pedra foi atirada contra uma das janelas, que felizmente não se partiu. Os jogadores atiraram-se para o chão e fecharam as cortinas, mas toda a gente sabia que a equipa do Benfica ia lá dentro. Embora parecesse que havia cada vez mais gente, não houve outro remédio senão sair do autocarro, apanhar os nossos sacos e ir a pé até aos balneários. E assim fizemos, rodeados por adeptos do FC Porto aos gritos. Foi um episódio tenso e assustador. Quando chegámos à cabina, estava fechada. Pedi aos seguranças que abrissem a porta, mas ignoraram-me por completo. Pinto da Costa, o presidente do FC Porto e o homem mais poderoso do futebol português, apareceu avisando que, segundo os regulamentos, só eram obrigados a abrir os balneários uma hora antes do jogo. ‘Respeito-o muito sr. Eriksson’, disse-me, ‘mas guerra é guerra’”, recordou o treinador sueco na autobiografia.
 
“Quando abriram a cabina, descobrimos que tinha sido pulverizada com qualquer espécie de químico que não nos deixava respirar. Os nossos jogadores tiveram de se equipar nos corredores. Perguntei a um dirigente do FC Porto se, pelo menos, iríamos ter acesso ao relvado, mas as ordens de Pinto da Costa eram para que a equipa visitante só subisse ao campo meia hora antes do apito inicial e não antes. No momento de pisar a relva, percebemos que estava tão encharcada que mal era possível fazer um passe, e as linhas tinham sido redesenhadas para fazer com que a superfície ficasse mais pequena. O nosso banco de suplentes foi colocado quase junto da grande área e fizeram questão de se assegurarem que não se moveria”, continuou.
 
 
Esse ambiente de guerra foi transportado para dentro das quatro linhas. “Sem surpresa, o jogo tornou-se hostil e houve muitos cartões amarelos, mas nada de golos. Aos 80 minutos fiz entrar o ponta de lança César Brito e, um minuto depois, fez golo. Quatro minutos mais tarde fez o segundo. Pouco depois, o árbitro apitou e nós ganhámos 2-0. Enraivecidos, os adeptos do FC Porto iniciaram um tumulto que se prolongou pela noite dentro. Mas, no Benfica, Brito, um jogador periférico do qual nunca mais ouvi falar, tinha inscrito o seu nome nos livros da História. Nesse dia, ele foi rei. O Benfica conquistava o seu 29.º título de campeão, o meu terceiro com o clube, e qualificara-se para a Taça dos Campeões. Devia ter ido embora nessa altura, quando estava no topo”, concluiu Eriksson, que foi convencido pelo diretor desportivo das águias, Gaspar Ramos, a ficar mais um ano na Luz.
 
 
 
 


 
 



  

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...