Pedro Andrade defendeu o Banheirense nas duas últimas épocas |
Foi o jogador mais velho a atuar
na I
Distrital da AF Setúbal na última época, aos 44 anos, há quem o trate no
balneário por “velhote” e sente-se pressionado pela família para pendurar as
luvas, mas Pedro Andrade pretende continuar na baliza da União
Banheirense na próxima temporada.
PEDRO ANDRADE – A ideia é essa, continuar a jogar mais um ano, mas já aplico essa frase desde 2009-10, época em que regressei ao Desportivo de Portugal, no cumprimento de uma promessa feita ainda em menino, e fomos campeões. E sim, passa sempre por continuar na União Banheirense, clube que me diz muito, é bem orientado e de boas pessoas, que nos tentam dar tudo o que podem.
Primeiramente, direi que a idade é apenas um número, o estado de espírito é que faz a idade. É um facto, as dores estão cá, mas são esses obstáculos que temos de superar, treinar com dor para merecer jogar ao domingo. Hoje em dia qualquer toque é logo para ficar uns dias a soro, mas não concordo e muitas das dores são suportáveis e na paragem de verão essas mazelas são debeladas. Mas voltando ao que realmente me motiva, é tentar superar-me todos os anos, tendo a clara noção que já não são o mesmo de há dez anos e muito menos de há 20. Uma das minhas principais características era a velocidade de reação e hoje em disso tento debelar isso com a leitura de jogo que a experiência me dá.
Para ser sincero não, são realidades completamente diferentes, são os extremos do futebol. Mesmo que visse alguma coisa dificilmente poderia aplicar, a minha profissão é outra e mesmo tentando ser profissional dentro do amadorismo, ele tem coisas que ajudam a ajustar como relva, fisioterapia, médicos, nutricionista, tempo de descanso, etc. A este nível não existe um décimo do que ele possui para que eu me pudesse tentar ajudar à idade mais avançada. Penso que irei pendurar as luvas primeiro que o Gigi.
Não tenho alcunhas. Tratam-me principalmente por Andrade, mas é óbvio que existe sempre o “velhote” e um ou outro termo sem qualquer nexo. Quanto ao “você”, de vez em quando aparece um miúdo mais educado – nos dias de hoje é coisa rara – que me trata assim, mas faço questão de o pôr à vontade porque somos colegas de equipa.
Sou uma pessoa que analisa os jogos e aponta. Na primeira época e meia na União Banheirense, em 51 jogos fui titular em 49 e chegámos à final da Taça AFS, fizemos um 7.º lugar e tivemos a quarta defesa menos batida. Depois, em Sesimbra, onde no meu ponto e vista cometeram um erro e dispensaram o treinador ao fim de oito jogos, joguei seis jogos em oito. Seguiu-se o Alfarim, em que em 39 jogos joguei 30 (tive três jogos de fora devido a castigo) e, por fim, de volta à União Banheirense, em 73 jogos possíveis nestas duas épocas fiz 57 a titular, conseguimos uma subida e uma permanência numa época em que todos davam a União Banheirense como despromovida.
Todos estes dados levam-me a dizer que, juntamente com o mister Álvaro Albino (atual coordenador no Alcochetense), foram os treinadores que mais confiaram em mim e desde já o meu agradecimento público. A nossa relação é simples: quando estamos num clima bom trato-o por “pai”, mas quando é mau é melhor nem falarmos, principalmente se eu falhar, mas acima de tudo penso que existe um enorme respeito e confiança um no outro. O mister conhece-me como ninguém e sabe o que posso oferecer à equipa e eu sei o que ele dá pela equipa.
“Família? A pressão para abandonar é gigante”
Pedro Andrade já tinha estado no Banheirense entre 2013 e 2015 |
E das bancadas, surgem
comentários relacionados com a idade ou Pedro nota que os 44 anos passam
despercebidos para quem está de fora?
A família é um “problema”, todos os anos. Aliás, pela minha mãe eu nem tinha jogado futebol quando era mais a novo. A pressão para abandonar é gigante, porque não tenho tempo em família: é chegar a casa receber a filha, esperar pela mulher chegar para arrancar para o treino e depois chegar a casa com todos a dormir, ir jantar e deitar. Eu sei que existem mais jogadores nesta situação e é muito, mas muito difícil, mas o que muitas mulheres ou namoradas, filhos ou filhas e pais e mães não percebem é que vivemos isto de tal maneira – ou pelo menos eu vivo – que só a ideia de deixar de jogar me deixa abatido e triste. Contudo, tenho a convicção que está cada vez mais perto, faz parte. Agora é tentar lidar e gerir tudo em casa para que nada falhe na logística.
Sou técnico de gás natural e é desgastante fisicamente, porque é principalmente no meio da zona mais velha de Lisboa. Mas, com calma, consigo agilizar para estar presente nos treinos.
Terceira melhor equipa da segunda volta após revolta em Sines
Festa no balneário após uma vitória sobre o Palmelense |
Falando um pouco mais da
última época, a ideia que dá para quem está de fora é que houve um antes e um
depois do jogo da 21.ª jornada, em Sines, no qual o Banheirense,
em protesto contra a arbitragem, fez cinco substituições ao intervalo e logo a
seguir os seus jogadores foram saindo alegadamente lesionados até a equipa
ficar reduzida a seis atletas e o árbitro dar por terminada a partida. Depois
de 22 pontos em 63 possíveis, vocês ganharam 30 em 39 possíveis. O que vos
levou a tomar essa decisão e de que forma é que essa atitude contribuiu para a
melhoria dos resultados da equipa?
