quinta-feira, 21 de março de 2024

O refugiado que brilhou no Benfica e jogou nas grandes ligas. Quem se lembra de Hélder?

Hélder somou 230 jogos e 16 golos pelo Benfica
Um dos bons valores do futebol português na década de 1990 e um exemplo de subida a pulso no desporto-rei, desde os juniores da União de Tires à seleção nacional e aos campeonatos de Espanha, Inglaterra e França.
 
Filho de pai funcionário ferroviário e com cargo importante na Unita e de mãe doméstica, Hélder Cristóvão nasceu em Angola, mais precisamente na capital Luanda, veio viver para Portugal aos quatro anos na condição de refugiado, inicialmente para uma estalagem na Ericeira, tendo depois passado pela Praia das Maçãs, em Sintra, antes de a família se radicar na Abóboda, no concelho de Cascais.
 
Começou a jogar futebol federado aos 13 anos, no Desportivo Monte Real de Tires, tendo ainda passado pela União de Tires antes de concluir a formação no Estoril Praia. Embora tivesse ido para a Amoreira como extremo direito, acabou por ser adaptado a defesa central numa altura em que dois centrais estavam lesionados e um outro castigado, tendo agarrado o lugar de imediato na equipa principal, orientada por Fernando Santos.
 
Em 1989-90 ajudou os canarinhos a conseguir o apuramento para a edição inaugural da II Liga e na época seguinte contribuiu para a promoção à I Liga. Em 1991-92 estreou-se na I Divisão e afirmou-se em definitivo, tendo somado dez internacionalizações pela sub-21 e feito a estreia pela seleção nacional A durante a temporada.
 
 
“Eu fiz alguns jogos com os sub-21... porque eu era diferente. Eu era um médio ofensivo que jogava a central. Todas as minhas ações tinham um cariz ofensivo. Sempre que ganhava a bola, o meu primeiro pensamento era como ligar o jogo com o meio ou como saltar do meio para a frente. Isso fez alguma diferença na altura. E poucos centrais fazem isso agora, eu acho. Um transporte seguro de bola, o entrar em entrelinhas no meio campo, um passe a procurar já os jogadores mais avançados. Então, eu estava num estágio dos sub-21 no Algarve, a seleção principal também jogava lá contra a Holanda, mais uma vez lesiona-se um central e o professor [Carlos Queiroz] chamou-me”, contou à Tribuna Expresso em setembro de 2017.
 
 
O salto para um clube de maior dimensão tornou-se inevitável no verão de 1992. Chegou a ter um pé no Sporting, mas acabou por assinar pelo Benfica. “Fui com o Mário Jorge e o nosso diretor de então, João Lachever, um sportinguista tremendo, e ele acertou tudo com o Sporting. O sonho dele era ter alguém do Estoril no Sporting e ele via-nos um pouco como filhos. Aconteceu uma reunião com o Sporting que corre muito bem, os valores eram muito bons, muito apelativos, saímos de lá satisfeitos. Entretanto, o João Lachever recebe uma chamada do Gaspar Ramos que lhe diz que também gostava de falar connosco. O Lachever diz que já estava tudo fechado, que já tínhamos aceitado. Mas eu disse que gostava de ir ao Benfica para ouvir o que tinham a dizer”, recordou, tendo acabado por aceitar uma proposta inicial mais baixa das águias, embora fosse… sportinguista: “Não sei explicar porquê, era um chamamento, alguma coisa mais forte e a verdade é que tenho esta ligação até hoje. Se calhar era o meu benfiquismo a falar e eu nem sabia.”
 
 
Apesar da concorrência de nomes de peso como Mozer, Samuel, Paulo Madeira e William, não se deixou intimidar e agarrou um lugar ao lado de Mozer. “As coisas correram lindamente e nessa época só perdi um jogo, em 34 fiz 33, fui o jogador mais utilizado no campeonato e foi sempre a subir”, frisou.
 
 
Depois de duas Taças de Portugal (1992-93 e 1995-96) e sobretudo após um campeonato conquistado de forma algo improvável na época a seguir ao verão quente de 1993 – faturou nos 3-6 em Alvalade –, foi titular nos quatro jogos da seleção nacional no Euro 1996 e transferiu-se para o Deportivo da Corunha no final desse ano.  Um dia após ter assinado pelos galegos, ainda recebeu uma abordagem do Real Madrid, mas não havia volta a dar.
 
