quinta-feira, 14 de novembro de 2024

O mais carismático preparador físico que passou pelo futebol português. Quem se lembra de Roger Spry?

Roger Spry trabalhou no Vitória FC, no Sporting e no FC Porto
Um preparador físico especial, com métodos fora da caixa, que incluíam pinturas faciais, música e artes marciais. Uma personagem que ainda hoje é recordada por quem passou pelas mãos dele.
 
Convidado por Malcolm Allison, este inglês surgiu pela primeira vez no futebol português em 1986, quando o compatriota assumiu o comando técnico do Vitória de Setúbal. “Com o Malcolm era fácil trabalhar. Todos os dias ele vinha ter comigo e dizia ‘Roger, os próximos 30 minutos são teus, faz desses gajos o que quiseres’. E aí, sim, eu procurava variar o mais possível. Às vezes sentia que o dia era pesado e a equipa precisava de música, às vezes ensaiava passos de artes marciais para melhorar a concentração, mas noutros dias só falávamos. O segredo é esse, perceber o que dar e quando dar. E, claro, encontrei personalidades muito diferentes. No balneário do Vitória havia muitos jogadores com mais de 30 anos: o Eurico, o Rui Jordão, o Manuel Fernandes…”, recordou ao Maisfutebol em outubro de 2019.
 
Quem beneficiou dos métodos de Roger Spry foi Rui Jordão, que em dezembro de 1987 voltou aos relvados após um ano e meio de ausência e atingiu novamente um nível que lhe permitiu marcar mais de uma dezena de golos em 1988-89 e regressar à seleção nacional, numa fase em que já passava dos 35 anos: “Conheci o Jordão num restaurante. O Manuel Fernandes ligou-me e disse-me que ele, o Rui, queria acabar a carreira. Não se sentia bem, andava triste… Fui lá ter com eles e o Jordão estava, é verdade, muito triste. Mas os olhos dele brilhavam, como se fosse uma criança entusiasmada. Perguntei-lhe muito diretamente: ‘Rui, queres jogar ao mais alto nível dois anos ainda e fazer golos?’. Ele começou a chorar à minha frente. Não foi preciso dizer mais nada. Disse ao Manel para levá-lo a Setúbal e prometi-lhe que em dois meses estaria no máximo. Não tenho aqui os números, mas vi o Jordão a jogar e a treinar como um menino.”
 
Outra figura que tirou proveito da metodologia de Spry foi o guarda-redes Ferenc Mészáros, também ele um antigo jogador do Sporting no tempo de Allison, Manuel Fernandes e Jordão. “Fantástico na baliza, mas odiava treinar e correr. O senhor Allison andava preocupado, sentia que ele não estava feliz e falou comigo. Precisávamos de arranjar alguma forma de estabelecer um compromisso com ele. O Mészáros adorava fumar, mas era completamente proibido fumar no balneário, no estádio, em todos os lados onde a equipa estivesse. Falámos com ele, percebemos que andava desanimado e dissemos-lhe: ‘a partir de agora podes fumar um cigarro ao intervalo, longe dos teus colegas, mas tens de merecê-lo’. O Mészáros fez um final de temporada espetacular”, recordou.

 
Em 1989 deixou a cidade do Sado, onde nasceu uma das suas filhas, e “estava feliz no Aston Villa” quando, a gozar as férias de verão de 1992 em Portugal, foi interpelado num restaurante por Sousa Cintra, então presidente do Sporting. “Fez-me logo ali uma proposta financeira escrita num guardanapo de papel e disse-me que não aceitava um ‘não’. Para mim era a oportunidade perfeita de voltar a Portugal. Aceitei”, contou o preparador físico, que em Alvalade trabalhou na equipa técnica de outro compatriota, Bobby Robson.
 
Spry ainda permaneceu no Sporting após o despedimento de Robson, em dezembro de 1993, tendo ficado inserido na equipa técnica de Carlos Queiroz, tendo trabalhado diretamente com um futuro Bola de Ouro: Luís Figo. “Ficava doido comigo. Levei-o aos limites. Certo dia acabou o treino e teve de vomitar. Gritou comigo, zangadíssimo, e eu disse-lhe assim: ‘amanhã vais estar levezinho, vais voar’. Passou de jogador talentoso a craque mundial”, lembrou o preparador físico, que tentou também extrair o máximo de Dani: “Apanhei-o quando era ainda um adolescente e foi um desafio para mim. Tive de gerir muito bem as emoções dele. Abraçava-o, explicava-lhe que não podia sair todas as noites, que tinha de dormir para ser feliz no relvado. Estabeleci um vínculo de confiança com ele para lhe poder exigir depois o que exigia aos outros. Ele, acho que por gostar de mim, treinou sempre bem comigo. Era o que corria mais? O mais aplicado? Não, mas cumpriu sempre.”
 
Roger Spry deixou o Sporting em 1995, mas voltou a Portugal para trabalhar no FC Porto, então comandado por António Oliveira, em 1997-98, e ficou também na equipa técnica de Fernando Santos em 1999-00. “Vivi no FC Porto os melhores dois anos da minha carreira. Só saí do clube porque o meu pai estava a morrer e tive de voltar a Inglaterra para cuidar dele até ao fim. Se não fosse isso, a esta hora ainda estava no FC Porto. Adoro o clube, adoro”, vincou.
 
Em agosto de 1999 deixou as Antas, mas voltou a trabalhar com Fernando Santos no AEK e no Panathinaikos na década seguinte, ajudando a elevar os níveis físicos de vários jogadores da seleção grega que viria a conquistar o título europeu em 2004.
 
Mais tarde, entre 2006 e 2017, trabalhou para a seleção da Áustria.




 
 
 




 

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