Manuel Fernandes, eterno capitão do Sporting e autor de um poker no 7-1 ao Benfica
Manuel Fernandes jogou no Sporting entre 1975 e 1987
O internacional português Manuel
Fernandes, histórico goleador e eterno capitão do Sporting,
ficará sempre na memória pelos quatro golos da vitória por 7-1 sobre o Benfica,
em 1986.
Natural de Sarilhos Pequenos, no
concelho da Moita, distrito de Setúbal, Manuel
José Tavares Fernandes construiu uma vida inteira ligada ao futebol,
enquanto jogador, treinador, dirigente e, até, comentador televisivo. Começou para o futebol aos 16
anos e cumpriu o sonho da mãe - precocemente desaparecida, quando o filho tinha
10 anos -, que lhe anteviu o percurso clubístico enquanto jogador. Como extremo direito, deu os
primeiros pontapés no clube da terra, o 1º de Maio Sarilhense, e logo deu nas
vistas, saltando para o Grupo
Desportivo da CUF. Aí, tornou-se profissional aos 18 anos. Seis épocas e 43 golos depois,
esteve com um pé e meio no FC
Porto. Nesse ano de 1975, contudo, acabou por mudar-se para o clube do
coração, o Sporting,
"ajudado" pelos ventos de mudança soprados pelo 25 de Abril: em 72 os
leões
quiseram levá-lo, mas o dono da CUF
impediu a saída.
Mais tarde, em 1980, também teve
hipótese de se mudar para o Benfica.
Um dirigente dos encarnados
acenou-lhe com um cheque cujo valor era superior a tudo quanto ganhou em 12
anos no Sporting. "Tremi, mas não
vacilei", afirmou, em 2011, em entrevista à Lusa. "Eu adorava tanto o
Sporting
que para mim era impensável jogar num rival que, como sportinguista,
nunca gostei. Hoje, se calhar, tenho uma maneira diferente de ver as coisas.
Mas na altura senti que nunca podia representar o Benfica",
acrescentou. Nessa mesma conversa, lembrou o
quão gostava do Sporting:
quando jogava pelo clube
do Barreiro, ao intervalo ia perguntar ao roupeiro qual era o resultado dos
leões.
Era "fanático", a ponto de "chorar quando o clube perdia",
recordou à Lusa o eterno capitão. Quando chegou a Alvalade,
em 1975, foi logo adaptado a avançado por Juca e, a partir de 1978/79, o
técnico jugoslavo Milorad Pavic entregou-lhe a braçadeira, projetando-se como
eterno capitão. Lá na frente, formou uma dupla
temível com Rui Jordão (1952-2019) e cumpriu 12 temporadas que configuram uma
página de sucesso na história do clube, recordada até hoje. Manuel
Fernandes nunca falhou nenhum dérbi para o campeonato nessas 12 épocas,
participando em 24, além de outros que jogou para a Supertaça,
a Taça
de Portugal e a Taça de Honra. O único em que não participou foi um
clássico para a Taça,
em que o Sporting
venceu o Benfica
por 3-0, com três golos do brasileiro Manoel. Com a camisola
verde e branca, conquistou dois títulos nacionais (1979/80 e 1981/82),
apontou 255 golos no campeonato e 342 em todas as competições oficiais,
figurando como o segundo melhor marcador da história do Sporting,
apenas atrás de Fernando Peyroteo (540 golos em 332 jogos oficiais). A isto soma ainda o recorde de
presenças em jogos da divisão
principal do futebol português, facto que motivou uma homenagem da Liga a
25 de abril de 2023, em Sarilhos Grandes. "Ser o jogador com mais
jogos é um grande orgulho. Já ganhei campeonatos, bolas de prata, mas este
troféu é diferente. Sonhava ser jogador de futebol e tenho 486 jogos na I
Divisão", disse, na cerimónia, Manuel
Fernandes. O antigo avançado foi aí considerado
"uma referência viva" pelo presidente da Liga, Pedro Proença,
"não só por aquilo que foi como jogador, mas fundamentalmente por um
conjunto de valores que sempre defendeu", sublinhou. No total, Manuel
Fernandes somou 601 jogos, 318 golos e cinco títulos: dois campeonatos
nacionais, duas Taças
de Portugal e uma Supertaça,
todos com o Sporting. Somou também um prémio de melhor
marcador do campeonato, com 30 golos de leão
ao peito em 1985/86, contabilizando ainda 30 internacionalizações e sete golos
pela seleção
AA de Portugal. Mas o feito pelo qual é ainda
hoje mais citado é o poker com que contribuiu para o 7-1 no dérbi entre Sporting
e Benfica,
à 14.ª jornada da época de 1986/87, em 14 de dezembro de 1986. "As pessoas podem dizer que
o Benfica
foi campeão, mas já o foi muitas vezes. Campeonatos há muitos, mas um resultado
destes há só um, e por isso é que passados 30 anos os sportinguistas
ainda hoje me felicitam no dia 14 de dezembro", disse Manuel
Fernandes em entrevista à agência Lusa, em 2016, por ocasião do 30.º
aniversário da goleada que perdura na memória dos adeptos do Sporting.
