sábado, 23 de outubro de 2021

Celino. O “afável” Vale e Azevedo, a tremedeira com Mourinho e os problemas em Setúbal

Jorge Celino com a camisola do Benfica
Foi contratado por Vale e Azevedo e treinado por Jupp Heynckes e Mourinho no Benfica, jogou ao lado de Rogério Ceni e Kaká no São Paulo, teve “muitos meses” de salários em atraso no Vitória de Setúbal e pendurou precocemente as botas aos 26 anos devido a uma grave lesão num joelho.
 
Em entrevista, o antigo extremo Jorge Celino conta em que ramo trabalha desde que deixou de jogar futebol e passa em revista uma carreira cuja pior decisão foi assinar pelo Benfica de Luanda, clube que, garante, o maltratou e não se responsabilizou pelo seu problema físico.
 
ROMILSON TEIXEIRA – O Jorge Celino decidiu retirar-se em 2009, depois de uma curta experiência no Sertanense, quando tinha apenas 26 anos, e desde então que não tem estado diretamente ligado ao futebol. Porque pendurou as botas tão cedo?
JORGE CELINO - Pendurei as botas por força de uma lesão no joelho em 2009, depois de ter retornado do campeonato da I Liga do Egito, onde joguei por duas temporadas no Ismaily. Durante as minhas férias em Angola, recebi um convite do Benfica de Luanda, que na altura apresentaram um projeto que decidi aceitar, e ao fim de um ano tive a lesão no joelho. Voltei a Lisboa com o intuito de ser observado por um especialista e talvez fazer fisioterapia para debelar a lesão e foi então que surgiu um convite para jogar pelo Sertanense, mas ressenti-me da lesão e decidi pôr termo à carreira.
 
Não verão de 2000 o Celino entrou no futebol português pela porta grande. Como surgiu o convite para assinar pelo Benfica?
Este convite surgiu depois de olheiros do Benfica terem acompanhado jogos meus pela equipa sénior da Saneamento Rangol [atual Benfica de Luanda], onde tinha feito a minha formação e boas exibições. Assim surgiu o convite para rumar para o Estádio da Luz.
 
No Benfica, o Celino jogou sempre na equipa B. Que memórias guarda desses tempos?
No Benfica cheguei a jogar pela equipa principal numa digressão a Polónia, França e Suíça e fui convocado para um jogo da Taça UEFA, frente ao Halmstads.
 

“Vale e Azevedo era um homem com um carácter muito forte, mas sempre afável”

Jorge Celino ao lado de Moreira no Benfica B
Na altura em que o Celino assinou pelo Benfica, o presidente era ainda o polémico Vale e Azevedo. Que recordações tem dele?
Recordo o presidente João Vale e Azevedo como um homem com um carácter muito forte, mas sempre afável. Das poucas vezes que falámos foi para ele me felicitar pelas minhas atuações pela equipa B e pelas exibições que ia tendo nos torneios internacionais em que me destacava.
 
Na altura, o Benfica vivia um período conturbado, tendo a equipa principal terminado o campeonato de 2000-01 em 6.º lugar. Havia também algumas trocas de treinadores, jogadores despromovidos à equipa B e outros ao plantel principal. Como era o clube nessa altura?
O clube infelizmente vivia um momento conturbado e isso também contribuiu para que as oportunidades fossem mais difíceis para mim e para outros jogadores como Mawete Júnior e Jorge Cordeiro, entre outros.
 
O Celino chegou a treinar com a equipa principal. Quem era o treinador e quais os melhores jogadores com os quais treinou?
Cheguei a ser convocado para a equipa principal com o alemão Jupp Heynckes e depois com os misteres Mourinho e Toni. Joguei com Sabry, Poborsky e Kandaurov, entre outros.
 

"Cheguei a jogar com Ceni e Kaká no São Paulo. Era um sonho jogar no país do futebol"

Em 2002 esteve emprestado ao São Paulo. Que balanço faz da aventura no Brasil e quais os principais jogadores com os quais partilhou o balneário?
Foi uma aventura boa porque era um sonho de jogar no país do futebol. Cheguei a jogar com o grande capitão do São Paulo, Rogério Ceni, e Kaká, entre outros.
 

