O refugiado que brilhou no Benfica e jogou nas grandes ligas. Quem se lembra de Hélder?
Hélder somou 230 jogos e 16 golos pelo Benfica
Um dos bons valores do futebol
português na década de 1990 e um exemplo de subida a pulso no desporto-rei,
desde os juniores da União
de Tires à seleção nacional e aos campeonatos de Espanha,
Inglaterra
e França.
Filho de pai funcionário
ferroviário e com cargo importante na Unita e de mãe doméstica, Hélder
Cristóvão nasceu em Angola, mais precisamente na capital Luanda, veio viver
para Portugal aos quatro anos na condição de refugiado, inicialmente para uma
estalagem na Ericeira, tendo depois passado pela Praia das Maçãs, em Sintra,
antes de a família se radicar na Abóboda, no concelho
de Cascais. Começou a jogar futebol federado
aos 13 anos, no Desportivo Monte Real de Tires, tendo ainda passado pela União
de Tires antes de concluir a formação no Estoril
Praia. Embora tivesse ido para a Amoreira como extremo direito, acabou por
ser adaptado a defesa central numa altura em que dois centrais estavam
lesionados e um outro castigado, tendo agarrado o lugar de imediato na equipa principal,
orientada por Fernando Santos. Em 1989-90 ajudou os canarinhos
a conseguir o apuramento para a edição inaugural da II
Liga e na época seguinte contribuiu para a promoção à I
Liga. Em 1991-92 estreou-se na I
Divisão e afirmou-se em definitivo, tendo somado dez internacionalizações
pela sub-21
e feito a estreia pela seleção nacional A durante a temporada.
“Eu fiz alguns jogos com os sub-21...
porque eu era diferente. Eu era um médio ofensivo que jogava a central. Todas
as minhas ações tinham um cariz ofensivo. Sempre que ganhava a bola, o meu
primeiro pensamento era como ligar o jogo com o meio ou como saltar do meio
para a frente. Isso fez alguma diferença na altura. E poucos centrais fazem
isso agora, eu acho. Um transporte seguro de bola, o entrar em entrelinhas no
meio campo, um passe a procurar já os jogadores mais avançados. Então, eu
estava num estágio dos sub-21
no Algarve, a seleção principal também jogava lá contra a Holanda,
mais uma vez lesiona-se um central e o professor [Carlos Queiroz] chamou-me”,
contou à Tribuna
Expresso em setembro de 2017.
O salto para um clube de maior
dimensão tornou-se inevitável no verão de 1992. Chegou a ter um pé no Sporting,
mas acabou por assinar pelo Benfica.
“Fui com o Mário Jorge e o nosso diretor de então, João Lachever, um sportinguista
tremendo, e ele acertou tudo com o Sporting.
O sonho dele era ter alguém do Estoril
no Sporting
e ele via-nos um pouco como filhos. Aconteceu uma reunião com o Sporting
que corre muito bem, os valores eram muito bons, muito apelativos, saímos de lá
satisfeitos. Entretanto, o João Lachever recebe uma chamada do Gaspar Ramos que
lhe diz que também gostava de falar connosco. O Lachever diz que já estava tudo
fechado, que já tínhamos aceitado. Mas eu disse que gostava de ir ao Benfica
para ouvir o que tinham a dizer”, recordou, tendo acabado por aceitar uma proposta
inicial mais baixa das águias, embora fosse… sportinguista:
“Não sei explicar porquê, era um chamamento, alguma coisa mais forte e a
verdade é que tenho esta ligação até hoje. Se calhar era o meu benfiquismo a
falar e eu nem sabia.”
Apesar da concorrência de nomes
de peso como Mozer, Samuel,
Paulo Madeira e William, não se deixou intimidar e agarrou um lugar ao lado de
Mozer. “As coisas correram lindamente e nessa época só perdi um jogo, em 34 fiz
33, fui o jogador mais utilizado no campeonato e foi sempre a subir”, frisou.
Depois de duas Taças
de Portugal (1992-93 e 1995-96) e sobretudo após um campeonato conquistado
de forma algo improvável na época a seguir ao verão quente de 1993 – faturou nos
3-6 em Alvalade
–, foi titular nos quatro jogos da seleção nacional no Euro 1996 e
transferiu-se para o Deportivo
da Corunha no final desse ano. Um
dia após ter assinado pelos galegos, ainda recebeu uma abordagem do Real
Madrid, mas não havia volta a dar.
