quarta-feira, 9 de abril de 2025

Pesada derrota na Luz e um táxi misterioso. Como Eriksson trocou o Benfica pela AS Roma

Sven-Göran Eriksson esteve na AS Roma entre 1984 e 1987
Depois de uma primeira época de grande sucesso no Benfica em 1982-83, com a conquista do campeonato e a caminhada até à final da Taça UEFA, Sven-Göran Eriksson iniciou a segunda também em grande, com a vitória na final da Taça de Portugal referente à temporada anterior sobre o FC Porto nas Antas (1-0) e um grande arranque na I Divisão.
 
“Não perdemos nenhum jogo para o campeonato até à primavera [primeira derrota foi nas Antas, na 21.ª jornada, após 18 vitórias e dois empates]. Com o título praticamente ganho, focámo-nos na Taça dos Campeões [Europeus]. Atingimos os quartos de final depois de afastarmos os pequenos irlandeses do Linfield e os gregos do Olympiakos. Mas agora estávamos frente a frente com um duro opositor – Liverpool, campeão de Inglaterra e vencedor de três Taças dos Campeões nos últimos sete anos. Como muitos suecos, eu tinha sido um adepto do Liverpool na minha juventude. Agora ia ter a hipótese de liderar uma equipa no lendário Anfield”, contextualizou o treinador nórdico no livro autobiográfico Sven – A Minha História, publicado em 2013.
 
“Sentia que podíamos desafiar o Liverpool. O principal era não sofrermos muitos golos na primeira mão, fora. Construí uma equipa de certa forma defensiva e jogámos bem. Mas, no segundo tempo, não conseguimos aguentar a pressão do Liverpool e Ian Rush marcou. Fiquei satisfeito com o 0-1. Continuávamos com boas hipóteses de seguir em frente. Em Lisboa, as coisas seriam diferentes”, recordou Eriksson.
 
 
Essa expetativa, talvez demasiado alta, acabou por ferir o treinador sueco quando se deparou com o desfecho da eliminatória. “Em casa, optei por uma equipa muito mais ofensiva, com dois pontas de lança, Nené e Manniche. O início foi positivo, mas, aos dez minutos, tudo se desmoronou. O Liverpool conseguiu pôr um centro na nossa grande área e, apesar de a cabeçada de Ronnie Whelan ter sido fraca e na direção do guarda-redes, a bola passou pelo meio das pernas de Bento. E tudo ficou pior ainda. Perdemos a bola no nosso meio-campo e Kenny Dalglish e Ian Rush trocaram-na entre si antes de ser colocada num isolado Craig Johnston que fez o 2-0. Estava tudo perdido. Ainda marcámos um golo na segunda parte [por Nené, aos 74’], mas o Liverpool fez mais dois [por Rush aos 78’ e Whelan aos 84’], ganhando por 4-1. Estávamos fora da Taça dos Campeões. Os adeptos sentiram a derrota muito fortemente. Havia grandes esperanças em chegar à final e foi como se o balão do clube esvaziasse. Bem como o meu. Comecei a pensar se já não teria chegado o mais longe que era possível com o Benfica”, escreveu o treinador sueco na obra autobiográfica.
 
 
A juntar a este desalento, Eriksson deparou-se com o interesse de um clube importante no panorama europeu. “Certo dia, vinha do treino a conduzir, quando um táxi se colou ao meu carro buzinando e fazendo sinais de luzes. Um homem, no assento traseiro, fazia-me sinais para encostar. Descobri que era um empregado da Embaixada de Itália e que me trazia uma mensagem – Dino Viola queria falar comigo. Dino Viola era o presidente da AS Roma”, contou o técnico sueco.
 
“O homem da Embaixada disse-me que o nosso encontro devia ser altamente confidencial. Deu-me o contacto de Viola e urgiu-me a ligar-lhe o mais rapidamente possível. Fui imediatamente para casa e fiz a chamada. Riccardo Viola, um dos dois filhos de Dino, atendeu. Explicou-me que o seu pai ficara verdadeiramente impressionado com a forma como o Benfica jogara contra a AS Roma na época anterior. Estavam à procura de um técnico, e queriam naturalmente saber se o sueco que fizera tão bom trabalho no Benfica estaria interessado no cargo”, prosseguiu Eriksson, que “não disse sim de imediato”, “mas podia tê-lo feito”, pois percebeu “desde logo que era uma oportunidade que não devia desperdiçar”.
 
Quando defrontou a AS Roma na Taça UEFA em março de 1983, ficou apaixonado por Itália, tendo mesmo dito à mulher, Anki, que os dois haveriam de viver na capital transalpina. E quis o destino que essa oportunidade batesse à porta: “Era o melhor campeonato do mundo. E agora tinha um convite para treinar os campeões italianos.”
 
Dino Viola e Sven-Göran Eriksson na capital italiana
Entretanto, o empresário do treinador, o compatriota Börje Lantz, foi a Roma para negociar e voltou com um contrato pronto para Eriksson assinar. “Tudo parecia em ordem. Só havia um problema: em Itália, havia regras especiais para os treinadores não italianos. Não podiam ter contacto com a equipa durante o jogo. Não podiam sentar-se no banco. Nils Liedholm ultrapassara essa burocracia porque se tornara cidadão italiano. Foi-me garantido, no entanto, que as regras iriam mudar para a época que se seguiria. Mas não foi assim tão rápido”, contou o treinador, que também teve um contacto do Tottenham e foi abordado para comandar o Barcelona de Diego Maradona.
 
“Definitivamente, não queria ver-me embrulhado na burocracia italiana, mas tinha-me sido prometido que as regras iriam ser alteradas antes do início da época seguinte. Itália era o meu destino preferido. Queria ir para Roma. Já tinha tomado a decisão”, continuou Eriksson, que ainda teria de tratar de convencer o presidente do Benfica a libertá-lo. Um assunto para gerir com pinças, até pela boa relação que se estabeleceu entre ambos: “Havia uma pessoa que eu tinha medo de desiludir – Fernando Martins.”
 
“Depois da primeira época no Benfica, o meu contrato fora renovado e, tal como no Gotemburgo, pedi para se incluir uma cláusula que me permitisse sair se houvesse um convite de outro grande clube estrangeiro. Isso não queria dizer que Fernando Martins me deixasse sair facilmente. Queria que eu ficasse. Fui almoçar com ele e com Börje ao Hotel Altis. Quando lhe falei na AS Roma e na decisão que havia tomado, ficou transtornado. ‘Não, mister, não pode fazer isso’, disse. Procurou convencer-me a ficar, garantindo que iria comprar mais jogadores e fazer o Benfica maior do que nunca. Senti-me como se o estivesse a trair; a ele, aos jogadores e aos adeptos. Ainda bem que Börje estava ao meu lado. Ele adorava estas coisas: discussões e negociações. Relembrou a Fernando Martins o excelente trabalho que eu tinha feito no Benfica. Mesmo que gostasse muito do cargo, tinha chegado a altura de o entregar a outro, justificou”, revelou Eriksson, que após ganhar o campeonato se deslocou à capital italiana ver a AS Roma defrontar o Liverpool na final da Taça dos Campeões Europeus: “Mantive-me discreto na bancada enquanto via a minha nova equipa ser dramaticamente derrotada nos penalties.”
 
 




 
 



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