O mais carismático preparador físico que passou pelo futebol português. Quem se lembra de Roger Spry?
Roger Spry trabalhou no Vitória FC, no Sporting e no FC Porto
Um preparador físico especial,
com métodos fora da caixa, que incluíam pinturas faciais, música e artes
marciais. Uma personagem que ainda hoje é recordada por quem passou pelas mãos dele.
Convidado por Malcolm
Allison, este inglês surgiu pela primeira vez no futebol português em 1986,
quando o compatriota
assumiu o comando técnico do Vitória
de Setúbal. “Com o Malcolm
era fácil trabalhar. Todos os dias ele vinha ter comigo e dizia ‘Roger, os
próximos 30 minutos são teus, faz desses gajos o que quiseres’. E aí, sim, eu
procurava variar o mais possível. Às vezes sentia que o dia era pesado e a
equipa precisava de música, às vezes ensaiava passos de artes marciais para
melhorar a concentração, mas noutros dias só falávamos. O segredo é esse,
perceber o que dar e quando dar. E, claro, encontrei personalidades muito
diferentes. No balneário do Vitória
havia muitos jogadores com mais de 30 anos: o Eurico, o Rui
Jordão, o Manuel
Fernandes…”, recordou ao Maisfutebol
em outubro de 2019. Quem beneficiou dos métodos de
Roger Spry foi Rui
Jordão, que em dezembro de 1987 voltou aos relvados após um ano e meio de
ausência e atingiu novamente um nível que lhe permitiu marcar mais de uma
dezena de golos em 1988-89 e regressar à seleção
nacional, numa fase em que já passava dos 35 anos: “Conheci o Jordão
num restaurante. O Manuel
Fernandes ligou-me e disse-me que ele, o Rui,
queria acabar a carreira. Não se sentia bem, andava triste… Fui lá ter com eles
e o Jordão
estava, é verdade, muito triste. Mas os olhos dele brilhavam, como se fosse uma
criança entusiasmada. Perguntei-lhe muito diretamente: ‘Rui,
queres jogar ao mais alto nível dois anos ainda e fazer golos?’. Ele começou a
chorar à minha frente. Não foi preciso dizer mais nada. Disse ao Manel
para levá-lo a Setúbal e prometi-lhe que em dois meses estaria no máximo. Não
tenho aqui os números, mas vi o Jordão
a jogar e a treinar como um menino.”
Outra figura que tirou proveito
da metodologia de Spry foi o guarda-redes Ferenc
Mészáros, também ele um antigo jogador do Sporting
no tempo de Allison,
Manuel
Fernandes e Jordão.
“Fantástico na baliza, mas odiava treinar e correr. O senhor Allison
andava preocupado, sentia que ele não estava feliz e falou comigo. Precisávamos
de arranjar alguma forma de estabelecer um compromisso com ele. O Mészáros
adorava fumar, mas era completamente proibido fumar no balneário, no estádio,
em todos os lados onde a equipa estivesse. Falámos com ele, percebemos que
andava desanimado e dissemos-lhe: ‘a partir de agora podes fumar um cigarro ao
intervalo, longe dos teus colegas, mas tens de merecê-lo’. O Mészáros
fez um final de temporada espetacular”, recordou.
Em 1989 deixou a cidade do Sado,
onde nasceu uma das suas filhas, e “estava feliz no Aston
Villa” quando, a gozar as férias de verão de 1992 em Portugal, foi interpelado
num restaurante por Sousa
Cintra, então presidente do Sporting.
“Fez-me logo ali uma proposta financeira escrita num guardanapo de papel e
disse-me que não aceitava um ‘não’. Para mim era a oportunidade perfeita de
voltar a Portugal. Aceitei”, contou o preparador físico, que em Alvalade
trabalhou na equipa técnica de outro compatriota, Bobby
Robson. Spry ainda permaneceu no Sporting
após o despedimento de Robson,
em dezembro de 1993, tendo ficado inserido na equipa técnica de Carlos Queiroz,
tendo trabalhado diretamente com um futuro Bola de Ouro: Luís Figo. “Ficava
doido comigo. Levei-o aos limites. Certo dia acabou o treino e teve de vomitar.
Gritou comigo, zangadíssimo, e eu disse-lhe assim: ‘amanhã vais estar
levezinho, vais voar’. Passou de jogador talentoso a craque mundial”, lembrou o
preparador físico, que tentou também extrair o máximo de Dani:
“Apanhei-o quando era ainda um adolescente e foi um desafio para mim. Tive de
gerir muito bem as emoções dele. Abraçava-o, explicava-lhe que não podia sair
todas as noites, que tinha de dormir para ser feliz no relvado. Estabeleci um
vínculo de confiança com ele para lhe poder exigir depois o que exigia aos outros.
Ele, acho que por gostar de mim, treinou sempre bem comigo. Era o que corria
mais? O mais aplicado? Não, mas cumpriu sempre.” Roger Spry deixou o Sporting
em 1995, mas voltou a Portugal para trabalhar no FC
Porto, então comandado por António Oliveira, em 1997-98, e ficou também na
equipa técnica de Fernando Santos em 1999-00. “Vivi no FC
Porto os melhores dois anos da minha carreira. Só saí do clube porque o meu
pai estava a morrer e tive de voltar a Inglaterra para cuidar dele até ao fim.
Se não fosse isso, a esta hora ainda estava no FC
Porto. Adoro o clube, adoro”, vincou. Em agosto de 1999 deixou as
Antas, mas voltou a trabalhar com Fernando Santos no AEK e no Panathinaikos na
década seguinte, ajudando a elevar os níveis físicos de vários jogadores da seleção
grega que viria a conquistar o título europeu em 2004. Mais tarde, entre 2006 e 2017,
trabalhou para a seleção
da Áustria.
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