 
Numa altura em que estava a ajudar o Depor a consolidar-se como uma equipa candidata aos lugares cimeiros da liga espanhola, sofreu uma grave lesão no tendão rotuliano, foi operado três vezes e ficou afastado dos relvados durante um ano e nove meses, entre fevereiro de 1998 e novembro de 1999.
 
 
Como só ia recuperar com a época 1999-00 em andamento e as vagas no plantel eram limitadas, foi emprestado ao Newcastle, aceitando um convite de Bobby Robson. Apesar da concorrência de jogadores internacionais pelos respetivos países, disputou 12 jogos e marcou um golo e meia época, um registo razoável. “Como fui emprestado, eles queriam ficar comigo, mas também não queriam pagar o valor que na altura o presidente do Corunha queria. Agarraram-se à minha lesão e criámos ali uma história, tudo combinado comigo como é óbvio. Ofereceram-me um contrato de três anos, aceitei logo, era muito bom, fabuloso. Então criámos um relatório médico, eu não fiz os últimos três jogos pelo Newcastle, premeditado, para quando o relatório médico chegasse ao Corunha fosse no sentido de ‘ele tem um problema de lesões, não sabemos como será isto para a frente, mas mesmo assim queremos ficar com ele’. Só que eu tinha jogado sempre, menos aqueles últimos três jogos e o presidente do Corunha não foi na conversa. Disse: ‘Ele que venha, que faça a pré-época e depois logo vemos’. Eu cheguei em condições, fiz uma pré-época muito boa...”, revelou.
 
 
Curiosamente, acabou por não jogar pelo Deportivo em 1999-00, época marcada pela conquista do improvável título nacional de Espanha, mas após o regresso à Galiza venceu a Supertaça de Espanha em 2000 e a Taça do Rei em 2001-02. Ainda foi chamado para dois particulares da seleção nacional por António Oliveira – o mesmo selecionador que fez dele uma pedra basilar da equipa das quinas no Euro 1996 –, mas não conseguiu recuperar o espaço que era seu até ao final de 1997, fechando em 2001 um ciclo de 35 internacionalizações (e três golos).
 
 
No verão de 2002 chegou a assinar pelo Atlético Madrid, numa altura em que Paulo Futre era o diretor desportivo dos colchoneros. O problema foi que da parte do emblema da capital espanhola não houve… assinatura. “O Futre mandou-me o contrato para eu e o Miki Fehér assinarmos. Mas na altura o Futre tinha 18 jogadores para dispensar. Entretanto, não conseguiu colocá-los todos e disse-me que não podia tornar efetivo o contrato. Não ficámos”, lembrou.
 
 
Teve abordagens de clubes como Ajax, Shakhtar Donetsk e Olympiakos, mas acabou por regressar ao Benfica. Nos primeiros meses da temporada nunca foi titular com Jesualdo Ferreira em jogos do campeonato, mas ganhou um lugar no onze com o interino Fernando Chalana e agarrou-o com Jose Antonio Camacho.
 
 
Na preparação da temporada 2003-04 esteve envolvido numa polémica em torno da braçadeira de capitão. Em vez de o capitão ser nomeado pelo treinador e pela estrutura, Camacho promoveu uma eleição por voto secreto para apurar o líder do balneário, e Hélder venceu. Quem não ficou satisfeito foi Simão Sabrosa, que tinha sido o capitão em grande parte da época anterior, tendo ambos protagonizado uma conversa acesa captada por câmaras de televisão. “No Benfica, nunca foi votos”, desabafou o extremo, que acusou o central de pedir votos a alguns companheiros de equipa.
 
 
Nessa segunda época após o regresso à Luz foi perdendo espaço e acabou dispensado no verão de 2004, acabando por assinar pelo Paris Saint-Germain, reencontrando na capital francesa Pauleta, seu antigo companheiro de equipa no Deportivo.
 
 
Depois de uma temporada pouco conseguida na Ligue 1, encerrou a carreira na Grécia em 2005-06, ao serviço do Larissa.
 
 
Após pendurar as botas criou a sua escola de futebol no campo do Abóboda, a Central 32, e tornou-se treinador. Depois passagens por vários clubes, como Benfica B e Al Nassr, está atualmente no comando técnico do Penafiel.
 








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