“No Vitória tive muitos salários em atraso, mas só tenho a agradecer aos adeptos e à cidade”

Jorge Celino com a camisola do Vitória de Setúbal em 2002-03
Em 2002-03 o Jorge Celino foi jogar para o Vitória de Setúbal, marcou um (grande) golo (à Académica) em cinco jogos e desceu de divisão. Como correu a aventura no Bonfim?
Foi uma aventura que na altura parecia boa, porque mais uma vez tinha a oportunidade de voltar para Portugal e desta vez para jogar na I Liga, mas fiz poucos jogos e o clube naquela altura tinha muitas dívidas e com muitos meses de salários em atraso. Tudo isso culminou na descida de divisão.
 
Como foi lidar com os exigentes adeptos vitorianos numa época em que quase tudo correu mal à equipa?
Claro que com os maus resultados os adeptos não estavam satisfeitos, mas nunca foram agressivos nem nunca me maltrataram. Só tenho a agradecer aos adeptos do Vitória de Setúbal e à cidade por me terem recebido muito bem e aos grandes jogadores com quem partilhei o balneário, como o Chipenda, o capitão Hélio e o meu amigo Sandro.
 
 
Após deixar o Vitória de Setúbal jogou na Tunísia e no Egito. Como correram essas experiências?
Na Tunísia tive uma experiência boa, cheguei para assinar pelo Sfaxien, clube pelo qual fiz alguns jogos importantes, e depois assinei pelo Stade Tunisien. Entretanto rumei ao Egito, onde joguei pelo Ismaily. Ainda fui à Arábia Saudita para um clube onde joguei com o José Soares, central que jogou no Benfica, e estive na China ao serviço do Guangzhou FC.
 

"Assinar pelo Benfica de Luanda foi a pior decisão que tomei"

Entretanto estreou-se no futebol angolano com a camisola do Benfica de Luanda. Como correu a essa aventura de quase dois anos?
Assinar pelo Benfica de Luanda foi a pior decisão que tomei, porque foi onde me lesionei e onde os dirigentes me trataram muito mal e não se responsabilizaram. Devido a isso demorei a ser tratado e tudo culminou com o final da minha carreira.
 
Em 2001 estreou-se pela seleção angolana, pela qual voltou a jogar por duas vezes em 2005. O que sentiu ao ouvir o hino pela primeira vez com a camisola dos Palancas Negras?
Fui chamado pela primeira vez à seleção de Angola pela mão do saudoso professor Carlos Alhinho ainda para a seleção sub-20 e foi um momento de alegria e orgulho.
 
Como foi a sua infância? Onde nasceu e cresceu e quando é que a bola entrou para a sua vida?
Nasci na província de Luanda, capital do país, num bairro no centro da cidade onde havia um enorme jardim onde eu e os meus amigos desfrutávamos de peladinhas acesas.
 
Jorge Celino jogou três vezes pela seleção angolana
Propomos-lhe um desafio. Elabore um onze ideal de jogadores com os quais jogou.
Guarda redes: Moreira;
Defesas centrais: José Soares e Nuno Abreu;
Lateral esquerdo: Jorge Ribeiro (Benfica B);
Lateral direito: Hamed (Ismaily);
Médios centro: Bruno Aguiar e Mota (Benfica B);
Extremo esquerdo: Jorge Celino;
Extremo direito: Ricardo Esteves;
Pontas de lança:  Mawete Júnior e Robert Akaruye (Ismaily).
 
E que treinadores mais o marcaram e porquê?
Em primeiro lugar o professor Zeca Amaral por ter chamado ainda júnior para a equipa principal para jogar pela equipa sénior no Girabola.
Em segundo lugar o mister José Morais pelos conselhos que me deu ainda na equipa B, o mister Jupp Heynckes e o mister Mourinho, que na sua passagem pelo Benfica chamou-me para um jogo da I Liga e depois de um treino quando todos os jogadores estavam a desequipar-se no balneário, ele muito sério virou-se para mim e perguntou se estava preparado para jogar. E eu um pouco nervoso respondi timidamente e ele disse que se eu estava a tremer assim não ia jogar. Foi um momento que jamais esquecerei.
 
O que tem feito desde que deixou de estar ligado ao futebol?
Desde que deixei o futebol fui trabalhar para uma multinacional no ramo petrolífero.
 
Continua a acompanhar o futebol angolano? O que acha da atual geração de futebolistas angolanos?
Com certeza que tenho acompanhado o futebol angolano, mas com muita tristeza de alguma forma. Acho que temos uma geração de muitos jogadores, com muito talento, e espero que o futebol angolano possa crescer ao ponto de podermos voltar aos grandes palcos como o CAN e a uma fase final do Mundial.
 
 
Entrevista realizada por Romilson Teixeira
 
















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