Numa altura em que estava a
ajudar o Depor
a consolidar-se como uma equipa candidata aos lugares cimeiros da liga
espanhola, sofreu uma grave lesão no tendão rotuliano, foi operado três
vezes e ficou afastado dos relvados durante um ano e nove meses, entre
fevereiro de 1998 e novembro de 1999.
Como só ia recuperar com a época
1999-00 em andamento e as vagas no plantel eram limitadas, foi emprestado ao Newcastle,
aceitando um convite de Bobby Robson. Apesar da concorrência de jogadores
internacionais pelos respetivos países, disputou 12 jogos e marcou um golo e
meia época, um registo razoável. “Como fui emprestado, eles queriam ficar comigo,
mas também não queriam pagar o valor que na altura o presidente do Corunha
queria. Agarraram-se à minha lesão e criámos ali uma história, tudo combinado
comigo como é óbvio. Ofereceram-me um contrato de três anos, aceitei logo, era
muito bom, fabuloso. Então criámos um relatório médico, eu não fiz os últimos
três jogos pelo Newcastle,
premeditado, para quando o relatório médico chegasse ao Corunha
fosse no sentido de ‘ele tem um problema de lesões, não sabemos como será isto
para a frente, mas mesmo assim queremos ficar com ele’. Só que eu tinha jogado
sempre, menos aqueles últimos três jogos e o presidente do Corunha
não foi na conversa. Disse: ‘Ele que venha, que faça a pré-época e depois logo
vemos’. Eu cheguei em condições, fiz uma pré-época muito boa...”, revelou.
Curiosamente, acabou por não
jogar pelo Deportivo
em 1999-00, época marcada pela conquista do improvável título nacional de
Espanha, mas após o regresso à Galiza venceu a Supertaça de Espanha em 2000 e a
Taça do Rei em 2001-02. Ainda foi chamado para dois particulares da seleção nacional por António Oliveira – o mesmo selecionador que fez dele uma pedra
basilar da equipa das quinas no Euro 1996 –, mas não conseguiu recuperar o
espaço que era seu até ao final de 1997, fechando em 2001 um ciclo de 35 internacionalizações (e três golos).
No verão de 2002 chegou a assinar
pelo Atlético
Madrid, numa altura em que Paulo
Futre era o diretor desportivo dos colchoneros.
O problema foi que da parte do emblema da capital espanhola não houve…
assinatura. “O Futre
mandou-me o contrato para eu e o Miki
Fehér assinarmos. Mas na altura o Futre
tinha 18 jogadores para dispensar. Entretanto, não conseguiu colocá-los todos e
disse-me que não podia tornar efetivo o contrato. Não ficámos”, lembrou.
Teve abordagens de clubes como Ajax,
Shakhtar
Donetsk e Olympiakos, mas acabou por regressar ao Benfica.
Nos primeiros meses da temporada nunca foi titular com Jesualdo Ferreira em
jogos do campeonato, mas ganhou um lugar no onze com o interino Fernando
Chalana e agarrou-o com Jose Antonio Camacho.
Na preparação da temporada
2003-04 esteve envolvido numa polémica em torno da braçadeira de capitão. Em
vez de o capitão ser nomeado pelo treinador e pela estrutura, Camacho promoveu
uma eleição por voto secreto para apurar o líder do balneário, e Hélder venceu.
Quem não ficou satisfeito foi Simão Sabrosa, que tinha sido o capitão em grande
parte da época anterior, tendo ambos protagonizado uma conversa acesa captada
por câmaras de televisão. “No Benfica,
nunca foi votos”, desabafou o extremo, que acusou o central de pedir votos a
alguns companheiros de equipa.
Nessa segunda época após o
regresso à Luz
foi perdendo espaço e acabou dispensado no verão de 2004, acabando por assinar
pelo Paris
Saint-Germain, reencontrando na capital francesa Pauleta, seu antigo
companheiro de equipa no Deportivo.
Depois de uma temporada pouco
conseguida na Ligue
1, encerrou a carreira na Grécia em 2005-06, ao serviço do Larissa.
Após pendurar as botas criou a sua
escola de futebol no campo do Abóboda, a Central 32, e tornou-se treinador.
Depois passagens por vários clubes, como Benfica
B e Al Nassr, está atualmente no comando técnico do Penafiel.
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