Apesar do feito, saiu no final
dessa época, dispensado pelo inglês Keith Burkinshaw. Mudou-se para o Vitória
de Setúbal orientado por outro britânico, Malcolm Allison, o treinador que
mais apreciou ao longo da carreira.
Manuel
Fernandes, que gostava de ter jogado com Maradona
e Cruyff,
retirou-se dos relvados em 1988, com mágoa: não se despedir na equipa de
sempre, o Sporting.
Outro desgosto: ter ficado fora da convocatória para o Mundial de 1986, no
México, sem uma justificação. Ele que tinha acabado de ser o melhor marcador do
campeonato, com os tais 30 golos na época de 1985/86. Em Setúbal, iniciou o percurso
como treinador no final da época de 1987/88. Orientou depois o Estrela
da Amadora, Ovarense,
Campomaiorense,
Tirsense,
Santa
Clara, Sporting,
Penafiel,
ASA (Angola) e União
de Leiria, encerrando a carreira como treinador em 2011, novamente à frente
do Vitória
de Setúbal. No banco, foi campeão pelo Santa
Clara, na II Divisão B (1997/98) e na II
Liga (2000/01), saindo à 18.ª jornada para orientar o Sporting.
Também pelos açorianos,
subiu à I
Divisão em 1998/99, feito que já tinha conseguido no Campomaiorense
(1994/95) e que repetiu no Penafiel
(2003/2004) e na União
de Leiria (2008/2009). Em Leiria pegou na equipa no
último lugar, à oitava jornada, terminando na segunda posição da II
Liga. Mas, numa entrevista ao jornal Expresso, em 2020, confessou
que foi no Campomaiorense
e no Santa
Clara que mais gostou de treinar, nas épocas das subidas. Pelo meio, regressou ao Sporting
como treinador principal, na época de 2000/01. Em seis meses, conquistou a Supertaça
e ficou em terceiro lugar. Mas, "depois não quiseram que eu ficasse
mais", desabafou também ao Expresso. Voltou ao clube entre 2011 e
2013, como diretor do Sporting
B, e foi também coordenador de recrutamento dos leões,
entre 2015 e 2019, antes de se dedicar em exclusivo ao comentário de futebol na
televisão. À Lusa, resumiu a carreira
num balanço repartido por duas entrevistas. "Não fico na história do Sporting
por causa dos 7-1, mas pelo que fiz ao longo de 12 anos no clube, embora este
jogo com o Benfica
tenha sido algo inesquecível, marcante para a vida, mesmo para os
benfiquistas", realçou, em 2016. Antes, em 2011, admitiu que,
mesmo não tendo conquistado títulos internacionais pelos leões,
se sentia protagonista de algo único. "Para um miúdo que veio de Sarilhos
Pequenos para jogar nem que fosse uma vez no Sporting,
ter feito 600 jogos no velhinho estádio
de Alvalade, onde sou o jogador com mais golos marcados, é uma coisa
inédita", rematou.
Sem comentários:
Enviar um comentário