Tivemos uma segunda volta muito boa, fomos a terceira melhor equipa na segunda volta. O jogo em Sines serviu para nos unir ainda mais e fazer ver que, se não for na união e na garra, iriamos ter dificuldades até ao fim. O trabalho estava a ser bem feito e faltavam apenas resultados nos jogos.
Foi uma boa época para o clube, penso que fez o maior número de pontos da sua história num campeonato, um 7.º lugar com a recuperação já mencionada. Provámos que isto não é como começa, mas sim como acaba. Dizia no balneário que íamos ficar à frente de algumas equipas e ficámos, e dizia isso ainda no fim da primeira volta. Quanto a repetir o feito, é esperar para ver, há muito trabalho pela frente.
Vou dizer algo que parece mentira, mas nunca gostei de ser guarda-redes. Preferia jogar à frente, dar cuecas e gozar, mas a verdade é que nos torneios da escola estava sempre à baliza e mesmo assim fazia golos a sair a jogar, era feliz das duas maneiras. Depois apareceu o Desportivo de Portugal, que me deu a oportunidade de treinar à baliza e gostei das sensações. Mais tarde, já no Luso, comecei a ter treino de guarda-redes e era isso que me fascinava, o treino em si. E fiquei na baliza até hoje.
“Luso? Ver um estabelecimento comercial no lugar da ‘quintinha’ é triste”
Pedro Andrade nos seniores do Luso em 2002-03 |
O Pedro competiu pela primeira
vez nos campeonatos distritais de futebol sénior em 1998-99, ao serviço do
Luso, o clube onde concluiu a formação. Que memórias guarda dos tempos que
passou no pelado do Campo da Quinta Pequena? O que sente quando passa por
aquela zona do Barreiro
e já não vê campo de futebol?
Na quintinha tínhamos uma máxima:
“na nossa quintinha para nos ganharem têm que cagar sangue”. E era assim. Não
era qualquer equipa que lá passava. Naquele campo tenho algumas das melhores
memórias da minha vida, foi lá que arranjei amigos para a vida, amigos que
ainda hoje o são. Quando o mister Álvaro Albino se reuniu com o meu pai e
diretores do Desportivo de Portugal, foi das melhores sensações que tive no
futebol, foi lá que me tornei homem. A tristeza é enorme sempre que me lembro
que acabaram com um clube histórico. Ver um estabelecimento comercial no lugar
da “quintinha” é triste e a nostalgia vem ao de cima.São alguns aninhos e alguns clubes. Como bons momentos não posso deixar de referir o ser campeão [da II Distrital] no meu clube de formação e da minha terra [Desportivo de Portugal], feito conseguido logo na primeira época em que o clube regressou às competições [2009-10], e a subida na época passada na União Banheirense. Tenho um momento agridoce: chegar à final da Taça AFS foi um momento mágico no meu primeiro ano na União Banheirense [2013-14], mas ter perdido a final foi a minha maior mágoa no futebol. Regra geral, fui bem tratado em todos os clubes, mais nuns do que noutros, mas nunca vou esquecer os clubes da minha formação, Desportivo de Portugal e Luso, e, claro, a União Banheirense.
Guardião estreou-se como sénior em 1998-99 |
Ao longo destes cerca de 25
anos de I
Distrital, quais foram os avançados mais temíveis e as equipas mais
demolidoras que defrontou?
Equipas demolidoras apanhei uma da
União
de Santiago do Cacém [em 2001-02] em que a claque antes do jogo começava a
cantar “mais uma vitória la la la”, eram fortíssimos. Hoje em dia existe sempre
uma ou outra equipa que se destaca, mas o trabalho das diferentes equipas
técnicas é muito equiparado, o que leva a nivelar um pouco e não existirem
equipas que se destaque. Nesta época, por exemplo, o Barreirense
esteve fortíssimo e foi um justo campeão, mas as equipas que praticavam um
futebol que me enchiam o olho foram o Alcochetense,
o Comércio
e Indústria e o Amora
B.Joguei contra alguns pontas de lança muito bons como Figueiras do Moitense, Karadas do Grandolense, Pedro Amora do Sesimbra e ainda joguei com alguns como o Juvenal no Fabril, Rui Edgar no Luso, Djá no Moitense e no FC Setúbal, Cajó e Ramião no Desportivo de Portugal, Tiago e Rui Carvalho no Palmelense, Aldemar no FC Setúbal ou mesmo o Jardel na Quinta do Conde. Esta época os melhores que defrontei foram Moussa do Comércio e Indústria, Bruninho do Barreirense, Marco Véstia do Olímpico Montijo e Ari do Moitense, são jogadores de outro patamar, e quase que posso meter aqui o Nita do Vasco da Gama de Sines porque marca como avançado, mas é central.
Quando comecei não existia treinador de guarda-redes. Era um treinador, um adjunto ou com sorte um preparador físico que metia uns cones e era correr até morrer, mas como deve calcular apanhei transformações incríveis, como mexidas nas balizas, atrasos para o guarda-redes possíveis de qualquer maneira, não poder dar mais do que três passos com a bola na mão e atrasos só em lançamentos laterais. Eu, em relação aos mais novos, tive realmente que me adaptar a muitas coisas e continuou a dizer que todos os anos me adapto e aprendo algo novo. A verdade é que o guarda-redes começou a ser visto como alguém importante no jogo e começa-lhe a ser dado o devido valor, porque regra geral só é lembrado se falha. As novas gerações valorizam cada vez mais o treino do guarda-redes e isso tem sido benéfico em termos ofensivos, inclusivamente com saídas rápidas com bolas longas nas costas da defesa adversário ou mesmo no sair a jogar, funcionando como pivô.
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