O central que viveu o céu e o inferno em 224 jogos pelo Benfica. Quem se lembra de Paulo Madeira?
Paulo Madeira esteve ligado ao Benfica entre 1987 e 2002
Tinha o rabo de cavalo mais
famoso do futebol português. Para quem como eu começou a acompanhar futebol na
viragem do milénio, Paulo Madeira era daqueles jogadores mais fáceis de
identificar. Mas este antigo central internacional português era muito mais do
que o dono de um penteado vistoso. Afinal, são poucos os que se podem gabar de
ter disputado 224 jogos oficiais pelo Benfica
e 24 pela seleção
nacional A.
Nasceu em Luanda em 1970 e veio
para Portugal em 1974, mais precisamente para São Paio do Mondego, concelho de
Penacova, no distrito de Coimbra, onde viviam os avós paternos. Depois passou
dois anos em Guimarães antes de se ter radicado no Algarve
em 1980. Foi em Vila Real de Santo António, aos 13 anos, que entrou no futebol,
para jogar nos iniciados do Lusitano
VRSA, influenciado pelos colegas de escola que lá jogavam. Foi médio esquerdo, depois passou
para a zona central do miolo e só quando o mandavam recuar em fases dos jogos
em que a sua equipa estava a ser dominada é que mostrou ter jeito para ser
defesa central. Ainda no Lusitano,
deu nas vistas no torneio interassociações ao serviço da AF
Algarve, o que lhe valeu a primeira chamada a uma seleção nacional, a de
sub-16. Abordado pelos maiores clubes nacionais, e apesar de o pai ser um
fervoroso adepto do FC
Porto, decidiu-se pelo Benfica,
clube ao qual chegou em júnior.
Campeão nacional de juniores nos
dois anos em que esteve no escalão, ao lado de Paulo Sousa, foi convocado para
o Mundial de sub-20 no início de 1989, esteve nos seis jogos de Portugal na
Arábia Saudita e ajudou a jovem seleção das quinas orientada por Carlos Queiroz
a sagrar-se campeã. Em 1989-90 estreou-se pela equipa
principal do Benfica,
pela mão de Sven-Göran Eriksson, ganhou a Supertaça
e fez parte da equipa que atingiu a final da Taça
dos Campeões Europeus, apesar de não ter realizado qualquer encontro na
competição – viu do banco o golo de Vata ao Marselha,
com a mão, que apurou as águias
para o jogo de atribuição do troféu. Na época seguinte, marcada pela
conquista do título nacional, reforçou o estatuto, tendo atuado em 12 partidas
– contra as oito da temporada anterior –, uma das quais a famosa vitória nas
Antas com bis de César Brito que praticamente decidiu o campeonato. Em
fevereiro de 1991, apesar de há muito não ser titular nos encarnados,
estreou-se pela seleção
nacional A, entrando aos 67 minutos numa goleada sobre Malta (5-0) nas
Antas, a contar para a fase de qualificação para o Euro 1992. Em 1991-92 afirmou-se como
titular indiscutível e esteve inclusivamente na famosa vitória sobre o Arsenal
em Londres em novembro de 1991 (3-1), mas na época que se seguiu perdeu espaço,
apesar da conquista da Taça
de Portugal, o que o levou a ser emprestado ao Marítimo
em 1993-94, uma temporada na qual as águias
se sagraram novamente campeãs nacionais.
No regresso ao Benfica
encontrou Artur
Jorge, que no final da época 1994-95 lhe disse que não contava com ele para
a próxima. “O Artur
Jorge chamava jogadores com quem estava a pensar não contar na época
seguinte e chamou-me também a mim. Eu fui ouvir o que ele tinha para dizer.
Virou-se para mim e disse: ‘Eu sei que tu tens contrato e não sei quê, mas eu
não quero que tu fiques aqui para o ano.’ Eu disse: ‘Mister, eu tenho contrato,
você é que disse há seis meses para o Gaspar Ramos assinar contrato comigo, não
faz muito sentido eu agora ser emprestado.’ Depois ele exaltou-se um bocado e
disse: ‘Pá, mas se ficares aqui já sabes, vais treinar para a praia.’ Eu
levantei-me e saí do balneário. E não houve mais conversa”, recordou ao Maisfutebol
em outubro de 2022.
Paulo Madeira acabou por ser
novamente emprestado, desta vez ao Belenenses
e por dois anos. Afirmou-se, foi convocado por António Oliveira para o Euro
1996 e continuou nas escolhas do selecionador que se seguiu, nada mais nada
menos do que… Artur
Jorge.
O central acabou por voltar ao Benfica
no verão de 1997 para se afirmar como titular indiscutível durante três anos e
meio, mas a sua melhor fase do ponto de vista individual, na qual somou metade
das 24 internacionalizações que amealhou pela seleção
principal, coincidiu com aquele que terá sido o período mais negro da
história dos encarnados.
Esteve, por exemplo, na derrota por 0-7 com o Celta
de Vigo em novembro de 1999 e, consequentemente, foi pressionado pela
direção de Vale
e Azevedo a sentar-se ao lado de João Vieira Pinto para ler um comunicado
na sala de imprensa a pedir desculpa aos adeptos.
Apesar de ter atuado em oito dos
dez jogos da fase de qualificação, tendo apenas falhado dois devido a lesão,
ficou de fora da convocatória de Humberto Coelho para o Euro
2000. “Foi das maiores desilusões da minha vida não ter ido a esse
Europeu. Nem que tivesse ido pela campanha que tinha feito no apuramento.
Era mais do que merecido. Mas pronto, houve outros valores que se levantaram. Não
fui e foi um grande murro no estômago que levei na altura. Mas pronto, o
futebol funciona assim (…) Quando se faz uma campanha como a que eu tenho
feito, em que se é apurado para a fase final de um Europeu que, muitas vezes,
acontece um ou duas vezes, no máximo, na carreira de um jogador, e depois não
se vai... É como, sei lá, como descascar um camarão e depois ser o vizinho ou o
gato a comer o camarão”, desabafou à Tribuna
Expresso em março de 2017. Na altura, o selecionador apenas convocou
três centrais: Fernando Couto, Jorge Costa e Beto.
Na temporada seguinte, marcada
pela pior classificação de sempre na I
Divisão (6.º lugar), começou como titular e capitão, ainda com Jupp
Heynckes, mas José
Mourinho relegou-o para o banco após uma pesada derrota diante do Marítimo
na Madeira (0-3). Ainda disputou alguns dos últimos jogos da época, às ordens
de Toni,
mas uma operação ao joelho precipitou-lhe a dispensa e, posteriormente, a proibição
de entrar no balneário da equipa principal. Depois de ano e meio sem jogar,
aventurou-se no futebol brasileiro para vestir a camisola do Fluminense
em 2003, mas não chegou a ser inscrito. Acabou por regressar a Portugal para
representar o Estrela
da Amadora na última temporada da carreira, em 2003-04, não conseguindo
impedir a despromoção dos tricolores
à II
Liga. Depois pendurou as botas, aos 33 anos, e tornou-se agente de futebolistas.
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